Memorial de Paulo Augusto Nascimento Moraes – para a coleção “Crônicas Maranhenses”.
[Paulo Augusto Nascimento Moraes, São LuÍs (MA), 23/11/1912 – São Luís (MA), 11/9/1991].
Por incrível coincidência, as coisas naturais só se nos fazem ratificar a assertiva de que nada acontece por acaso, daí a sincronicidade de há muito estudada por Karl Jung.
Refiro-me ao quarto centenário de São Luís, fundada, em 12 de setembro de 1612, pelo fidalgo francês Daniel de La Touche Monsieur de La Ravardière, ao tempo do Rei-Menino Luís XIII, com o centenário de vida de Paulo Augusto Nascimento Moraes, nascido em 23 de novembro de 1912, o cronista que cantou nossa Cidade com seus gestos de amores por ela e, que, também, por ela chorou lágrimas de dores e saudade.
Enquanto São Luís era fundada sob a égide de uma monarquia europeia, trezentos anos depois, nascia no seio de uma aristocracia de professores, egressa do sentimentalismo escravo, Paulo Augusto Nascimento Moraes.
Assim, tanto São Luís como Paulo nasceram ligados por um mesmo espírito; a Ilha o inspirava, e ele escrevia “O Retrato da Cidade”. E morreu abraçado àquela paisagem de amores e poesias, feliz por não a ter decepcionado, porque dalgum lugar onde se achava, voltava sempre para encontrá-la, como aquele estroina que partira um dia...
A incrível coincidência que aqui me refiro, cabe ao fruto do amor do talento de Paulo Moraes e da bondade e querença maternal de Emília, sua mulher pela vida inteira, a educarem ambos, Paulo de Tarso, único filho do casal, o qual era ainda um garoto, como o Rei-Santo de França, quando saí de São Luís; um menino dedicado aos estudos, sem fugir à tradição da sua família. Paulo de Tarso fez-se professor de português e consultor dessa nossa “Última Flor do Lácio inculta e bela”, cujo idioma Camões cantou o gênio audaz do lusitano na epopeia maior de “Os Lusíadas”, enquanto, à noite, nas soturnas ruas de Lisboa, no apogeu do século XVI, pedia esmolas... e Paulo de Tarso com o faro do pesquisador, vindo, por certo, do atavismo do seu tio Nascimento Moraes Filho (José) reuniu em livro que intitulou de “A Volta do Boêmio – Crônicas Maranhenses”, escritos do pai, para presentear a São Luís de agora, o cronista, o articulista e o poeta que foi Paulo Nascimento Morais, a par com o boêmio, com o esbanjador de talento, com o orador e, sobretudo, com o humanista, reconstrutor nas últimas décadas do século passado, em São Luís, de outra “Belle Époque” que todos nós vivemos intensamente, como a viveu no passado, o velho mestre Nascimento Moraes, seu pai, no começo daquele mesmo século, quando escreveu várias obras de fôlego, dentre elas “Vencidos e degenerados”, que a crítica o tem, como trabalho sociológico, o topofísico, em síntese, de “O Mulato”, de Aluízio Azevedo, na quietude daquela São Luís de seu tempo, de ares burgueses e de convivência intelectual europeia, a respirar da cidade o purismo brilhante dos jovens da época que formavam a plêiade de “Os Novos Atenienses”.
Orgulho-me em ter tido Paulo Moraes como companheiro querido em minhas andanças literárias, em tê-lo tido do meu lado, e recebido dele uma amizade recíproca e um amor paternal e, com ele, aprendido muitas lições de vida e declamado, pelas madrugadas da Cidade, poesias que se foram com os ventos marítimos que varrem a Ilha, a nossa velha e querida Ilha...
Era no poeta que Paulo Nascimento Moraes, em si, mais existia: “Meus versos / tenho-os impressos e nítidos, / na doçura de um riso de criança / ou na expressão dolorosa de um cego / sob o batismo de um Sol-poente”.
Neste livro, vivencia-se apenas o jornalista brilhante, a escrever seus textos em forma de artigos onde seu lirismo se limita com o emocional que sempre gritou em seu peito ou, então, em artigos onde a coerência e o bom senso de suas análises transcendiam, quase sempre, para a política internacional.
Certa vez, Paulo Augusto Nascimento Moraes, o cronista, o poeta, o articulista, o orador e, principalmente o humanista, sem querer, mas levado pela insistência do irmão Nascimento Moraes Filho (José) e de alguns amigos, como Erasmo Dias e Fernando Viana, reuniu todas suas emoções em “Aquarelas de Luz”, o qual, a ser publicado, arrancou do poeta, lá do fundo de sua alma, esse canto de adeus que ele emoldurou dizendo: “Aquarelas de Luz ilumina-me na velhice com teu Azul vestido de pássaros eternamente voando, banhado de Ocaso. Não te pude guardar, como dantes. Agora, tu te libertas de mim para curiosidade dos outros. E eu te ficarei olhando neste bater de asas”.
Paulo Augusto Nascimento Moraes, como seu pai, José Nascimento Moraes e Nascimento Moraes Filho, seu irmão, pertenceu à Academia Maranhense de Letras, onde ocupou a Cadeira 16, patroneada por Raimundo da Mota d’Azevedo Correia e fundada por Raimundo Correia de Araújo.
Este é Paulo Augusto Nascimento Moraes que me legou, um dia, o luar dos seus cabelos, envolto em saudades e em noites de abusão a cair sobre a nossa cidade de São Luís, e a nos deixar em “Aquarelas de Luz”, além dos belos versos, sua imagem impressa de corpo inteiro e de alma extensa, como se me segredasse: “És tu, Fernando, que irás dizer isso um dia...” E disse!
* Fernando Braga, in prólogo para o livro no título acima anunciado, enfeixado também em “Conversas Vadias”, antologia de textos do autor.