Skip to content

COMO PERDER A ELEIÇÃO E A MORAL*

Ganhar eleições não é fácil. Fácil é perdê-las. Neste caso, para que tudo dê certo e se perca uma eleição, o candidato deve contratar auxiliares mais ou menos medíocres e medrosos. Gente de personalidade bissexta, cambiante, furta-cor, mimética, camaleônica. Auxiliares que funcionem no máximo como assessores, jamais como consultores.

O assessor tem com o candidato uma relação de hierarquia. O consultor, de parceria.

O assessor faz o que o candidato manda. O consultor manda o candidato fazer.

O assessor obedece, de olho na contraprestação salarial. O consultor recomenda, de olho no resultado eleitoral.

Assessores trabalham na campanha do candidato. Consultores trabalham o candidato na campanha.

O assessor pensa numa campanha para o candidato. O consultor pensa numa campanha para um Governo.

Para o assessor, toda campanha é uma coisa só, uma atividade técnica, uma relação profissional com o candidato. O consultor vai mais além: a campanha é um processo ético-político, é parte de um plano governamental, uma relação contratual com o eleitor – o que for prometido hoje deve ser realizado amanhã.

Para candidato que quer perder, eleição é guerra e adversário é inimigo. Por isso não tem cocorocó nem bico de pato: vai logo mandando brasa. Afinal, o único jeito de fazer gol é partindo pro ataque. Despacha assessores-perdigueiros para farejar podres dos adversários. Se não encontrar, melhor ainda: inventam-se os podres. Mentira pega fácil: basta ser dita com solenidade ou, de outra forma, com simplicidade, como quem não quer nada. Mentira eleitoral é semente boa, embora fraca: dá frutos rapidinho e, convenientemente, dura só o período de campanha, embora permaneça plantada na memória e no coração do adversário, que pode regá-la com lágrimas, sangue, suor e, muitas das vezes, bebida.

Candidato que quer perder eleição considera-se órfão e solteiro. Assim, para ele, adversário também não tem pai nem mãe, nem mulher ou filhos, parente ou aderente. E, se tem, não merecem respeito também. Pelo efeito osmose, se o adversário não presta, igualmente não prestam os que dele derivam ou que em volta dele gravitam. São farinha de um mesmo saco. Rapa do mesmo tacho. Gatos do mesmo saco. Banha do mesmo toucinho. Trechos do mesmo mau caminho. Pedras do mesmo embornal. Grãos do mesmo sal. Etcétera e coisa e tal.

Candidato que quer perder eleição vai pra tevê e “bota quente” nos adversários. Quer ocupar todo o horário. Fala de tudo e de todos – e fala mal e taca o pau: o eleitor, afinal, quer mais “pimenta” no programa eleitoral.

Candidato que quer perder eleição não apresenta plano nenhum ou apresenta logo todos. Enche o eleitor ou de promessas vazias ou de propostas vadias.

Candidato que quer perder eleição fica doido pra dar uma de vítima. Torce pra que lhe dirijam acusações, calúnias, injúrias, difamações. E se os adversários não fizerem isso por ele, não tem nada, não: na calada da noite, ele se fará essa imolação, para, nos dias seguintes, em ressurreição, e escondendo toda a sua manha, dizer-se indignado ou penalizado com o baixo nível da campanha.

Candidato que quer perder eleição autoriza ou faz vista grossa para auxiliares que espalham boatos, criam fatos e perturbam os atos e pronunciamentos dos adversários. E, intimamente, torce para que, pelo menos, um desses auxiliares leve um soco na cara, um chute nos ovos ou um tiro nos peitos, e a Polícia, daquele jeito, entre na estória. E aí já será a glória – e, supõe, a quase vitória.

Candidato que quer perder eleição pede depoimento até de ex-namorada, com quem o rival deu uma brochada. Ou uma mãe sumida e um filho não assumido. Qualquer coisa vale a pena, embora a alma não seja pequena: campanha não tem alma. Só corpo a corpo.

Candidato que quer perder eleição aumenta os defeitos e reduz os feitos dos adversários. É um cientista maluco: com microscópio ajustado, enxerga monstros em coisas minúsculas. Ou, com binóculo invertido, vê pequena uma grande coisa ou causa.

Candidato que quer perder eleição age rápido e contrata uma ameaçazinha de morte para si mesmo, na hora certa, ou um tiro de festim incerto, para garantir o destaque na Imprensa e inviabilizar outras explorações de ameaças pelos adversários. Muda de telefone. Desautoriza a Companhia a fornecer o número. Pede garantias de vida. Acompanhamento policial. Vigilância ostensiva na residência. Se colar, até presença do Exército. Vai com ar grave à televisão e denuncia e desafia, clama, reclama, proclama e conclama o eleitor para, juntos, acabarem de vez com essa corja, súcia, que pretende instalar-se em posições políticas de destaque e, durante o mandato, enriquecer-se mamando nas tetas do Poder, nas burras do Erário, dinheiro público, dinheiro do contribuinte, que é você, cidadão.

Como se nota, são muitos os jeitos e estilos para se perder uma eleição. Portanto, eleitor, se o seu candidato está cometendo algum desses pecados (e outros mais), você já sabe o que ele quer: perder a eleição. Então, “fiat voluntas tua” – faça a vontade do seu candidato: não vote nele.

Se os candidatos não prestam e perderam a moral, o eleitor – pelo menos este – tem de conservar sua dignidade pessoal.

Por isso, eleitor, vote, vote como quem dá uma porrada.

Pois, ao que parece, só assim a baixaria será castigada.

* EDMILSON SANCHES

(Texto escrito e publicado na Imprensa na década de 1980. Em que os políticos mudaram nos últimos 40 anos?)