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LITERATURA MARANHENSE: Sonhos não são o contrário da realidade – são parte dela*

A quarta-feira chegou... E, com ela, os textos literários – produção de escritores maranhenses... O BLOG DO PAUTAR incentiva, por meio do projeto LITERATURA MARANHENSE, a leitura de bons textos... Aproveite! Bom “apetite”!

(Apresentação ao livro “Da ‘Revolta Cidadã’ à Utopia Brasil”, do advogado e pensador Ulisses de Azevedo Braga, membro – “in memoriam” – da Academia Imperatrizense de Letras. A obra, de 228 páginas, foi publicada há 21 anos, em 1999, pela Ética Editora, Imperatriz-MA)

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Caro Destinatário desta “Carta Urgente”:

Há pessoas que acham que sonhos vêm do sono, de um estado de letargia, e que o espaço para eles se circunscreve à mente. Não; os sonhos provêm da realidade, de uma situação de vigília, e para ela retornam, “materializados”, com as alterações/adequações, positivas ou não, a que forem submetidos pelas influências e desvios do meio.

Sonhos não são o contrário da realidade; são parte dela. Assim como o espírito dá vida ao corpo e a ele se integra, os sonhos é que animam (isto é, dão alma) à realidade e a ela se incorpora. Dois-em-um. Indivíduo – ou seja, o dois que não se divide, o DUO (dois) que é UNO (um), o par irrepartível, casal inseparável, dupla indivisível.

À Luther King, Ulisses de Azevedo Braga tem um sonho, do qual também não se separa, embora reparta com outros. (Vantagem comum a sonhos, amor e conhecimento: quanto mais se divide, mais se multiplica).

O sonho de Ulisses é pulso, pulsão, pulsação. Pulso forte, social. Pulsão consciente, cidadã. Pulsação enérgica, energética, espiritual. Pulso, não impulso; pulsão, não compulsão. Um sonho que é materialidade gráfica neste livro. E que poderia (deveria) ser realidade sociopolítica neste país.

Nesta sociedade de espinhos, ninguém poderá dizer que alguém não falou de flores. Ulisses Braga não só fala de flores: ele prepara o buquê, ele entrega a “corbeille”.

Esta “Carta Urgente” bem que merece um “AR”, o Aviso de Recebimento. Porque o que deve ser urgente, mesmo, não é a Carta, mas a resposta a ela.

Ulisses é nosso “filósofo sociopolítico” mais carnal, espiritual e social: pensa/a/dor, vivencia/a/dor e soluciona/a/dor. Este livro demonstra isso; não é um produto tão-somente de um esforço intelectual, mas de uma prática político-social, de uma angústia espiritual, um sofrimento pessoal. Não é só obra de reflexão, mas de “reflexação”, ação refletida, reflexão e reflexo da ação.

Ulisses prega, ou prevê, o fim do Poder, do Poder como está sendo exercido, onde (quando) a Pátria comunal, nacional, vira patrimônio pessoal ou, no máximo, grupal. A Pátria é o patrimônio formado pelos muitos pobres e afanado pelos poucos ricos. A Política é o veículo do Poder, pelo Poder, para o Poder, que, no porta-malas, leva assistencialismo material e escravismo mental. Junto com a comida para o estômago, com o dinheiro para o bolso, o remédio para a doença, vai a anestesia para a alma, o modelador de vontades, o anulador de opções.

Este livro traz um novo modelo de Cidade e de Estado. Sugere regras, um Credo, crenças, práticas. A Utopia não é o não lugar, é o lugar pensado e possível, feito a partir das mesmas gentes e mesmos agentes hoje (sobre)viventes.

Ulisses Braga escreve a fórmula geral, desenha a forma ideal, molda a forma final. O livro é quase um “tool book”, um livro-ferramenta: vai além do pensar e mostra os passos para a realização. O que Ulisses não pode fazer é o que cada um deve fazer, indivíduo-socialmente, sócio-individualmente: avaliar a proposta, agregar-lhe outros valores e, sobretudo, mobilizar-se rumo à prática que leve à construção solidária, cooperativa, da nova realidade política, social, econômica, jurídica, cultural e filosófica – a Democracia Participativa.

Um “novo” “ethos”, uma “nova” “práxis”, um “novo” ser; um “novo” ser, uma “nova” “pólis”, um “novo” Estado, um “novo” Cosmos. Ulisses executou um trabalho de Hércules. Fez uma obra de gênio (“gênio”, aqui, o homem excepcionalmente dotado de força criadora e criativa).

Mas – já o disseram – o mal dos gênios é que quase nunca são devidamente reconhecidos em sua época. Quantos mestres de obra, quantas obras de mestre, meu Deus, lançaram fundamentos e fundações!... O Éden, da Bíblia; Canaã, a terra santa prometida a Abraão; a República, de Platão; a Utopia, de Morus; a Cocanha, dos franceses; a Luilekkerland, dos holandeses; a Schlaraffenland, dos alemães; o reino de Panicone, dos italianos; a Terra de Dilmun, do povo mesopotâmico; a Cidade do Sol, de Campanella; a Nova Atlândida, de Bacon; o Novo Mundo Industrial e Societário, de Fourier; a terra de Eusébia e a terra dos Méropes, de Teopompo de Quios; as Ilhas Afortunadas, de Iâmbulo; a Idade de Ouro, de Virgílio, Ovídio e outros; a Ilha dos Bem-Aventurados, de Hesíodo, Luciano “et alii” ; a ilha de Bran e o Tír na n-Og, o país da juventude, dos celtas; o Walhala, dos escandinavos; a Terra Sem Mal, dos tupis-guaranis; a “yvy-nomi mbyré”, a “terra onde se esconde” dos índios nandevas; a São Saruê, dos nordestinos; a Pasárgada, de Bandeira...

São cidades dos sonhos e sonhos de cidades. Pensadas como espaço pessoal ou comunitário, onde a vida e a convivência são prazerosas, de amores e louvores, sem preocupação com trabalho, alimentação, saúde... ou planejadas com regras, para seus habitantes desfrutarem do direito à participação, à expressão, à construção coletiva do seu próprio “locus”.

A partir da experiência cidadã de uma cidade, Ulisses Braga, arquiteto do futuro, desenha uma planta para uma comunidade municipal e também para a comum unidade nacional – brasileira, no caso. Não é tarefa fácil – senão não seria trabalho para Ulisses, desde a mitologia grega um símbolo da capacidade humana de superar as adversidades.

A teoria dos “Grandes Homens”, de Thomas Carlyle, credita o progresso humano aos esforços de indivíduos excepcionais. Para ele, “a história do mundo nada mais é que a biografia dos homens notáveis”.

Ulisses de Azevedo Braga é um homem notável. Construiu uma obra cujas intenções, honestas, exequíveis, certamente merecerá a compreensão, as atenções e as ações, senão dos seus contemporâneos, ao menos dos seus pósteros.

Pois essa parece ser a sina dos seres e das obras onde há gênio. A origem grega já advertia: “gênio” significa “Ter nascido, vir a ser”.

Ulisses Braga nos oferta um belo presente.

O futuro te manda lembranças, Ulisses.

* EDMILSON SANCHES