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Pare; pense um pouco*

E OS PAIS, E A FAMÍLIA, COMO FICAM?

Sou desses homens tolos que se preocupam mais com os outros do que consigo mesmo. O advogado e escritor Ulisses de Azevedo Braga (“in memoriam”) escreveu uma vez: “– O Sanches é mais dos outros do que de si”. Pago um preço alto por isso... Mas vamos ao que interessa.

Toda vez que vejo ou leio uma notícia sobre um político corrupto, um bandido, um assassino, enfim, gente que, pelo visto, não presta, fico pensando nas vítimas que eles fazem e, também, penso muito nos pais desses marginais. Como fica uma mãe e que vergonha deve sentir um pai, os irmãos, filhos, familiares, amigos, colegas, vizinhos?!...

Sei que tem muita gente cínica, hipócrita, insensível, gente que acha que a vida é para “se dar bem” e os outros, que se... lasquem. É, tem gente assim porque o Diabo tem os deles (a Bíblia chega a dizer que o mundo é do Capiroto...).

Pois bem, insensibilidades e hipocrisias, cinismos e egoísmos à parte, os pais, filhos, irmãos e familiares e amigos VERDADEIROS, como ficam ante a repetida e repetitiva notícia (falada, impressa, visual) sobre uma bandidagem de alguém que é da família ou é / era do círculo de amizade?

Que vergonha sentem ao assistir ao noticiário e, toda vez que se refere, por exemplo, àquele político corrupto, a notícia vem acompanhada da gravação mostrando um homem pedindo dinheiro, ou correndo e carregando uma mala, olhando para os lados, culposamente? Como ficam? O que falam os pais e demais familiares, o que dizem os amigos, vizinhos, colegas e amigos de infância? Sentem vergonha também? Não sabem onde botam a cara, como se o malfeito tivesse acontecido com eles?

Fico pensando em pais e familiares de pessoas que não precisavam roubar, corromper ou ser corrompidas. Pessoas que não estavam passando necessidades, que não sabem o que é privação, que não têm carências primárias como grande parte – milhões – de brasileiros passam. Fico pensando na família Odebrecht e que vergonha não sentiria Emil Odebrecht, o engenheiro e cartógrafo que há 160 anos, em 1856, veio do Reino da Prússia para o Brasil (Blumenau, Santa Catarina) e aqui, até morrer em 1912, aos 76 anos, trabalhou infatigável, dura e arriscadamente e deu início à grande família empreendedora que, depois, iria para outros cantos do Brasil – incluindo-se o Marcelo Odebrecht, o jovem herdeiro de bilhões da construtora de seu pai, Emílio, e avô, Norberto, herdeiro que estudou na Suíça e hoje, há muito tempo, está na cadeia...

Fico pensando na família Batista, seja a do ramo dos moços Joesley e Wesley, os bilionários donos do Friboi e de tantos outros negócios, como as sandálias Havaianas, seja a família do igualmente rico (ainda) Eike Batista, cujo pai tem uma história até onde se sabe honrada em prol do país... Tem cabimento, em nome de quererem cada vez mais, esses moços – corruptos e corruptores – desonrarem pai, mãe, filhos, religião, história e a própria palavra e pose de gente séria e honesta que, certamente, propagandearam?

Fico pensando no Sérgio Cabral, o pai, jornalista, escritor, compositor e pesquisador brasileiro, muito querido no meio jornalístico e no seio dos grandes nomes da Música Popular Brasileira. Como é que o filho Sérgio Cabral herda o nome e despreza, em dado momento, as boas qualidades do pai, agora com longevos 80 anos de idade. O velho Sérgio Cabral foi um dos fundadores do famoso jornal “O Pasquim”. É autor de livros com biografias de valores musicais como Tom Jobim, Elizeth Cardoso e Pixinguinha. Em uma dessas maneiras certas de escrever por linhas tortas, Deus retirou um pouco do sofrimento possível de Sérgio Cabral pai: o velho Cabral está com mal de Alzheimer e não tem memória recente do filho e ex-governador do Rio de Janeiro, que estraçalhou a própria imagem e os cofres de seu Estado. A quem pergunta onde está o filho que recebeu seu nome, Sérgio Cabral, o velho, diz que Sérgio Filho morreu ainda criança... Meu Deus! Parece uma forma de o pai se esconder da vergonha que o filho lhe causou!... Seria trágico se não fosse tão dramático...

Por último – mas, infelizmente, não por fim –, fico pensando no Sr. Rodrigo Costa da Rocha Loures. Ele mesmo, pai de Rodrigo Santos da Rocha Loures, o “deputado federal da mala com propina de 500 mil reais”.

Conheci o Sr. Rodrigo Costa Loures, o pai. A cada ano, eu ia a Curitiba (PR) para a Conferência Internacional Cidades Inovadoras (Cici), promovida pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) em sua grande, ecológica e agradável sede. A Cici reunia, anualmente, 4 mil prefeitos e outros gestores, além de técnicos e outros estudiosos do mundo inteiro para tratar de soluções já adotadas em muitas cidades do planeta e propor alternativas para a qualidade e sustentabilidade das cidades. A Fiep e a própria Cici eram presididas pelo Sr. Rodrigo Loures, o pai.

Em função de minha participação e das intervenções nos muitos debates que se realizavam ali na Fiep/Cici, anualmente, durante uma semana, fui alcançado pelo engenheiro João, assessor do presidente da Fiep, e fui convidado a ir até o gabinete da presidência da entidade. Claro, eu já tinha visto e ouvido o Rodrigo Loures pai. Pelos discursos que fazia, pela história empresarial que tem, pela família tradicional paranaense de que descende, via-se que o velho Rodrigo Loures é uma dessas raridades empresariais que acredita e prega a Ética, a Visão Holística, a Sustentabilidade, o não egoísmo etc. etc.

Conversei longamente com Rodrigo Loures pai. Deixei, com ele, um exemplar da “Enciclopédia de Imperatriz”. Ele, confirmando ser um ser humano sensível, aproveitou para agradecer aos “irmãos de Imperatriz”, pois, disse ele, a cidade maranhense era o "portão de entrada" e a referência de uma região que estava acolhendo muitos dos conterrâneos dele, paranaenses, sulistas e sudestinos, sobretudo para o cultivo de grãos (soja, em especial). Falamos de coisas que são coisas de que normalmente não se fala nas rodas de conversa de hoje (muita gente preocupada só consigo mesma, com seus negócios, com suas "coisas", e que nada fazem para agregar algo de novo coletivamente).

Claro que fico pensando sobretudo nos milhões de pais, famílias e pessoas brasileiros que foram e são prejudicados pelas ações deletérias desses políticos e empresários e gestores públicos.

Fico pensando em como Educação e Saúde teriam qualidade se os políticos e governantes brasileiros também tivessem.

Fico pensando como Ciência e Tecnologia, Cultura e Esporte se desenvolveriam se o jogo desses malandros não fosse a cultura do Mal, do amor pelo dinheiro e pelo poder.

Fico pensando no sadio crescimento da Economia e do Desenvolvimento, com geração de empregos e tudo, se esses bandidos não empregassem parte de seu tempo, talento e outros recursos só planejando – e realizando – modos de se locupletarem, de terem cada vez mais.

Volto a pensar no Seu Rodrigo Loures, pai do deputado “da mala”. Pelo pouco que conheci dele (e nem quero imaginar que estou enganado) antevejo o velho Rodrigo sofrendo isolada ou explicitamente. Imagino-lhe a vergonha. O de como é mais difícil encarar a sociedade de que ele é filho e formador. Imagino o quanto ele pode estar pensando no paradoxo, na sensaboria, nos contrastes entre o que ele, idealista, pregava para cerca de 4 mil pessoas idealistas que, ano a ano, atendia a seu convite para discutirem pessoas e mundo melhores durante uma semana inteira, de manhã, à tarde e à noite.

Claro que, talvez (e não torço por isso), os pais, a família, os demais familiares, os amigos, vizinhos, colegas de infância podem até não sentir nada. Podem dizer que é um mal-entendido. Intriga da oposição. Jogo de poder. “Coisa” do Ministério Público”. “Frescura” da política. Armação da Polícia. Exagero da Justiça.

Podem dizer isso e mais. Mas nunca dirão tudo. E aqui é onde se inclui aquele momento, onde um pai, uma mãe, por exemplo, na solidão de seus pensamentos, individualmente se perguntam onde erraram, o que fizeram, por que isso aconteceu.

Esses pais sabem que fizeram o possível por aquele bebê fofinho, aquela criança peralta, brincalhona, estudiosa; sabem que deram para ela exemplo e oportunidades. Criaram o filho para o Bem – e poderia ser diferente? Então, por que será que os filhos se desviaram, por que viraram bandidos, corruptos, por que não pensaram nos pais quando decidiram cometer seus pecados penais?

Tantas perguntas... Aí, então, sem resposta, esse pai, essa mãe, com a alma contorcida de amor e dor, na solidão de um quarto ou um canto semiescuro, viram o rosto para cima buscando ar e, depois, sob o peso da dor, pendem a cabeça e facilitam, por gravidade, o caminho – e o cair – das lágrimas.

Esse pai, essa mãe... choram.

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Todo filho é culpado do bem que, podendo fazer aos seus pais, não fez.

* EDMILSON SANCHES

Ilustração:
Homem velho em tristeza (pintura de Van Gogh, de 1890).