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Carta aos corruptos*

– A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção foi assinada há 20 anos, em 9 de dezembro de 2003, no México.

*

Senhores Corruptos: Ao reenviar-lhes pela enésima vez esta missiva, ante as últimas informações de corrupção em Brasília e ante as velhas demonstrações de cinismo, começo dizendo-lhes que estou meio sem opção acerca de qual vocativo usar no início desta carta. (Se não sabem  – até porque suas preocupações giram é em redor dos números, do dinheiro, e não das letras  –, vocativo é o modo como se chama, como se trata alguém no começo de uma correspondência).

Seria um contrassenso chamá-los “Excelentíssimos Senhores Corruptos”. Igualmente, não pegaria bem “Ilustres Corruptos”. “Prezados Corruptos”, então... – seria a maneira mais simples, embora, da mesma forma, inadmissível. Qualquer palavra a mais, um oxímoro, um paradoxo.

Na verdade, vocês são apenas o que são: corruptos.

Não adianta o esforço de mídias compradas, os discursos e trejeitos e encenações. Não interessa que famintos de comida e pobres de consciência os louvem.

Importa tampouco se vocês são as peças principais ou acessórias/“assessórias”, se apenas “preparam o terreno” e fazem o “jogo sujo”, para manter o emprego ou partilhar uma porção infinitamente menor do saque, da pilhagem, do butim.

Nada importa. No fundo, na alma, em essência, todos vocês são apenas isso: corruptos.

Fiquem sabendo: corrupção é defeito de personalidade. Ou melhor, é ausência dela. O corrupto se acredita no direito de possuir o que não é seu. Ele furta, ele rouba, mas nem por isso ele é propriamente um gatuno ou um ladrão (repetindo, ele não passa disso mesmo: é, tão só e para sempre, um corrupto).

Não importa se suas ações são ou não do conhecimento de outros ou se haja ou não sentença definitiva da Justiça: o corrupto sabe que ele não presta, que ele não é um modelo, que ele não adiciona valor, embora subtraia rendas. Ele sabe que é um corrupto. E para o mais Supremo de todos os tribunais, é o que basta.

Vocês, corruptos, elaboram mil e uma desculpas públicas, tentam iludir o próprio sentido e consciência, mas em qualquer canto do cérebro de vocês tem, pelo menos, um dos 86 bilhões (gostaram do número?) de neurônios, pelo menos uma célula cerebral, repita-se, um neurônio entre 86 bilhões ululando e pululando com a informação gravada, como se fora uma placa interna e eterna, indestrutível: “Eu sou um corrupto”. Sem falar que nem todas as pessoas (e elas são muitas e variadas em uma cidade e oito bilhões na Terra) se deixam iludir pelo carnaval e pantomimas que o cinismo, a amoralidade e a hipocrisia criam.

Enquanto escrevo estas maltraçadas linhas, vem-me à mente o vocativo menos inadequado para vocês: “Caros Corruptos”. Porque vocês são “caros” mesmo. Manter a fome de dinheiro, a sanha por poder de vocês não é barato. Vocês arrombam cofres, maquiam contas, mascaram ações, forjam, falsificam, alteram documentos e adulteram pessoas, criam do nada e somem com tudo.

Isso não quer dizer que vocês sejam “mágicos” ou “artistas”. São, apenas, corruptos. Este é o nome, este é o (des)qualificativo, esta é a pecha que, como carimbo na testa, como tatuagem na alma, vocês irão levar para o túmulo e deixar na História.

Todo corrupto é um criminoso, um assassino: rouba oportunidades, nega direitos, descumpre deveres e, até, mata mesmo. Quando podia alimentar mais, preferiu encher sua própria mesa. Quando podia empregar mais, empregou para si. Quando podia construir obras, construiu papéis. Quando podia produzir coisas, fabricou imagens. Para o corrupto, o valor das coisas está no preço das pessoas.

Vocês, corruptos, tinham opção. Não roubar. Não fazer “caixinhas” ou “caixas dois” com dinheiro alheio. Não produzir falsos testemunhos. Não ameaçar. Não intimidar.

Vocês tinham opção. Entretanto, pelo poder do dinheiro e pelo dinheiro do Poder, preferiram render-se ao patrimônio, vender-se ao Demônio.

Não se sabe qual é a concepção de felicidade de vocês nem se vocês a procuram. De qualquer modo, felicidade é estado do ente (isto é, do ser), é uma condição da mente. Nos corruptos, isso muda para “estado doente” e “condição demente”.

Doença... Loucura... A sanidade moral e mental foi subvertida.

Corruptos: vocês estão ferrados. Mais dia menos dia, vocês vão pagar. Ah, se vão!... Um dia a Imprensa deixará de ser tão “imprensada” (por vocês), a Justiça será mais justa, o Ministério Público será mais do povo, e o povo será menos besta. E se as leis e a coragem de quem as deveria manter não são suficientes, da lei natural os corruptos não escaparão: ela vergará seu peso sobre eles, e eles, de bolso cheio e alma vazia, morrerão.

E a História inscreverá em lápide a sentença final:

“Aqui jaz um corrupto.

Sua vida não foi um exemplo para a sociedade; sua morte é um alívio para a Humanidade.

Pela imagem e semelhança que tinha, ele envergonhou a Deus.

Que Ele se apiede de sua alma.

‘Requiescat in pace’.

[Descanse em paz]”.   

* EDMILSON SANCHES