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MÍLSON COUTINHO*

(Coelho Neto, 9 de março de 1939 – São Luís, 4 de gosto de 2020)

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Mílson de Souza Coutinho morreu nesta terça-feira, em São Luís (MA). Era advogado, depois de ter sido procurador e de há dez anos (2009) aposentar como desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, do qual foi presidente.

Além de homem do Direito, foi homem do fato – jornalista, deixou impresso seu trabalho de redator em páginas de jornais como “Diário da Manhã”, “Diário do Norte”, “O Imparcial”, “Jornal do Dia” e “Jornal Pequeno”, colaborador de “O Estado do Maranhão” e “O Debate”, além de, na segunda metade da década de 1960, assessor de Imprensa da Prefeitura de São Luís. Pertenceu aos quadros da Associação de Imprensa do Maranhão e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Luís.

No Direito, Mílson Coutinho trilhou consistente e reto caminho em várias funções de homem da Lei, aplicando o conhecimento que amealhara antes, durante e depois de seu bacharelado na Universidade Federal do Maranhão, em 1972: foi assessor ou consultor jurídico de prefeituras e câmaras (inclusive câmaras constituintes) dos municípios de Buriti, Caxias, Coelho Neto, Coroatá, Duque Bacelar, Lago do Junco, Pedreiras e São Luís, além de, em 1989, assessor jurídico da Assembleia Estadual Constituinte. Foi conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA) por três mandatos. Foi membro da Associação dos Procuradores do Estado do Maranhão.

Na Magistratura, sua carreira foi cheia de responsabilidades profissionais e representações institucionais: foi vice-presidente e presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Maranhão, membro do Colégio Brasileiro de Presidentes dos TREs; vice-presidente e presidente do Tribunal de Justiça, membro do Colégio Brasileiro de Presidentes dos Tribunais de Justiça.

Na política, não se omitiu; pelo menos tentou: foi suplente de vereador em Pedreiras (MA) e deputado estadual.

Na História, já não fosse Mílson Coutinho ele próprio um arquivo vivo, foi diretor do Arquivo Público do Estado do Maranhão. Sem esquecer que em sua história no Serviço Público, além das elevadas funções na Justiça, da assessoria e consultoria aos Poderes Legislativo e Executivo, Mílson também foi fiscal de Rendas, claro, cargo a que chegou também por concurso público. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (Cadeira 6) e do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (Cadeira 24) e correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.

Assim, Mílson Coutinho, com mérito e garbo, serviu aos três Poderes e ao maior dele: a Sociedade, para a qual deixou como herança uma rica bibliografia, onde aspectos ou estratos dessa mesma Sociedade foram o objeto de inspiração e transpiração, da lida e leitura, do cortejo e cotejo, da pesquisa e composição dos inúmeros trabalhos históricos, a que tanto dedicou tempo, talento, esforço e a própria saúde.

Como homem das Letras e Literatura, Milson de Souza Coutinho, já não bastassem as Letras jornalísticas e jurídicas, foi, na Prosa, consistente ensaísta e articulista, e, na Poesia, quiçá não tenha cometido seus versos... Era membro da Academia Maranhense de Letras (Cadeira 15), eleito em 10 de setembro de 1981 e empossado em 13 de maio de 1982, sucedendo ao meu conhecido, o gênio da Rua do Apicum, José Erasmo Dias (ou, “nobiliarquicamente”, como ele queria, José Erasmo de Fontoura e Esteves Dias, falecido em 1981) e sendo recepcionado pelo amigo escritor, editor e advogado Jomar Moraes (falecido em uma manhã de domingo, 14 de agosto de 2016). Seu legado bibliográfico é volumoso, tanto em livros quanto em jornais; nestes, a História é a grande homenageada pelas histórias de cidades, do Estado do Maranhão, do Poder Judiciário, da vida de pessoas...

Mílson Coutinho era também da Academia Imperatrizense de Letras, como sócio correspondente e da Academia Sambentuense de Letras. Na Academia Maranhense de Letras Jurídicas, ocupa a cátedra do magistrado maranhense João Inácio da Cunha (1781-1834), o Visconde de Alcântara, que advogado formado em Coimbra, foi ministro da Justiça e, antes, ministro do Supremo Tribunal de Justiça (hoje o Supremo Tribunal Federal) e senador.

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Mílson de Souza Coutinho tinha 81 anos e cinco meses. Era filho ilustre do município de Coelho Neto, a antiga Curralinho, cujo território, depois de pertencer a Brejo e a Buriti, fora ancestralmente de Caxias.

Mas as relações de Mílson Coutinho com minha cidade natal, Caxias, não se davam apenas pelo mesmo solo que fisicamente pisamos ou pelo idêntico barro ancestral que animicamente amalgamos.

Além de a área de sua cidade, em priscas eras, ser ou ter sido uma extensão geográfica da minha, Mílson já tinha sido procurador da Câmara Municipal caxiense, escreveu dois citados livros sobre minha cidade (“Caxias das Aldeyas Altas” e “Caxienses Ilustres”) e, além de colega no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, era meu Confrade como membro da Academia Caxiense de Letras – ACL (Cadeira 10, patroneada pelo poeta Déo Silva e fundada pelo escritor Rodrigues Marques) e do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias – IHGC (Cadeira 24, patroneada por Sinval Odorico de Moura).

Por algumas boas vezes nos encontramos, Milson e eu, em Caxias e em São Luís. As conversas eram demoradas. Uma vez, falamos acerca da descendência (netos, bisnetos...) do escritor Coelho Netto, tema que havia trazido de viagem ao Rio de Janeiro, a pedido da minha amiga escritora e advogada Leila Miccolis, também roteirista de novelas de TV. Como nem o Tobias Pinheiro, em cujo apartamento carioca almoçamos, nem o Jomar Moraes e até mesmo Josué Montello conseguiram debulhar esse milho histórico, tratei disso com o Mílson, que lamentavelmente tampouco possuía informações sobre a família daquele conterrâneo comum e muito ilustrado.

Certa feita, em 2008, Mílson e eu nos encontramos em um mesmo evento, em São Luís. Ocorreu que eu fora eleito “Jornalista que Marcou Época”, com diploma expedido pela Universidade Federal do Maranhão, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação dos Correspondentes Estrangeiros, Sindicato das Agências de Propaganda do Maranhão, Associação dos Cronistas e Locutores Esportivos (Aclem) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI). No hotel onde ocorria a solenidade, encontro Mílson, sozinho. Enquanto o evento ainda se estendia após a praxe cumprida, fomos conversar, os três – Mílson, eu e o cigarro dele em largos movimentos dos dedos à boca.

Em janeiro do ano passado, conversávamos eu e o conterrâneo caxiense e confrade de academias Jacques Inandy Medeiros, médico-veterinário, escritor, historiador, que, entre outros títulos, foi reitor da Universidade Estadual do Maranhão, secretário de Educação de Caxias, presidente da Academia Caxiense de Letras (ACL) e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias. Meu amigo Jacques Medeiros me pedia que enviasse para ele cópia do discurso com que, em 29 de julho de 2000, no Hotel Alecrim, eu recepcionara seu irmão, o desembargador Antônio Carlos Medeiros e o amigo de ambos – Mílson Coutinho. Jacques, que, por sadio escrúpulo, foi amoroso mas econômico nas qualidades do próprio irmão, em relação a Mílson Coutinho elencou-lhe os muitos méritos. Jacques Medeiros, falecido em outubro de 2019, era homem de poderosa memória; precisava-se ouvi-lo em agradável rodada em mesa à frente do Excelsior Hotel, em Caxias, destilando e desfilando capitais, países e suas áreas territoriais, além de precisas informações históricas...

Por esses paradoxos que a existência e seu contrário alimentam, a morte de Mílson Coutinho é sua ressurreição em cada um de nós, os que interagimos com ele, de acordo com a quota de intensidade dessas interações.

Cada um tem um morto que vive diferentemente nas lembranças de cada um...

Como dito, fui, por designação, o acadêmico encarregado de fazer o discurso de recepção na solenidade de posse dos desembargadores e escritores Antônio Carlos Medeiros e Mílson de Souza Coutinho, há exatamente vinte anos – toda uma geração...

Com um travo na garganta e uma travessa no coração, reproduzo, a seguir, algo do pronunciamento com que, oficial e solenemente, Mílson Coutinho adentrava o pórtico da Casa de Letras caxiense naquele 29 de julho de 2000:

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“Quando Academias se reunissem em uma comunidade, sinos deveriam repicar, fogos deveriam espoucar, fogueiras deveriam crepitar, padres e pastores deveriam bendizer, coros e corais deveriam cantar e aleluias e hosanas se deveriam proclamar! Pois eis que, também quando Academias se reúnem, é quase certo, homens e mulheres se estão aproximando mais da imagem e semelhança daqueles que os criou – Deus. Pois o que é a Literatura, senão, mais que vaidade intelectual humana, permissão para exploração do potencial divino que está em cada um de nós?

“Por mais belos que sejam os vestidos e ternos, longos e ‘smokings’, por mais que se farte a gula de salgadinhos e se mate a sede de bebidas, por mais brilhos que tenham as joias, por mais beleza que tenha a eventual decoração, algo mais belo, mais alimentador e mais brilhante está neste instante sendo homenageado e fortalecido: o espírito humano.

“Mesmo que não o sintam os insensíveis, por mais que não acreditem os céticos, ainda que não vejam os cegos, algo provindo de nós (mas muito maior e melhor que nós) aqui nasce, ou renasce, aqui reina, aqui ‘rola’ – como diria nossa juventude em sua linguagem curta e carregada –: o espírito caxiense de amor ao Belo, à Cultura, à Arte e, claro, à Literatura, esta que é, literal e literariamente falando, a mais respeitada, a mais permanente, a mais charmosa das artes do Espírito: Literatura, o espírito da Arte!

“A Academia Caxiense de Letras reúne criaturas e criadores, autores e leitores, poetas e musas, para anunciar aos quatro ventos caxienses e maranhenses e brasileiros e universais – já que ventos não têm pátria –, que a Casa está em festa: chegaram novos velhos irmãos. E esta é a missão deste que lhes fala: saudar, com a pobreza vocabular dos limitados, a riqueza de espírito de iluminados. Meus Senhores: Caxias e sua Academia de Letras recebem, pródigos em sabedoria, seus filhos Antônio Carlos Medeiros e Mílson Coutinho.

“Mílson Coutinho, aliás, não é apenas filho, pois que assim ele se considera (e nós o consideramos também), filho de Caxias: ele é neto. Sim, antes de proclamar seu acendrado amor a Caxias, antes de merecer a maior láurea da terra – o título de cidadania caxiense –, antes de escrever, entre tantos livros que tem escritos e publicados, livros e textos muitos sobre a nossa cidade, Mílson Coutinho, por essas benquerenças do destino, veio a nascer em Coelho Neto. E quem nasce em terra de um filho de Caxias, é, no mínimo, filho duas vezes, é neto. E quem escreveu, há exatos 20 anos, uma obra como ‘Caxias das Aldeyas Altas’, é também irmão nosso”.

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Descanse em paz, Mílson.

A Academia Celeste acaba de ganhar um sócio especial...

* EDMILSON SANCHES