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Nasceu em julho. Viveu 37 anos*

UBIRAJARA FIDALGO, O PRIMEIRO DRAMATURGO NEGRO DO BRASIL, TALENTO MARANHENSE QUE O MARANHÃO ESQUECEU.

– Nasceu em Caxias, em 22 de junho de 1949. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 37 anos, em 3 de julho de 1986.

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O governo federal (Ministério da Cultura) oficializou 2016 como o “Ano Ubirajara Fidalgo da Cultura”.

Ter um ano inteiro dedicado a um maranhense deveria ser motivo de orgulho e atividades em torno ou a partir desse nome. É muito raro o governo federal formalizar uma lembrança e homenagem dessas relacionadas ao Maranhão.

No caso de Ubirajara Fidalgo, teatrólogo de talento e engajamento, seria a oportunidade para o Estado do Maranhão e o município de Caxias iniciarem um reparo histórico: conhecerem mais e melhor o filho ilustre. Como?

– publicando livro onde se recuperasse sua história...

– publicando suas obras teatrais, até hoje inéditas em livro, embora diversas delas encenadas nas maiores capitais do Brasil, inclusive por atores e atrizes de renome...

– fazendo exposição de seu acervo, exibir documentário...

– convidando as companhias teatrais de diversos pontos do Brasil que cultivam e encenam as peças de Ubirajara Fidalgo...

Entrevistei, no começo de 2017, Dona Aldenora Fidalgo, mãe de Ubirajara, à época com 91 anos, residente no município de São João do Sóter (MA). Em conversa agradável, pude recuperar aspectos -- ainda inéditos – da biografia do grande maranhense e caxiense.

Mas Caxias e o Maranhão não se importaram (nem se importam) com seus talentos que agregaram valor à identidade cultural, artística, histórica etc. de nosso país – e até as gravações/filmagens, feitas por duas pessoas, até hoje não me foram enviadas...

Caxias e o Maranhão abandonam seu maior patrimônio... Diferentemente, em relação a Ubirajara Fidalgo, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Brasília, com destaque na Imprensa, fazem homenagens, realizam atividades, encenam peças do maranhense e caxiense. (Em setembro de 2019, com minha assistência, foi criada a Comenda Ubirajara Fidalgo, concedida pela Secretaria de Educação, Ciência e Tecnologia de Caxias, durante a 2ª Feira de Literatura, Cultura e Turismo da Região dos Cocais (FLICT), evento no qual foi homenageada Dª Aldenora, acompanhada da filha Cristina (irmã de Ubirajara Fidalgo). Convidado, fiz a palestra em que falei de valores caxienses e ressaltei um pouco da vida e trabalho de Ubirajara Fidalgo.

Abaixo, texto sobre Ubirajara Fidalgo que escrevi há anos e que divulguei em alguns jornais e outras mídias.

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Os caxienses e maranhenses precisam saber quem foi e o que representa Ubirajara Fidalgo para a Cultura brasileira.

Nascido no Povoado São Pedro, distrito de Caxias, em 22 de junho de 1949, Ubirajara Fidalgo da Silva faleceu em 3 de julho de 1986, aos 37 anos, no Rio de Janeiro, após operação nos rins.

Teve uma vida curta, mas que grande vida ele teve!

Casou-se em 28 de janeiro de 1974, com Alzira Fidalgo, cenógrafa, figurinista e produtora, que faleceu em 2012. Sua filha, Sabrina Fidalgo, é cineasta, com formação na Alemanha e produção elogiada, é quem cuida do legado dos pais. O “site” “Brasileiros na Alemanha” registra ser Sabrina muito conhecida naquele país.

Ubirajara Fidalgo foi ator, dramaturgo, produtor, empresário, apresentador de TV, diretor de teatro. De 1984 a 1986, com Edna Savaget, apresentou o programa “Ela”, na TV Bandeirantes.

Foi o primeiro a ensinar e a incluir e empregar profissionalmente no teatro negros da periferia.

Também foi o primeiro a levar o debate político-social aos palcos com participação e interatividade da plateia.

No dia 20 de fevereiro de 2016, a vida e obra de Ubirajara Fidalgo foram homenageadas no Teatro Arena, em São Paulo (SP), com exposição de fotos e vídeos e leitura de texto da peça teatral “Tuti”, a última escrita por Ubirajara (que também deixou textos inéditos e um livro não terminado).

Saindo de Caxias, Ubirajara Fidalgo já estava em 1968, em São Luís (MA), onde iniciou sua carreira artística, primeiro em curso de iniciação teatral, com o professor Jesus Chediak, depois na Universidade Federal do Maranhão, no curso de Formação de Atores.

Em 1970, mudou de cidade mas não mudou o curso de sua vida, isto é, o Teatro: continuou sua formação na Universidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, encena “Otelo”, de Shakespeare, e dá início ao Teatro Profissional do Negro, o Tepron.

(Na entrevista que me concedeu, Dª Aldenora contou como o Teatro e as Artes Cênicas entraram na família. Disse que as filhas de um casal com quem trabalhava a convidavam, durante as férias escolares, para fazer, na própria casa, pequenas peças de teatro. Isso passou de mãe para filho, que, menino em Caxias, já ensaiava os primeiros passos no que viria a ser uma vitoriosa e, sem trocadilho, representativa carreira. Dª Alzira também revelou que a morte do filho poderia ter-se derivado de antiga queda que Ubirajara sofreu ao pular de cima da carroceria de um caminhão em movimento. Dª Aldenora estava no hospital, com o filho em seus últimos momentos. Muita lucidez, segurança e emoção no relato de uma mãe.

Simultaneamente com suas atividades artísticas, desenvolve intensa militância no ativismo negro do país. Debate a situação do negro, o preconceito racial, a situação social. Seja no Clube Renascença, centro de mobilização do negro; nos Centros Populares de cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE); na fundação do Instituto de Pesquisa da Cultura Negra; na Associação Cultural de Apoio às Artes Negras..., em qualquer lugar em que a arte e a vida da população negra estivesse em debate, ali estava Ubirajara Fidalgo.

Tendo sofrido um acidente na infância, quando pulou da carroceria de um caminhão que lhe dera carona no retorno de uma atividade artística em Caxias, Ubirajara levou para o resto da vida um problema nos rins. Fez transplante. Mas não houve jeito.

Na primeira semana de julho de 1986, morria aquele que “foi uma das grandes figuras emblemáticas do Movimento Negro no Brasil nas décadas de 1970 e 1980”,...

... aquele considerado “um dos principais articuladores do Instituto de Pesquisa e Cultura Negra (IPCN), criado em 1975, com o objetivo de combater o racismo, o preconceito e a discriminação racial”,...

... o “fundador do Teatro Profissional do Negro (Tepron)”, que “aliou a montagem de seus textos teatrais às questões relevantes relacionadas ao racismo, a discriminação no Brasil contemporâneo, o preconceito, a homofobia, a misoginia, desigualdade social e a ditadura militar”.

Um maranhense de enorme talento artístico.

Um caxiense de grande coragem cívico-social.

Um maranhense e caxiense, contraditoriamente, esquecido pelo Maranhão e, no geral, por sua cidade natal, Caxias.

* EDMILSON SANCHES

Fotos:
Ubirajara Fidalgo, sua mulher Alzira e a filha, a cineasta Sabrina Fidalgo. Em janeiro de 2017, em São João do Sóter (MA), Edmilson Sanches entrevista Dona Aldenora, mãe do grande dramaturgo caxiense.