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CARTA DE UM NOVO POLÍTICO A UM JOVEM MÉDICO*

(No último 18 de outubro, Dia do Médico, publiquei um texto que fiz a um jovem imperatrizense que se formou em Medicina em 2008)

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Doutor: Não faz muito tempo, em outubro deste ano de 2008, você espontânea e abertamente deu uma demonstração de confiança em mim. Votou em mim. A esse gesto juntaram-se os de alguns milhares de pessoas, que ainda acreditam em certos referenciais humanos validados pela idade dos tempos e pelo que resta de sério e digno no mundo.

Agora, tomo conhecimento da sua formatura em Medicina. “Herança” dos pais, importância no “mercado”, vocação pessoal, chamamento interior – o que importa, agora, não é a razão da escolha dessa carreira, mas a responsabilidade na execução dela.

Coincidentemente, você e eu iniciaremos o próximo ano com a obrigação de zelar pela saúde – saúde física e psíquica em um caso, política e social em outro. Você, com certeza, se sairá melhor. É mais fácil receitar um medicamento para uma pessoa do que buscar “remédios” para uma comunidade. Entre você e seu receituário, apenas o acerto de seu diagnóstico. Entre um político e seu ideário, a interferência de “acertos”, a conveniência de (im)postura. (Já me darei por vencedor se me mantiver descontaminado...).

Outra coisa: os erros médicos, embora de todo indesejáveis, têm repercussão individual (quando muito, grupal, familiar); os erros políticos – e como são frequentes, Doutor!... – causam sofrimento coletivo e comprometem vidas e estruturas presentes e futuras. Os políticos desonestos fazem morrer muito mais gente em mesas de “negociações” do que os médicos não podem salvar em mesas de operações.

A frase do seu convite de formatura – “Somos médicos. Nada do que é humano nos é indiferente” – deveria caber a toda profissão. Buscada em Terêncio quase 2.200 anos atrás (“Sou homem, e nada do que é humano me é estranho”), essas palavras deveriam despertar não só no médico mas em qualquer outro profissional um senso de humildade, uma sensação de alteridade, um sentido de dever, um sentimento de humanidade.

A Medicina tem poucos Patch Addams. Talvez não deseje ter outros... Para mim, simbolicamente, consultórios médicos não deveriam ter mesas – onde um fica frente ao outro –, mas sofás – onde um fica ao lado do outro. Sentimento. Sentido. Sensação. Sensibilidade. “Se toda Medicina não está na bondade, menos vale dela separada” – é Miguel Couto, médico, quem diz.

“Medicina antes de mais nada é conhecimento humano. E este está tanto nos livros de patologia e clínica como nas obras de Proust, Flaubert, Balzac, Rabelais, poetas de hoje, de ontem...” – é a vez de Pedro Nava, raro caso de médico e autor que escrevia livros tão bem quanto prescrevia receitas.

O mundo está precisando de médicos humanos. Conheço um que não tem telefone em sua sala, nem mesa, nada formal ou agressivo. Se precisa passar três horas na consulta, ele passa.

Nenhum gesto ríspido, nenhuma presunção, onisciência, onipotência. Apenas fluidez, leveza, interesse real, companheirismo. Isso soma o paciente com o médico... e contra o mal. A cura começa na conversa. Evidentemente, não se está recomendando um diálogo estimulante quando o que se precisa é de uma traqueotomia. Poesia é rima, mas não uma indicação, para hemorragia. Há momento para fórceps, há situações de força. Mas até estas se geraram porque antes faltou humanidade à Humanidade.

Pois é, Doutor, o mundo está precisando de novos médicos. Dos que não precisam curar-se a si mesmos pois que não se deixaram/não se deixarão contaminar, adoecer, na alma sobretudo.

Não é sem razão que, quando tiveram de dar um nome a essa ciência/arte/técnica de diagnosticar/curar, foram buscar na raiz indo-europeia o nome “Medicina”: “med-” significa “pensar”, “refletir”, “meditar”.

É isso, Doutor. Antes da medicação, a meditação.

É o que lhe trago aqui. E daqui lhe desejo felicidades.

Você é jovem e, presumo, também idealista. Mas não precisa salvar o mundo.

Que o sorriso dos clientes que você atender, dos pacientes que você tratar lhe baste como recompensa maior ao seu esforço de cuidar das pessoas... para que elas, saudáveis, cuidem deste mundo doente.

Saúde, Doutor!

E parabéns!

* EDMILSON SANCHES