Conheci-o na minha mocidade. Uma vida em vibração, em espírito, em inteligência. Um amigo de nossa família. Um companheiro das horas tristes e alegres. Era sobrinho de Domingos Barbosa que foi, na época, uma figura impressionante de talento. De cultura. Um tribuno fluente. Por algum tempo esteve na Câmara Federal, representante do povo maranhense. E Diógenes era um de seus sobrinhos. E, por muito tempo, fomos vizinhos. Morávamos na Rua dos Prazeres, Bairro da Currupira. Um muro baixo separava as nossas casas. Uma porta para cá e outra para lá. O mesmo tipo de casa com o número de quartos iguais e com dois pavimentos. Aí, morava Diógenes com a sua mãe. Seus irmãos. E Domingos Barbosa quando parava na cidade hospedava-se com a irmã. O ex-deputado federal era amigo de Nascimento Moraes. Domingos Barbosa era jornalista. Um articulista primoroso. Mas, nele, a fulguração da oratória, do tribuno parlamentar, dos comícios. Uma resistência moral impressionante. Era a sua vida pública. E Diógenes fez a amizade com a nossa família. Uma amizade sólida. Nunca mais nós nos separamos. Estávamos sempre juntos. Nele, o boêmio. Nele, o esportista, exercitava o boxe, um amador perigoso. Temido. Nele, a vibração intelectual. Nele, a firmeza dum caráter inabalável. Reputação inatacável. Nele, o companheirismo cativante. O amigo prestimoso. Uma existência feliz, cheia de emoções.
Era assim Diógenes Barbosa que, há dias, faleceu na Guanabara assistido pelos cuidados da esposa, da filha, a única, e de amigos dedicados. Sabíamos que estava no leito. Um derrame derribou o jequitibá. E, com ele, a resistência. A luta terrível. Mas, como sempre, a MORTE acaba com o adversário. E Diógenes Barbosa cedeu. E a notícia chegou e provocou tristezas em muitos corações. Sim, Diógenes deixa saudade, deixa lembrança. Mas, sim, estamos revendo o amigo. Aqui, casou. Constituiu família. Jovenila Costa, o nome da esposa, gente de nossa amizade, filha do inesquecível Eugênio Costa, pai de Joamil Costa, Pery e Joselyn Costa e Joel Costa, vivos. Todos da irmandade. Todos nós na vida, no sofrimento dos dias amargos, dos dias felizes. Todos pobres. Dignos. Uma família só. Uma família na ternura deste amor que é pureza, que é fraternidade. Vivíamos assim. E Diógenes estava sempre junto. Ralhando com um, com outro. Criando dificuldades estas que trazem a marca da atenção e dos cuidados.
Era assim Diógenes Barbosa. Casou e, por algum tempo, veio morar na Rua de Santana e nós também nos mudávamos para a mesma rua, ocupávamos um velho sobrado, quase saindo na Rua da Cruz. Diógenes e sua família. Diógenes e os pais da esposa, uma amiga, um amor em sonho, em realidade, em vida. Um lar feliz.
E, depois, Diógenes ausentou-se. Mas parece que, antes, nós deixávamos São Luís. Sim, Diógenes ainda ficava. Esteve na Alfândega e deu trabalho para o grupo do processo das acomodações! O grupo do favoritismo. Com Diógenes, o fortalecimento moral. E Diógenes preferiu sair a continuar, a entrar no “bloco” do “deixa-disso”. Do “toma o teu e dá o meu”. Não. Diógenes não era para acomodar e, sim, para cumprir o seu programa administrativo, sério, honesto. E terminou sofrendo a pressão da canalha. Saiu e passou-se para o Rio. Fixou-se por lá. Funcionário federal inatacável. No Rio, tantos anos, mas, de quando em quando, aparecia, vinha ver os amigos e matar saudade. Vinha olhar a cidade. Amava São Luís. Queria bem a Ilha. Em cada esquina, havia uma história de Diógenes Barbosa. Uma luta de boxe com Rubem, com o inesquecível Luís de Sevilha, um intelectual primoroso, boxeador excelente. Mas Diógenes sempre levava a melhor. Havia sempre uma “esquerda” batendo no queixo do adversário, e um corpo que caía desamparado ia à lona. E a assistência vibrava: Diógenes! Mas gostava da Ilha. A cidade. Suas tradições, seus costumes. Seu arroz de cuxá, seu mingau de milho lá no Galpão. A venda do peixe frito. As festas populares. As serenatas. Sim, Diógenes sempre aparecia para rever os amigos de seu tempo. E ia sempre em casa, procurava a família. Sempre.
Há dias, lemos a notícia: morreu Diógenes Barbosa. Não sabemos se choramos. Sabemos que sentimos a morte do amigo. E olhamo-lo vivo dentro de nós. Olhamo-lo de frente. No rosto, a marca da vida. Da serenidade. Nos olhos, aquele brilho, aquela expressão de homem, de força física e moral. Sim, parece que o vimos em momentos com o seu calção, seus músculos na vibração da vida. Vida no realismo de sua existência, da vida que ele viveu a seu modo. Sua alma limpa, seu coração limpo. Sua consciência tranquila. Seu dever cumprido. Sua missão terminada. E o vendo assim, de nós: Seu Diógenes, até logo!
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 5 de novembro de 1968.