**
“Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos. Infelizmente, exige-se pouco do nosso poeta; menos do que se reclama ao pintor, ao músico, ao romancista...” (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, em seu artigo “Autobiografia para uma revista”, no livro “Confissões de Minas” (1944).
Li rapazote toda a obra drummondiana em 1977/78: a poética, até esse tempo, 15 livros, de “Alguma Poesia”, obra inaugural de 1930, a “Viola de Bolso”; a contística, os “Contos de Minas”; a prosaica, sete livros, de “Confissões de Minas” a “O Poder Ultrajovem”.
O trecho da “Autobiografia” acima é do livro “Confissões de Minas”, de 1944. “Autobiografia para uma revista” é a nona crônica das 22 que fazem o livro confessional. Drummond a escreveu a pedido de uma publicação, a “Revista Acadêmica”. Ele nem desejava escrever esse texto, mas reconsiderou: “[...] sendo inevitável a biografia, era preferível que eu próprio a fizesse, e não outro”. E justifica: “Primeiro, pela autoridade natural que me advém de ter vivido a minha vida. Segundo, porque, praticando aparentemente um ato de vaidade, no fundo castigo o meu ego, contando sem ênfase os pobres e miúdos acontecimentos que assinalam a minha passagem pelo mundo, e evitando assim qualquer adjetivo ou palavra generosa, com que o redator da revista quisesse, sincero ou não, gratificar-me”.
Talvez eu não corrobore todas as considerações de Drummond sobre o fazer poético. Produto humano, a poesia assume, reproduz, espelha as nossas grandezas e deficiências. Assim, nem todo poema tem ou terá a “carga” poética que mentes mais perquiridoras buscam e com que nos brindam.
Poemas, uns, são e serão simples, muitas das vezes simplórios. Outros, considerar-se-ão afinados, refinados, segundo uma dada prevalência da “ars poética” que cultive, autoimposta pelo poeta ou por este buscada ou a ela perfilado ou à qual, ao sabor e saber das eras, se alie, se afilie.
Uns poemas são lineares, cartesianos, “fáceis”; outros, são trabalhados como ouro em mãos de paciente ourives, diamante sob cuidados de exigente lapidador. Uns são que nem Manoel de Barros; outros, J. G. de Araújo Jorge. Aqueloutros, têm um tanto disso e daquilo. Mas todos com pá lavrando, sulcando o solo da mente, donde saem pomos poéticos maduros, de vez ou verdes, viçosos ou mirrados – mas tudo fruto.
De todo modo, melhor o frágil fruto que árvore nenhuma, plantio nenhum, semeadura nenhuma. Melhor a “má” poesia que a boa guerra.
Os poemas ditos “menores” não fazem mal nenhum à Poesia, embora se possa fazer mal com ela – para leitores, autores e sentimentos de outro paladar.
Poesia não sofre. Faz sofrer e, quase sempre, resulta de um sofrimento, uma angústia, uma tortura, uma busca, um querer, uma (im)potência ante a imensidão do Tudo e a pequenez de nós todos.
Poesia não sofre. Porque a Poesia não é Entidade: ela é, sim, instrumento, recurso, um – nosso – “modus dicendi”. Assim, o “mal” feito à ou com a Poesia é mal feito a nós mesmos, conosco mesmos. Mas... melhor padecer de um mal poético do que desnecessitar de poesia.
**
Poesia é ato criativo, mas não criatura.
E nós, como se a olhássemos sobranceiros, somos seu criador.
Minúsculo criador,
de imperfeições bem feito
– reproduzidas no poema,
cada um a seu tempo, e jeito.
* EDMILSON SANCHES
31 de outubro – Dia Nacional da Poesia. Nessa data, em 1902, nasceu em Minas Gerais o poeta Carlos Drummond de Andrade, falecido no Rio de Janeiro, em 17/8/1987. O Dia Nacional da Poesia foi instituído pela Lei federal nº 13.131, de 3/6/2015. Antes, a data “não oficial” do Dia Nacional da Poesia era 14 de março, dia de nascimento do poeta baiano Castro Alves, em 1847 (falecido em 6/7/1871).
_
Ilustrações:
O mineiro Carlos Drummond, da “fotografia na parede” (“Mas como dói!”) a estátua à beira-mar. E o gaúcho Mário Quintana e sua precisão cirúrgico-vocabular.