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Tudo o que é sólido se desmancha no ar?*

IDE E PREGAI

– Nosso planeta, uma nesga de nada na imensidão do Universo...

Não podemos perder nossa humanidade. Afinal, ser humano é a única razão – humana – de ser.

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Eu estava em viagem. Fizera diversas palestras, sem ônus, nos últimos dias. Lembro-me de que, há cinco anos, em setembro de 2015, fiz dois pronunciamentos em Parauapebas, a segunda maior economia do Pará, na época com mais de 15 bilhões de reais em Produto Interno Bruto (exatamente R$ 15.568.461.000,00, conforme série revisada do IBGE).

Ambas as palestras foram feitas em ótimo auditório da Câmara Municipal (cuja sede é enorme, para o alto e para os lados, três andares, algo, dir-se-ia, suntuoso em relação ao prédio-sede de outros Poderes Legislativos municipais que conheço).

No pronunciamento da noite, fui surpreendido, no meio da fala, por aplausos de pé, puxados – pelo que pude rapidamente perceber – pelas mulheres que compunham a Mesa de trabalhos (juíza de Direito, secretárias municipais, terapeutas, escritoras) e vereadores, entre estes um maranhense de Presidente Dutra, que, à época, era o presidente da Casa de Leis daquele segundo maior município do Pará, em economia, e o poeta Paulo Reis, maranhense de Caxias, então presidente da Academia de Letras do progressista município do sudeste do Pará.

Com a franqueza habitual, entre diversos pontos que, de improviso, pude tratar, alertei àquelas autoridades e demais pessoas (empresários, jornalistas, músicos, pessoas de outras cidades, inclusive da capital, Belém, que vieram especialmente para o evento), alertei-as, segundo meu ponto de vista, acerca da necessidade de comunidades como Parauapebas não “descansarem” em cima do segmento-âncora de sua economia, no caso, a extração do minério de ferro e sua exportação para grandes centros mundiais.

Disse-lhes o que provavelmente já deviam saber: que um dia essa “commoditie” (mercadoria, produto exportado “in natura”) se exaure, acaba, ou pode não ser mais tão procurada, seja pelas questões ambientais que envolve, seja pela substituição de novos materiais que a tecnologia pode “inventar” e colocar no mercado como substitutos.

Enfim, disse da efemeridade de certas coisas materiais, de como tudo o que é sólido se desmancha no ar – para lembrar o título do livro de 1982 do norte-americano Marshall Berman, título extraído de frase do “Manifesto Comunista” publicado por Marx e Engels em 1848.

Apelei para o sentido de “Cultura” e dos produtos culturais também como opção econômica.

Cultura como objeto econômico e como fator de transformação (positiva) e permanência das cidades, das civilizações.

Cultura para além do romântico (mas mantendo-se este “espírito”).

No ano seguinte (2016), fui convidado a fazer palestra especificamente sobre a questão da sustentabilidade econômica e social de Parauapebas. A palestra, prevista para uma hora de duração, estendeu-se, por solicitação do público, por mais de quatro horas, das 19h às 23h30, sem que ninguém abandonasse o auditório – e não estavam dormindo... [rs].

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Já estive em 19 Estados brasileiros, ministrando palestras, participando de debates, fazendo intervenções em reuniões, congressos e outros eventos. Em Gramado (RS), em cena pública, vi a plateia majoritariamente de descendentes de alemães, italianos, poloneses levantar-se em aplauso e ainda eu ser convidado por famílias para estar com elas no Lago Negro, ponto turístico gramadense.

Em Arapiraca, no Hotel Sol Nascente, recebi o abraço de uma mulher que estava na parte alta do auditório, e ela colou-se e coleou-se a mim dizendo: “– Meu filho, você acaba de salvar minha vida”.

Em Brasília, auditório Nereu Ramos, da Câmara Federal, década de 1980, um representante da Ordem Internacional dos Juristas me aparteou numa conferência que eu fazia e me disse: “– Venho aplaudi-lo porque nunca vi em tão pouca idade tamanha experiência”. Respondi-lhe: “– Fico agradecido, e digo que, se há a experiência dada pela idade, há a idade dada pela experiência”. Não é uma questão, propriamente, só de IDADE, mas de INTENSIDADE, de entrega, dedicação, paixão e prazer no fazer.

As palestras que dou só fazem sentido (para mim) se nelas aplico e se elas levam um componente humanista e de humanidade, de crença na possibilidade de o ser humano fazer, mesmo que como opção final, a escolha pelo Bem, pelo Bom, pelo Belo, e não pelo Mal, pelo Medo, pela Miséria.

Apesar dos pesares, apesar de tudo, quero acreditar que, coletivamente, não optaremos pelo Caos, creio que a Humanidade pode ser mais humana.

Não admito que, como Humanidade, existimos para a derrota, que fomos feitos para falhar e nos tornar nulos, terra de volta ao pó, poeira estelar, depois de tanta coisa linda, sensível, emocionante que, como Humanidade, aqui realizamos, neste pequenino grão a que denominamos planeta, uma nesga de nada na imensidão do Universo.

Há que haver humanidade. Afinal, ser humano é a única razão – humana – de ser.

Por essa sintonia e química fina com as vontades mais essenciais das gentes, de cada ser humano, é que, muitas das vezes, sou surpreendido com gestos coletivos assim, de pessoas que nunca vi se sentirem “tocadas” por “verdades” simples, quase simplórias, que ouso espalhar por aí, em um “ide e pregai” particular, individual, que nem sei se ganhará repercussão para além dos ambientes climatizados e poltronas confortáveis, em alguns casos, ou dos ambientes naturais ou abertos, públicos, como as ruas, os quintais, as calçadas, os campos de futebol (por exemplo, em Petrolina e no Riacho do Meio, distritos de Imperatriz, onde por diversas vezes lancei ao ar nossas palavras e onde já fiz palestras e reuniões que foram das 15 horas às 22 horas de um domingo, tudo entremeado de bolos e caldo de cana e sucos de frutas e galinha caipira cozida, no momento do jantar, à luz da Lua, recheado de perguntas, risos e cidadania).

(Sim, há que se alimentar também, de preferência bem. Lembremo-nos do “primum vivere/manducare, deinde philosophari”, em que se abeberaram grandes nomes da Cultura, como os autores seiscentistas Cervantes, em seu “Dom Quixote”, de 1605, e Hobbes, em seu “Leviatã”, de 1651)

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Como parece mesmo que palavras não são sólidos, espero, torço para que, atiradas por aí, elas não se desmanchem, e permaneçam, e sejam levadas pelos ventos...

Torço para que alguns corações e mentes possam (re)tê-las...

“Letras não são só cantiga de ninar, mas, também, toque de despertar, sinal de alarmar, hino de guerrear, canção de cantar vitória”.

Amém.

* EDMILSON SANCHES,

Fotos:
Edmilson Sanches e seu “ide e pregai”: nas cidades grandes e nos povoados, grandes auditórios e em calçadas e quintais, para civis e militares, jornalistas e políticos, estudantes e professores... – indo e pregando. (Nas duas últimas fotos, na adolescência, estudante do ensino médio, como presidente do Grêmio Santa Joana d'Arc, do Colégio São José, das Irmãs Missionárias Capuchinhas, em Caxias (MA), falando para seus colegas estudantes no lotado auditório da Escola).