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Lembrando papai… LEÔNCIO CASTRO*

Estávamos na nossa mesa de trabalho, na Divisão de Assistência ao Cooperativismo, quando dela se aproximou o nosso amigo Gerson Tavares, diretor da Rádio Ribamar. Debruçou-se à mesa e sussurrou: “O Castro morreu”. E... “Sim, o Leôncio Castro”.

Olhamos para o Gerson. Nenhuma palavra. Dentro de nós, um mundo de emoções. O pensamento fixou-se ao longe. A notícia trazia uma porção de coisas: o Passado e o Presente. Sem ouvirmos, repetimos o nome: Leôncio Castro.

No nome a nossa São Luís de ONTEM, a cidade da minha infância, da minha juventude. A cidade tradição. A cidade de tantas recordações. A cidade e suas histórias. A cidade e os seus filhos ilustres dum tempo que ficou longe de nós. A cidade da vida em sonhos, da vida em companheirismo, da vida em trabalho. Da vida na comunhão da espiritualidade. Da vida agitada de meu Pai, do jornalista polemista, brigão, criticando governos, travando polêmicas memoráveis. Sim, tantas coisas. Tantos acontecimentos políticos, tantas alterações. A vibração da cultura maranhense e, vivos, um muito de seus homens ilustres. Tudo isto em comunidade, em exercício mental, em produções literárias que marcaram épocas.

Na imprensa, tínhamos Nascimento Moraes, Antônio Lopes, Ribamar Pinheiro, Armando Vieira da Silva Filho, Luís Viana, Rubem Pinheiro, Tarquínio Lopes Filho, Luso Torres, Correia de Araújo, Astolfo Serra, Domingos Carvalho, Freitas Carvalho, Crisóstomo de Souza, Vale Sobrinho, Apolinário de Carvalho e tantos outros vultos da intelectualidade maranhense. Poetas, jornalistas, professores, ensaístas etc. Uma geração ainda na vibração da inteligência enchendo as páginas de jornais. E tínhamos a polêmica acadêmica, a polêmica política, enfezada. Uma trepidação de intelectualidades.

Sim, tudo isto vivendo horas, momentos de espiritualidade no Bar, no Restaurante do Castro, do Leôncio Castro. E do espanhol a alma no esbanjamento das amabilidades, do convívio amistoso e amigo. Era o ponto de referência, de encontro. De vida literária. E, com o Castro, as atenções, a participação, a atitude independente, a colaboração válida. Nele, havia a mensagem da sua parcela de cooperação e de entendimentos. Uma inteligência vibrante. Sim, havia a reserva impressionante de conhecimentos primorosos. Era uma alma enamorada, um espírito vivo, uma palestra que interferia, que abordava vários assuntos. Era assim o Leôncio Castro.

Muito tempo ficamos pensando em tudo isto. Olhamos para o Gerson Tavares. Um silêncio entre nós. E Gerson, emocionado, disse: “Vim para lhe dizer: escreva a notícia, a crônica para ser lida daqui há pouco, no horário do programa ‘Bom Dia, São Luís!’. Eu estou esperando”. Olhamos a máquina. Debruçamos sobre os seus teclados. Nossos dedos começaram a bater sobre as letras. Dentro de nós, a vibração do informativo. Dentro de nós, o adoentado. Mas estava na vida. Na existência. Sua fisionomia escondia os seus 79 anos. Uma firmeza em tudo. Uma decisão em tudo. Todos os dias, atravessava a João Lisboa e ia ter com o filho Manuel Castro na sua casa comercial, ali na Rua do Sol. Ali, demorava-se. Ficava na conversação. E, de quando em quando, a palestra com um amigo. O registro dum fato, dum acontecimento político, literário, artístico. O registro sobre a vida dum boêmio. A piada. Sempre assim Leôncio Castro que, aqui, constituiu família. Junto dele a esposa, os filhos, os netos.

Sim, os dedos iam batendo, imprimindo o registro da homenagem. Narrando o fato, o acontecimento que consternou a cidade. Leôncio Castro. A vida num desfile de emoções. A cidade em quadrinhos, a vida filtrando-se pelas lembranças, as recordações. A máquina correndo, imprimindo as palavras. Nos olhos, trancados neles, as lágrimas. Dentro de nós, a Dor, a Dor estrangulada, sofrendo o aprisionamento das nossas íntimas expansões. Do nosso lado, o Gerson Tavares, esperando a crônica. A notícia. E terminamos. Dentro, a cidade estava vestida de tristeza. O coração do cronista vestido de tristeza.

Depois, o fim. O enterro. O cemitério. Agonia do Sol, no Poente. O corpo de Leôncio Castro na imobilidade, no seu caixão de pinho, polido. O Castro ali, quieto, sereno. Tranquilo. Fisionomia calma. Depois, aqueles homens cobrindo o caixão. A terra caindo sobre ele. A vida ficando sem ele. Sim, Castro, Leôncio Castro de volta para outra caminhada: a da Eternidade. Foi se encontrar com Jesus. Com o Grande Arquiteto do Universo. E, na noite, haverá mais uma luz clareando a Terra. Mas, na cidade, ficará esta nítida lembrança: Leôncio Castro, o espanhol que era maranhense. Sim, ficará sua presença por aí, na cidade, no coração de todos. É esta a nossa homenagem.

* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 15 de dezembro de 1968 (domingo).