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O centenário de Paulo Vanzolini (25/4/1924-28/4/2013)*

UM GÊNIO QUE CONHECI (1)

*

Você já deve ter ouvido essa música ou estes versos:

“De noite eu rondo a cidade

a lhe procurar, sem encontrar

(...)

E nesse dia então

vai dar na primeira edição:

‘Cenas de sangue num bar da avenida São João’”. (*)

Ou pode ter ouvido estes:

“Reconhece a queda e não desanima

Levanta, sacode a poeira

E dá a volta por cima”.

Os primeiros são versos da música “Ronda” e, os demais, da música “Volta por Cima”. Ambos são de Paulo Emílio Vanzolini, um dos maiores cientistas brasileiros, de reconhecimento internacional.

Vanzolini formou-se em Medicina e fez doutorado nos Estados Unidos em Zoologia, especializando-se em Herpetologia, o estudo dos répteis. Também foi cantor e escritor (poesia, crônicas, textos científicos). E foi boêmio, muuuuuito boêmio... Sobre Paulo Vanzolini há livros, artigos, filmes (documentários).

Paulo Emílio Vanzolini nasceu em 25 de abril de 1924, em São Paulo (SP). Faleceu em razão de pneumonia, na capital paulista, em 2013, três dias após completar 89 anos (aliás, foi internado exatamente no dia de seu aniversário).

Vanzolini, jeitão bonachão, simples, esteve em Imperatriz, no Maranhão, pelo menos uma vez –  e eu estive com ele. Tenho várias de suas obras, literárias e científicas, e também videodocumentários.

Zoólogo, Paulo Vanzolini foi a Imperatriz estudar impactos de uma obra de Engenharia Civil na vida animal da região. Queria conversar com alguém que tivesse uma boa conversa. Aí me convidaram.

E conversamos por horas e horas – Paulo Vanzolini, eu e Magdalena Klos, uma estudante de pós-graduação que acompanhava Vanzolini e realizava estudos para sua tese de doutorado.

Mais ouvi e perguntei do que respondi e falei. E perguntei muito. E ali, na Cantina Don Vito, na Rua Coronel Manoel Bandeira, na segunda maior cidade do Maranhão, Paulo Vanzolini, sem notas musicais, compôs para eu ouvir a melhor de suas músicas: a canção de sua própria vida. Uma história que o Brasil deixou de ouvir de seu próprio autor há onze anos.

Paulo Vanzolini contou-me – lembro-me bem – que, menino ainda, gostava de ir ver cobras e outros répteis em área própria da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista. Tempos depois, decidido a estudar os animais, ouviu de um amigo: “– Quer conhecer melhor os animais? Estude o homem. Forme-se primeiro em Medicina”.

Em outro texto relembrarei e direi mais de Paulo Vanzolini.

Neste 25 de abril, a música brasileira deveria entoar um hino de saudades e cantar um réquiem pela memória de Paulo Vanzolini, cientista, médico, doutor de animais e poeta, cantor e compositor de (e)ternas obras musicais.

No “link” abaixo e em outros do YouTube/Internet, ouça um pouco de “Ronda”, que completa 73 anos neste 2024. Aqui, Paulo Vanzolini está no ambiente que adorava: o bar, a bebida, os amigos, a música – a sua música, “Ronda”, cantada (voz & violão) pelo igualmente paulista e paulistano Carlinhos Vergueiro, 72 anos em março deste 2024.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=BmdB2W6ZLJ4

E aqui – no “link” https://www.youtube.com/watch?v=KX4s_IufYK4  – você escuta o próprio Vanzolini interpretando treze de suas músicas, que compõem o álbum “Paulo Vanzolini por Ele Mesmo”, lançado em 1981, o único disco em que o compositor interpreta suas próprias canções. Curiosidade: Paulo Vanzolini cantou “a cappella”, isto é, sem nenhum instrumento ou acompanhamento; somente a voz foi gravada. Depois foi gravado o acompanhamento instrumental (violão, percussão etc.).  Entre outras, preste-se atenção na perícia de Vanzolini na letra de seu “Samba Erudito”, onde cita, pelo menos, seis nomes da História brasileira e mundial e, de quebra, rimou “Bilac” com “Cadillac”. Também vejamos e ouçamos as formidáveis aliterações e assonâncias do samba “O Rato Roeu a Roupa do Rei de Roma”, em que versos são escritos com palavras iniciadas pelas letras “r”, “s”, “t” e “v”, além da preponderância de sons (fonemas) em “-ato”, “-orro”, “-into” e “-ent-“. Um mestre!

(*) A propósito de manchete ou notícia de jornal, como está na letra de “Ronda”, Paulo Vanzolini valeu-se de semelhante recurso em outra composição sua. Foi no “Samba do Suicídio”, onde os versos 50 e 51 trazem: “[...] / Vejam a notícia no jornal: / Pavoroso descarrilhamento na Central / [...]”.

*

UM GÊNIO QUE CONHECI (2)

No dia 1º de novembro de 1989, o jornal "O Estado do Maranhão", de São Luís, registrou, na coluna de Maria Leônia:

"Quem passou por Imperatriz na semana passada foi o famoso compositor e zoólogo Paulo Vanzolini, autor de ‘Ronda’, música interpretada por Maria Bethânia e muito tocada nas noites de fossa. Este encontrava-se realizando estudo e pesquisa sobre ecologia, como autoridade de Zoologia na USP [Universidade de São Paulo]. Aqui, ele contou com o apoio de Edmilson Sanches (jornalista), que também é um estudioso do assunto."

*

Em um início de noite de um dia qualquer da última semana de outubro de 1989 entrei mais uma vez na Cantina Don Vito. A Cantina era um local em que eu tinha ponto cativo, mesa reservada pelo proprietário, o empresário e “gentleman” Aruanã Cortez de Lucena (“in memoriam”), que, depois de exitosa atividade como gestor de grandes empresas em São Paulo, voltara para sua região (ele era filho de Carolina/MA) e criava empreendimentos de bom gosto e sofisticação, como a Cantina Don Vito e a Som Bom, esta uma pioneira empresa de equipamentos de som customizados, em um tempo em que a palavra “customizado” nem existia como sinônimo de “personalizado”, “ao gosto do freguês”.

Minha mesa na Cantina Don Vito ficava próximo ao caixa, no “design” da época. Logo que eu chegava, o Aruanã já vinha com a edição do dia da “Folha de S. Paulo” e, entre cubas-libres e doses de “Cointreau”, assuntos e amigos se juntavam, até o repasto noturno.

Nesse dia de outubro nem deu tempo de olhar para a mesa. Logo à esquerda, quase na entrada, vi Paulo Vanzolini e uma mulher loura, alta. Já fui direto até ele, chamando-o pelo nome e, como se fôssemos velhos amigos, fui falando alguns traços biográficos vanzolinianos pouco comuns a que eu tivera acesso, numa época em que não existia “internet” (que só chegou ao Brasil para o grande público a partir de 1995). Ali estava Paulo Emílio Vanzolini, médico, zoólogo, compositor, cantor, escritor..

Após ouvir sobre si mesmo em minha entrada triunfal, Paulo Vanzolini riu, com aquele jeito de bom amigo, sem “stress”, boêmio (ele não gostava de ser chamado assim).

Numa “homenagem” à minha curiosidade, pelos dados biográficos com que, no momento certo, eu ilustrava as minhas perguntas sobre ele, Paulo Vanzolini começou a contar sua vida: era taurino como eu (ele, nascido dia 25 de abril); o pai, engenheiro, que lhe deu a bicicleta, sobre a qual, criança ainda (dez anos), foi ao zoológico e ficou impressionado (positivamente) com os répteis, cobras especialmente. Falou de um amigo, o cientista, médico, biólogo e geneticista pioneiro gaúcho André Dreyfuss (1897-1952), que lhe disse que, se quisesse ser um grande zoólogo, deveria começar estudando Medicina.

Foi o que Vanzolini fez: formou-se em Medicina e foi para a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, fazer pós-graduação em Zoologia. Ressaltando que essa informação era de conhecimento de poucos – pelo menos na época –, Vanzolini disse-me que foi um dos que recebeu o título de doutor em menos tempo na respeitada universidade norte-americana, por causa exatamente de sua formação acadêmica médica.

Claro que Vanzolini, Magdalena Klos e eu falamos sobre Imperatriz e sobre a região (dias antes dessa conversa, um engenheiro e gestor da empresa construtora que contratara a consultoria “faunística” de Vanzolini falara comigo para promover um encontro entre mim e o renomado cientista e músico). Mas a história, a música, a cultura, a vida, em termos amplos, gerais, foram os itens principais no cardápio de conversas que (man)tivemos.

Mostrando seu à-vontade no ambiente, o grande cientista e compositor, ao me apresentar Magdalena Klos, fez questão de dizer que o sobrenome “Klos” significava “alce” e que a doutoranda estudava zoologia dos invertebrados, especialidade dele também. (Pesquisei em vários idiomas a palavra “klos”, mas ainda não localizei a língua que dê como tradução o nome do maior dos animais cervídeos, parente das renas e dos veados).

Mas o que mais importa é que a noite foi pouca para tanto estar bem, com boas conversas, bom humor, curiosidades musicais e científicas, coisas e loisas da vida. As músicas “Ronda” e “Volta por Cima” foram cantadas e tamboriladas em parte, discretamente (não se queria dar “show”...). Em 2021, “Ronda” completou 70 anos de composição: ela é de 1951 e sua primeira gravação foi em 1953. “Volta Por Cima” é de 1962 – completou 60 anos em 2022.

Com a morte de Paulo Vanzolini naquele domingo, há onze anos, 28/4/2013, três dias depois de completar 89 anos, a Música e a Ciência brasileiras perdem um raro caso de talento em ambas as atividades.

Parece que o jeito bonachão de Vanzolini não era só o da foto: em vida doou sua biblioteca de 25 mil livros e outros itens para a universidade. Também utilizava na ampliação do número de espécimes animais o dinheiro que ganhava com a música, inclusive um valor pago por um político paulista que teria usado, em época de campanha, diversos compassos de uma música de Vanzolini.

Paulo Emílio Vanzolini ganhou prêmios científicos e reconhecimento de governos. Escreveu livros – de poesia, inclusive. Foi alvo de documentários sobre sua vida, obra e atividade, inclusive “No Rio das Amazonas”, filme que tenho. Seu sobrenome dá nome a, pelo menos, 15 répteis, insetos e outros invertebrados.

À parte o material biobiblioiconográfico que tenho, o que mais dura em mim são as lembranças das agradáveis, alegres e ricas horas de bate-papo. Aquele foi um encontro de, trocadilho à parte, um “cobra” paulista da Ciência e da Música com um “cabra” da peste nordestino em Imperatriz, cidade líder da região que marca outro grande encontro, o do Nordeste com o Norte, a Pré-Amazônia maranhense.

Brindemos em homenagem ao grande gênio brasileiro. Tim-tim.

Paulo Vanzolini agora faz ronda nos céus...

*

Escutemos de Paulo Vanzolini outro grande sucesso seu: “Volta por cima”, com o cantor, compositor e violonista mineiro Mário de Souza Marques Filho, mais conhecido como Noite Ilustrada, primeiro a gravar essa música, em 1963.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=5xW370kc6-g&list=RDBmdB2W6ZLJ4&index=13

* EDMILSON SANCHES

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