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Lembrando papai… OLHANDO UM POUCO DE NÓS*

Estamos, neste domingo, olhando para nós. Olhando a nossa vida. Uma infância pobre e digna. Uma velhice que já vamos vivendo também honrada. Nós nos julgamos. Sentimos o que somos. E valorizamos isto. Trazemos conosco o fortalecimento de uma formação moral e intelectual. Recebemo-la, sem pressão, de nosso PAI, uma luta constante pelos interesses do povo, pelas reivindicações populares e democráticas.

É verdade que fugimos um pouco, senão muito, do conservadorismo. Ampliamos as nossas tendências democráticas. Não nos deixamos fixar dentro das limitações reacionárias. Tivemos uma mocidade edificante.

Nunca nos subordinamos. Gostamos muito da nossa independência. Amamos a liberdade. A liberdade de sentir, de ver, de pensar, de dizer.

Mas nos fixamos, um tempo, dentro de um movimento duro, mas de reações amplas, de modificações profundas. Vestimos uma camisa verde! Nunca a tiramos. Mas Vargas arrancou-a. Veio a proibição. Mas sempre nos sentimos com a coragem de pensar muito por nós.

E chegamos até a contrariar a “disciplina férrea”. Mas não importava. Importava não nos voltarmos contra nós mesmos! Era uma atitude. (Desgraçado dos homens que não a têm).

Nunca modificamos essa atitude. Combatemos os comunistas por meio dos diálogos das campanhas, na descoberta, identificado pelo nosso idealismo. Mas nunca nos subordinamos. Nunca nos ligamos a nenhuma agremiação política. Nem mesmo ao PRP.

Não aceitamos o que sempre combatíamos: os partidos políticos! Sempre assim. Na imprensa, a mesma atitude. Nunca alugamos a nossa pena. Nunca escrevemos no anonimato. Nunca aceitamos a posição indecente dos covardes, dos dúbios e dos prepotentes. Nunca. Sempre homem de oposição. Mas nunca um homem de posição. Mas também nunca pertencemos a partidos de oposição. Dávamos a nossa colaboração espontânea, franca. Tal conduta sempre nos afastou de conseguirmos um emprego público. Toda uma mocidade atuando no professorado particular e estivemos, por algum tempo, no corpo docente do Liceu Maranhense.

Sempre assistido pelos nossos irmãos. Vivendo por nós. Muita vida em nós. Muitos sonhos perdidos. Muitas glórias sentidas dentro de nós na valorização do mundo intelectual.

Nunca decepcionando. A herança da pobreza deixada pelo nosso PAI encontrava, em nós, o esbanjamento da valorização mental. A melhor riqueza. O melhor capital. De nós, nunca e jamais uma ação comprometedora. Vida limpa, consciência tranquila. Um olhar sempre para frente, olhando o futuro, amando este Brasil, sentindo as suas tormentas, a aflição e as injustiças do seu povo, nossos irmãos. Nossos conterrâneos e nossos patrícios.

O Brasil, para nós, é um só. Uma unidade VIDA onde encontramos a razão para viver, para lutar. Para ser o que somos: um homem. Um homem que sabe AMAR, que sabe SOFRER. Que sabe SENTIR.

Neste domingo, nós nos estamos olhando, nos estamos vendo. E, diante de nós, quanta mediocridade, quanto farrapo humano, desprezível e até em condições financeiras surpreendentes. Quantos. É aí que nos contentamos por ser o que somos. Não sabemos mudar, contemporizar. Não gostamos de imitar. Sempre procuramos ter uma identificação própria: EU. EU com os nossos erros e com as nossas virtudes. E os nossos erros já nos parecem virtudes!

Nunca alugamos a nossa pena. Os nossos artigos refletem nossos pensamentos. Nunca escrevemos subordinados às orientações de quem quer que seja. Não compreendemos e não aceitamos o jornalista venal. O batráquio. O oportunista. Não. Nunca tememos ameaças. Temos, dentro de nós, os exemplos edificantes da vida-luta de nosso PAI. É por ela que vivemos. Sabemos que honramos essas tradições de valorização mental de nossa terra.

Conhecemos a força positiva do NÃO. Não compactuamos. Daí, estarmos sempre distantes dos benefícios que sempre vêm por meio de uma ação condenável, subversiva até. Não. Como sempre, estamos na mesma posição. Condenamos as brutalidades, os processos violentos. Não aceitamos o processo de uma ditadura seja civil ou militar. Reagimos sempre. Não sabemos ser servil, dócil para ganhar prestígio e receber a adjetivação de BOM MOÇO. Nunca.

Estamos olhando para nós, neste domingo, neste MAIO de flores, de sonhos e de novelas e ladainhas. E estamos nos lembrando de nosso PAI. (Nascimento gostava do mês de maio). Para ele, hoje, esta nossa mensagem de (...) sentirmos em nós, glorificado pelos seus exemplos.

E estamos olhando para a nossa MÃE, com os seus 83 anos de idade, boa, amiga, um poema de sofrimentos, uma fonte perene de ações grandiosas. E, dentro dela, olhando o filho, sabe que há conosco a firmeza das nossas convicções intelectuais. O exemplo do civismo e da MORAL que educa. Sabe que continuamos em luta, a dar um muito de nós pelo progresso da Pátria, pelo seu desenvolvimento, pela sua verdadeira emancipação política. Sua prosperidade econômica e a felicidade de seu povo.

Estamos pensando em nós neste domingo. Nós que daqui só temos pensado nos outros, na unidade do povo, nas vidas das populações abandonadas, dos povos abandonados, escravizados por doutrinas violentas onde o pensamento não encontra a libertação para os voos largos e indefinidos. Dos povos escravizados, vítimas de um empobrecimento sufocando, que morre na fartura da terra com o estômago vazio.

E aí a nossa luta, a luta que é do povo. Luta democrática.

Bem, e já basta de olharmos para nós neste domingo de MAIO. Já basta.

*  Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 17 de maio de 1964 (domingo).