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Retratos sem retoques*

(Discurso de Edmilson Sanches, presidente da Academia Imperatrizense de Letras, no lançamento do livro “Retratos sem Retoques”, de José Herênio de Souza. Auditório da Academia Imperatrizense de Letras, Imperatriz, Maranhão, 10 de julho de 2003).

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“O ‘H’ maiúsculo com que se escreve a História imperatrizense está cronologicamente e umbilicalmente ligado ao ‘H’ também maiúsculo com que se nomina a família Herênio”.

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“Um Herênio que transforme memória em letras não é tão somente um historiador – é ele próprio História. História vivenciada. Testemunha ocular e auricular dos fatos”.

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“[...] para alguém cujo futuro parecia não se descolar do chão e, anos mais tarde, torna-se piloto e instrutor de voos internacionais, José Herênio subiu alto, muito alto, foi até às nuvens e acima delas, desconheceu divisas, limites e fronteiras, mas reconheceu oceanos e montanhas, florestas e desertos, campos e cidades. O planeta era o seu limite e, se brincassem, teria ido além dele, quem sabe chegasse a astronauta...”

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Senhoras e Senhores, boa noite!

Boa noite, meus confrades de Academia!

Escritora de competência e renome Olga Matos, que deixou seu Rio Grande do Sul para vir sentir o calor dos brasileiros deste pedaço de Norte e Nordeste. Olga veio a convite de seu amigo José Herênio – que, não satisfeito por nos agradar apenas com um lançamento de livro, quis brindar-nos com o lançamento de uma autora. Bem-vinda, Olga, bem-vinda. Imperatriz é uma São Paulo no Maranhão e da pré-Amazônia; ela acolhe brasileiros e brasileiras de todos os Estados do Brasil e estrangeiros dos diversos continentes do mundo. É por isso que, quase sempre, todo ser humano em Imperatriz se sente em casa, pois haverá, no mínimo, um alguém igual a ele, além do calor humano e amigo, comum a todos.

Aviador e escritor José Herênio, boa noite... e, por sua estreia como autor, bem-vindo ao clube dos que pilotam letras.

Em dez dias, três livros. Dia 5, o “Tempo de Um Novo Começo”, de frei Rodrigo; dia 8, “O Velho Jaborandy”, de Agostinho Noleto, e, hoje, encerra-se o primeiro decêndio do mês com uma obra indispensável à historiografia imperatrizense: “Retratos sem Retoques”, de José Herênio.

Na condição de presidente da Academia Imperatrizense de Letras, e sabendo da importância desta Casa no estímulo à criação literária e à produção editorial, e na qualidade de pesquisador das coisas e defensor das causas imperatrizenses, tenho sabidos motivos e subida honra por estar saudando o aparecimento de obras tão consistentes quanto as três que, nestes primeiros dez dias, enriquecem a História, a Literatura e a Cultura de Imperatriz. E mais obras vêm por aí, já que, pelo menos, três outros lançamentos se anunciam para ainda este mês de julho.

Mas eu dizia que este primeiro decêndio está sendo fechado com chave de ouro. Porque se a primeira obra, de frei Rodrigo, é tendente à ensaística, e a segunda, de Agostinho Noleto, é uma prosa ficcional, esta obra de José Herênio é memória, é história pura e simples – até porque, ouso queimar minha língua, puro e simples é o autor.

Senhoras e Senhores,

O “H” maiúsculo com que se escreve a História imperatrizense está cronologicamente e umbilicalmente ligado ao “H” também maiúsculo com que se nomina a família Herênio. Sabe-se, e com comprovação documental, da existência dos Herênios em Imperatriz... antes mesmo da fundação da cidade.

Com sua memória privilegiada, e por sua vida vivida, José Herênio, este setentão rijo e esperto, ocupado e preocupado com as coisas de sua região, é mais que autor deste livro; é também fotógrafo e revelador destes “Retratos sem Retoques”. Um Herênio que transforma memória em letras não é tão somente um historiador – é ele próprio História. História vivenciada. Testemunha ocular e auricular dos fatos.

Senhoras e Senhores,

Felizmente, a cidade de Imperatriz já dispõe de diversas opções de lugares para se lançar um livro. Mas José Herênio, sem birra mas com um forte e emocional motivo, escolheu a simplicidade e o quase acanhamento deste espaço. Suas razões não poderiam ser maiores.

Ontem como hoje, aqui nesta sala, Senhoras e Senhores, há 47 anos e 16 dias, também se reuniram, como descreve o próprio José Herênio em seu livro, “figuras representativas da sociedade, amigos e familiares”. O que muda de antanho para agora é que não se pode ver mais o farmacêutico Raimundo Nogueira em seu “impecável terno de linho branco” e não se está ouvindo saxofone magistral do magistral saxofonista Benedito Caxiense.

O ontem que o dia de hoje arremeda era 24 de junho de 1956 e, nessa data, José Herênio entrava para o clube dos homens sérios ao casar-se com sua “dedicada esposa” Sophia Medlig, que, por motivo de saúde, permaneceu no Rio de Janeiro, onde o casal mora e em cujo seio Imperatriz vive.

Esta sala, naqueles meados dos anos 50, era o salão da prefeitura e virou palco para os pares e pés de valsa que, a partir das 21 horas, vieram alegrar-se e dançar com a alegria e dança cerimonial de Sofia e Zeca.

A seriedade e sofisticação daqueles bons tempos era tal que o convite da festa era assinado por nada menos que 12 ilustres nomes da sociedade imperatrizense, deles ainda hoje viventes e alguns aqui presentes.

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Já li o livro do José Herênio, e não serei estraga-prazer, contando-lhe o que o autor quer que cada um descubra, sinta ou relembre.

Os 71 textos do livro, mais as palavras introdutórias e outras pós-textuais, estão eivadas de nomes, de datas, de números, de fatos.

Dos antepassados e do passado do autor e de cidades, dos atos e fatos políticos e profissionais de outrora, das viagens e passagens por países e pessoas do mundo, o livro, como sugere a capa, é de um autor de ar e terra e também capitão de mar e guerra, pois que José Herênio enfrentou oceanos de dificuldades e incompreensões pessoais e profissionais, até ver essas muralhas ruírem ante a força de seu talento, profissionalismo e persistência.

Para um menino do buchão que, aos 9 anos, já estava só no mundo, após testemunhar com lágrimas no rosto o cruel sofrimento porque passou sua mãe àquela altura viúva;...

... para um pirralho largado numa Imperatriz que não era nem sombra do que é hoje, tão paupérrima era;...

... para um menino triste àquela altura, no dizer do autor, “completamente sem bússola”, embora “agregado no seio de familiares igualmente pobres”;...

... enfim, para alguém cujo futuro parecia não se descolar do chão e, anos mais tarde, torna-se piloto e instrutor de voos internacionais, José Herênio subiu alto, muito alto, foi até às nuvens e acima delas, desconheceu divisas, limites e fronteiras, mas reconheceu oceanos e montanhas, florestas e desertos, campos e cidades. O planeta era o seu limite e, se brincassem, teria ido além dele, quem sabe chegasse a astronauta...

Creio que José Herênio tem mais a contar. Muito mais, embora não tudo, porque, como escreve a escritora e amiga “hereniana” Olga Matos:

“Nunca terei arca cheia,
para repartir ao meio,
mas sempre o suficiente,
pisar fundo e ir vivendo!”

É este carolinense, Senhoras e Senhores, é este cidadão do mundo que novamente bateu asas e voou até aqui, para ter o prazer de pôr os pés nos chãos da Carolina que o viu nascer e nas terras da Imperatriz que o viu crescer e o aprontou para renascer lá fora, mas encardido o suficiente das cores locais, para não deixar de ser ele o que ele é – um baita beiradeiro destas bandas de cá do Tocantins. Um beiradeirão que se despe em história e emoção neste livro e que se mostra em coragem e cidadania ao criticar e ao defender – defender, por exemplo, a causa do Maranhão do Sul, que está registrada em parte das 190 páginas deste livro a que o autor, sem jeitos – nem trejeitos – de maquiador, aplicou-lhe o título de “Retratos sem Retoques”.

A Academia Imperatrizense de Letras cumprimenta José Herênio e, pelo seu presidente (que sabe merecerá o aprove-se dos seus pares acadêmicos), antecipa que, nos próximos dias, estará tomando as providências formais para abrigar em seu seio, como membro correspondente, este ilustre filho destas terras.

Em igual tempo, a Academia tomará semelhantes providências para trazer ao seu seio, como membro correspondente, a escritora Olga Matos, que mesmo antes de vir a Imperatriz já vinha escrevendo textos em favor da causa do Maranhão do Sul, movimento que esta cidade lidera.

Assim, José Herênio, creio lhe serem devidos cumprimentos – pela bela obra que hoje você lança – e agradecimentos, pela bela escritora Olga, que você apresenta à sociedade imperatrizense.

A José Herênio e a Olga Matos: saúde, sucesso, sensibilidade. E a nossa paz. Com a grandeza de pessoas que são, vocês confirmam que a vida é curta demais para ser miúda.

Parabéns. Nossas palmas. Muito obrigado.

* EDMILSON SANCHES

Fotos:
A criatura e seu criador – o livro "Retratos sem Retoques" (2003) e o advogado, aeronauta e escritor José Herênio de Souza. E outras duas obras herenianas: "Topônimo Maranhão: Apagando a Mentira" (2005) e "Imperatriz! Nossa Avozinha aos 100 Anos de Idade" (2017).