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UMA REFLEXÃO*

Minha página no Facebook não é de conforto ou comodismo. Ela, muitas das vezes, instiga, problematiza, critica, propõe.

Em geral, os textos são grandes. Mas apenas uma – repita-se: apenas uma – pessoa, residente em uma capital de Estado, observou (uma única vez) que eu deveria, digamos, ser “menor”.

Acho que quem pensa assim é que tem de ser maior. (De qualquer modo, essa pessoa prossegue em leituras e comentários).

Comunidades desenvolvidas são comunidades leitoras. E leitoras de livros, não de telegramas.

Aponte-me uma sociedade atrasada e ali haverá uma população não leitora. Mostre-me uma sociedade desenvolvida e nela existe uma grande população leitora.

Dos mais de CEM BILHÕES de pessoas que já existiram no planeta Terra, a maior parte não deixou uma marca para a posteridade. Nem os ossos sobraram, corroídos pelo Tempo. Transformados em pó.

Assim, de certa forma, a coisa escrita torna-se o novo fóssil. O fóssil onde cientistas, especialistas e pesquisadores de um distante futuro haverão de colher material que diga ou que ajude a dizer como era a sociedade humana em que vivíamos nós que fomos habitantes dos antigos séculos XX e/ou XXI.

Claro, cada um de nós tem o direito de ir pro inferno em paz, isto é, de fazer nossas próprias escolhas, de viver como quiser, de preferir o comodismo ou o esforço, a preguiça ou a labuta, a vida mole ou o trabalho duro.

De minha parte, acho que usar ambientes de redes sociais e outros espaços da Internet (“blogs”, “sites”...) apenas (eu disse: “apenas”) para frivolidades é desperdiçar os recursos dos espaços digitais e o talento potencial que cada um de nós carregamos, pois todos nascemos com a mesma quantidade de neurônios (86 bilhões).

Mas, enfim, volto a repetir, não há censura nisso, é só uma constatação, e cada um – torno a dizer – é senhor ou senhora de sua própria vida. Dela faz o que quiser – desde que não “mexa” negativamente com a vida dos outros.

Convenhamos, entretanto, que, do ponto de vista biológico, não faz bem nenhum aos neurônios de uma pessoa ou aos cromossomos (a herança genética que ela deixará) se ela, pessoa, por exemplo, em redes sociais, se limita a “comentar” quase sempre com reduções/abreviações do tipo “vdd” ou demonstrar reações e emoções com “rs rs” / “kkk” ou com figuras de rosto ou dedão azul pra cima (ou pra baixo).

Quanto de tempo alguém economiza “escrevendo” assim? E o que faz com o tempo economizado? Qual o ganho que há se, em vez de “verdade” escreve “vdd”, em vez de “beleza” escreve “blz” etc.?

A repetição, a frequência, o acostumar-se a essa linguagem excessivamente sincopada, braquigráfica, vai gradativamente habituando o cérebro (que tanto quer desafios, informações...) a ficar “preguiçoso”, lento... Aí, quando o escrevedor de “vdds” e “kkks” se defronta com textos com linhas a mais, bate o desânimo, a preguiça, o desconforto, o desinteresse, quando não a imediata repulsa – pois o cérebro não foi adequadamente estimulado (exceto para o nenhum ou pouco esforço mental).

Quando tem de enfrentar uma redação no vestibular, uma entrevista de emprego, uma fala em público, a pessoa se perde, se ataranta... porque não habituou – para a leitura, a inteligência, o raciocínio, a escrita adequada – o único órgão que define quem cada pessoa é (o cérebro).

Tempos atrás, um leitor de minha página “facebookiana” pediu-me, por mensagem privada, que escrevesse um texto sobre um determinado assunto. Depois de uns poucos dias em que fui fazendo leituras e reflexões sobre o tema, depois de naturalmente meu cérebro ir acumulando e organizando “automaticamente” informações e correlações acerca da matéria, escrevi o texto e prontamente o enviei para meu leitor, também por mensagem privada (Messenger) – afinal, se ele me suscitara para escrever o texto, deveria ser o primeiro a dele tomar conhecimento...

Quase que imediatamente o leitor enviou-me esta micromensagem: “Vdd”.

Basicamente ele havia lido só o título e já pespegou uma resposta, um comentário, usando a braquigrafia (o processo de escrever por abreviações, abreviaturas, siglas, acrografias, símbolos e outras formas de redução).

Àquela altura, eu sequer sabia o que era “vdd”. Rapidamente descobri o que significava e indaguei ao leitor: “É só isso o que você tem a dizer?”

Achei que essa pergunta se justificava. Afinal, eu investira tempo, esforço, saúde, energia mental para a elaboração do texto com alguma propriedade e, como “resposta”, me vem três consoantes!...

A coisa piorou. Em “resposta” à minha pergunta, o leitor enviou a figura de um dedão de cor azul, com o polegar para cima, como a “dizer” “OK”, ou “isso mesmo”, “certo”.

Ou seja: o leitor saiu da fase das abreviações, onde ainda se usavam letras, para um nível simbólico, imagético. O cérebro se acomoda mais, pois a interpretação, o significado é quase simultâneo. A mente vai ficando em estado basal, termo da Medicina que indica que um órgão ou organismo chegou ao ou está no patamar mínimo de atividade.
Embora o cérebro não seja estimulado apenas pela leitura e a escrita, a Ciência já confirmou que a leitura é a verdadeira “academia de ginástica” do cérebro. Sem um bom uso da linguagem, corremos o risco de voltar ao “Ugh! Ugh!” e, quando acabar esta fase “verbal”, voltaremos a fazer inscrições nas cavernas...

Decididamente, não serei um escritor rupestre. Não farei livros esgrafiando. Não reproduzirei a pré-história e o primitivo usando mediocremente cérebro e, ops!, língua.

É evidente que não se está negando aqui o valor de frases curtas, densas, espirituosas, que fazem “pirar” e inspirar.

Não se nega o valor do pequeno, do extremamente minúsculo, do qual todos nós e tudo em qualquer parte do Universo é constituído.

O de que se fala aqui é de outra coisa.

**

Sabemos que, dentro de um futuro ainda distante, o planeta Terra e tudo que há nele deixarão de existir. Um irrefreável fenômeno astronômico de gradual aproximação do Sol à Terra vai queimar, vai torrar nosso mundo. É verdade científica. Não é “se”, mas “quando”, e todo o conhecimento humano acumulado nada poderá fazer. A solução, há muito pensada e buscada, é descobrir um novo planeta que nos acolha e nos ature (pois somos maus, não zelamos devidamente o lugar que habitamos).

A busca por uma nova “casa” planetária necessitará de mais e mais conhecimentos – inovadores, criativos, ousados, exequíveis, quiçá urgentes. Conhecimentos exigem mentes preparadas, porosas, abertas, sequiosas de saber (sem neura, evidentemente). E não se consegue isso com “kkks”, não é vdd? Então, blz.

Ser “moderno” ou contemporâneo não é ter um telefone inteligente (“smartphone”) de última geração, com todos os recursos e aplicativos possíveis.

Ser “moderno” não é ter um computador com altíssima memória RAM e terabytes de capacidade no HD.

Ser moderno ou contemporâneo, sem descartar os momentos de diversão, é ter e/ou desenvolver conteúdos que nos tornem também agentes das ideias e dos fazeres, “mens et manus”, e não cômodos usuários de facilidades e frivolidades.

A Humanidade precisa que os humanos explorem suas potencialidades – para, ao menos, tentar garantir nossa sobrevivência enquanto espécie.

Nada tão frustrante como testemunhar o desaparecimento de um indivíduo ou de uma sociedade sem que ele ou ela tenham atingido seu estado de quase plenitude na sadia exploração, na adequada utilização das possibilidades de cada um de nós.

O cérebro não tem esses bilhões todos de células (os neurônios) à toa. Um só cérebro pode fazer mais ligações neuronais do que a quantidade de átomos existente em todo o Universo conhecido.

Essa enorme quantidade de neurônios e essa imensurável quantidade de sinapses (ligações entre neurônios) não estão dentro de cada um de nós apenas para fazer número...

... ou para ser uma enrugada massa...

... ou para ser uma viscosa pasta.

Basta.

* EDMILSON SANCHES