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Lembrando papai… DIVAGAÇÕES E DIVAGAÇÕES*

E o domingo está aí na iluminação da LUZ CRIADORA. E há em tudo, encantadoramente, a festa de todas as emoções. O deslumbramento da paisagem. Por toda a parte a presença da VIDA, da vida em todas as suas manifestações de Amor, deste Amor que é fraternidade de espírito e noivado dos corações. Do amor que é uma sequência de obrigações e deveres. Do amor que é trabalho, que é luta, que também é desespero, e que também é renúncia.

Tudo tão edificante. Tudo extraordinariamente grandioso dentro de nós, dos nossos pensamentos criadores. A ideia se rebentando em LUZ numa explosão violenta de expansão, de conquistar domínios e de impor a grandiosidade de algo fulgurante e imorredouro.

São as impressões que surgem nesta manhã de sol, de fascinação de luz. E a vida lá fora na elaboração doutras vidas, na fermentação doutras emoções. E, como centro da paisagem geográfica e humana, a ILHA, a cidade, a terra berço, a terra túmulo. A terra do passado, do presente e a terra do futuro. A terra das tradições, de inteligência, de cultura, de talento. A terra fértil na fartura da expansão cultural de seus filhos ilustres. Os que ficaram, os que ainda vivem, os que ainda trabalham, os que ainda produzem.

Tudo tão grandioso diante do colunista que deixou de lado, neste domingo, a política e os políticos, os homens parlamentares, homens em luta pelas posições de destaque no cenário da vida administrativa do país. Que deixou de lado esta situação confusa que aí está com um presidente da República que ora tenta identificar-se com o povo, com os “rigores” da tal revolução de 1º de abril, e que ora recomeça tudo de novo, recua para atender às pressões partidas dos elementos militares que se concentram dentro da área político-revolucionária da chamada “linha dura”. De um presidente que anuncia a inauguração de uma “linha  branda” e faz pressão violenta, duríssima contra Mauro Borges, o homem forte de Goiás, que ajudou a revolução desenvolver-se, mas que, ante,s estava integrado, unidade de cooperação positiva no esquema político de Jango Goulart.

Sim, tudo tão maravilhoso neste domingo sem pensar nesta precária situação financeira em que se encontra o país, sofrendo com resignação, com aprisionamento, as consequências desastrosas desta política financeira executada que está sendo pelo ministro da Fazenda do “governo revolucionário”. Tudo tão bom, neste domingo...

E o colunista volta-se para as suas divagações. Um Sol lá em cima alumiando a gente, a terra, as praias distantes, tomando seu banho de Mar no Atlântico, refletindo-se nele, mergulhando nas suas águas revoltas, nas suas águas mansas, nas suas águas em retirada, precipitada, para a vazante.

Tudo assim diante da gente, da gente que hoje não quer saber de nada de política, de partidos, de líderes, de cúpulas partidárias. Que por instantes deixou de se interessar pela sorte do senador Moura Andrade, presidente do Congresso, e pela posição exata de Mazilli, presidente da Câmara dos Deputados. Que eles se defendam, pois só assim poderão manter, democraticamente, a “intocabilidade do Poder Legislativo”. Que defendam a “carcaça moral” para, logo depois, redimidos, retomarem a posição de luta e do dever cumprido.

Mas tudo maravilhoso neste domingo de sol, de esbanjamento de LUZ quando o colunista, mais uma vez, abandonou o “comentário político”, o registro das arengas e dos atritos entre o bancário Magalhães Pinto, indeciso como sempre, e o governador da Guanabara, o vibrante jornalista Carlos Lacerda, que está sendo conduzido para a oposição, para a luta aberta contra o presidente Castelo Branco, talvez com as mesmas intenções que o identificaram noutras campanhas e que provocaram a morte de Vargas, a renúncia de Jânio e a deposição de Goulart!

Mas não. Estamos  fora desta área de atritos políticos, de ambições personalistas. Estamos olhando este domingo que se derrama lá fora, que veste a cidade de alegrias e de tristezas, de sonhos e de realidades. E há, em tudo, a presença de todos, do homem simples, do homem bom, do homem cooperação. Do homem que trabalha, que realiza algo surpreendente. Olhando este domingo. A cidade. O sol crepitante. Olhando a população da Ilha, dos subúrbios distantes, marcados, identificados pela DOR dilacerante, pela miséria, pela dilaceração. Mas há também, com as suas populações abandonadas, este mesmo Sol fascinante, clareando tudo, queimando a DOR e a MISÉRIA.

Um céu lá em cima, no alto. Um azul límpido, suave. Flocos de algodão pregados no Azul, espalhados e em direções diversas. Uma poesia que vem lá de cima, do Desconhecido, que vem doutros mundos... Uma poesia que é magia, que é sublimidade, que é poesia. Tudo assim, tudo dentro destas emoções que se vai sentindo, que se vai sofrendo. Sofrer de emoções... Sim, a gente sofre de tudo. A gente sofre de NADA! E a vida lá fora, a vida na gente, a vida em tudo. Mas também há a Morte, o esvaziamento de tudo... Mas para outros, em tudo, há apenas VIDA e até na MORTE. E o Sol lá em cima, porção de luz fascinante clareando tudo.

E, longe desta coluna de hoje, os políticos, os partidos e a sorte daqueles que estão sob a pressão dos inquéritos, das investigações militares. Que se defendam. É o caminho certo e digno. E que a vida continue assim: sempre um domingo de Sol para mudar a paisagem geográfica da Ilha, da cidade, com novos aspectos, novos quadros de aquarelas, novas impressões que sempre ficam. É a vida.

* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 8 de novembro de 1964 (domingo).