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A quarta-feira chegou... E, com ela, os textos literários – produção de escritores maranhenses... O BLOG DO PAUTAR incentiva, por meio do projeto LITERATURA MARANHENSE, a leitura de bons textos... Aproveite! Bom “apetite”!

(Apresentação ao livro “Da ‘Revolta Cidadã’ à Utopia Brasil”, do advogado e pensador Ulisses de Azevedo Braga, membro – “in memoriam” – da Academia Imperatrizense de Letras. A obra, de 228 páginas, foi publicada há 21 anos, em 1999, pela Ética Editora, Imperatriz-MA)

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Caro Destinatário desta “Carta Urgente”:

Há pessoas que acham que sonhos vêm do sono, de um estado de letargia, e que o espaço para eles se circunscreve à mente. Não; os sonhos provêm da realidade, de uma situação de vigília, e para ela retornam, “materializados”, com as alterações/adequações, positivas ou não, a que forem submetidos pelas influências e desvios do meio.

Sonhos não são o contrário da realidade; são parte dela. Assim como o espírito dá vida ao corpo e a ele se integra, os sonhos é que animam (isto é, dão alma) à realidade e a ela se incorpora. Dois-em-um. Indivíduo – ou seja, o dois que não se divide, o DUO (dois) que é UNO (um), o par irrepartível, casal inseparável, dupla indivisível.

À Luther King, Ulisses de Azevedo Braga tem um sonho, do qual também não se separa, embora reparta com outros. (Vantagem comum a sonhos, amor e conhecimento: quanto mais se divide, mais se multiplica).

O sonho de Ulisses é pulso, pulsão, pulsação. Pulso forte, social. Pulsão consciente, cidadã. Pulsação enérgica, energética, espiritual. Pulso, não impulso; pulsão, não compulsão. Um sonho que é materialidade gráfica neste livro. E que poderia (deveria) ser realidade sociopolítica neste país.

Nesta sociedade de espinhos, ninguém poderá dizer que alguém não falou de flores. Ulisses Braga não só fala de flores: ele prepara o buquê, ele entrega a “corbeille”.

Esta “Carta Urgente” bem que merece um “AR”, o Aviso de Recebimento. Porque o que deve ser urgente, mesmo, não é a Carta, mas a resposta a ela.

Ulisses é nosso “filósofo sociopolítico” mais carnal, espiritual e social: pensa/a/dor, vivencia/a/dor e soluciona/a/dor. Este livro demonstra isso; não é um produto tão-somente de um esforço intelectual, mas de uma prática político-social, de uma angústia espiritual, um sofrimento pessoal. Não é só obra de reflexão, mas de “reflexação”, ação refletida, reflexão e reflexo da ação.

Ulisses prega, ou prevê, o fim do Poder, do Poder como está sendo exercido, onde (quando) a Pátria comunal, nacional, vira patrimônio pessoal ou, no máximo, grupal. A Pátria é o patrimônio formado pelos muitos pobres e afanado pelos poucos ricos. A Política é o veículo do Poder, pelo Poder, para o Poder, que, no porta-malas, leva assistencialismo material e escravismo mental. Junto com a comida para o estômago, com o dinheiro para o bolso, o remédio para a doença, vai a anestesia para a alma, o modelador de vontades, o anulador de opções.

Este livro traz um novo modelo de Cidade e de Estado. Sugere regras, um Credo, crenças, práticas. A Utopia não é o não lugar, é o lugar pensado e possível, feito a partir das mesmas gentes e mesmos agentes hoje (sobre)viventes.

Ulisses Braga escreve a fórmula geral, desenha a forma ideal, molda a forma final. O livro é quase um “tool book”, um livro-ferramenta: vai além do pensar e mostra os passos para a realização. O que Ulisses não pode fazer é o que cada um deve fazer, indivíduo-socialmente, sócio-individualmente: avaliar a proposta, agregar-lhe outros valores e, sobretudo, mobilizar-se rumo à prática que leve à construção solidária, cooperativa, da nova realidade política, social, econômica, jurídica, cultural e filosófica – a Democracia Participativa.

Um “novo” “ethos”, uma “nova” “práxis”, um “novo” ser; um “novo” ser, uma “nova” “pólis”, um “novo” Estado, um “novo” Cosmos. Ulisses executou um trabalho de Hércules. Fez uma obra de gênio (“gênio”, aqui, o homem excepcionalmente dotado de força criadora e criativa).

Mas – já o disseram – o mal dos gênios é que quase nunca são devidamente reconhecidos em sua época. Quantos mestres de obra, quantas obras de mestre, meu Deus, lançaram fundamentos e fundações!... O Éden, da Bíblia; Canaã, a terra santa prometida a Abraão; a República, de Platão; a Utopia, de Morus; a Cocanha, dos franceses; a Luilekkerland, dos holandeses; a Schlaraffenland, dos alemães; o reino de Panicone, dos italianos; a Terra de Dilmun, do povo mesopotâmico; a Cidade do Sol, de Campanella; a Nova Atlândida, de Bacon; o Novo Mundo Industrial e Societário, de Fourier; a terra de Eusébia e a terra dos Méropes, de Teopompo de Quios; as Ilhas Afortunadas, de Iâmbulo; a Idade de Ouro, de Virgílio, Ovídio e outros; a Ilha dos Bem-Aventurados, de Hesíodo, Luciano “et alii” ; a ilha de Bran e o Tír na n-Og, o país da juventude, dos celtas; o Walhala, dos escandinavos; a Terra Sem Mal, dos tupis-guaranis; a “yvy-nomi mbyré”, a “terra onde se esconde” dos índios nandevas; a São Saruê, dos nordestinos; a Pasárgada, de Bandeira...

São cidades dos sonhos e sonhos de cidades. Pensadas como espaço pessoal ou comunitário, onde a vida e a convivência são prazerosas, de amores e louvores, sem preocupação com trabalho, alimentação, saúde... ou planejadas com regras, para seus habitantes desfrutarem do direito à participação, à expressão, à construção coletiva do seu próprio “locus”.

A partir da experiência cidadã de uma cidade, Ulisses Braga, arquiteto do futuro, desenha uma planta para uma comunidade municipal e também para a comum unidade nacional – brasileira, no caso. Não é tarefa fácil – senão não seria trabalho para Ulisses, desde a mitologia grega um símbolo da capacidade humana de superar as adversidades.

A teoria dos “Grandes Homens”, de Thomas Carlyle, credita o progresso humano aos esforços de indivíduos excepcionais. Para ele, “a história do mundo nada mais é que a biografia dos homens notáveis”.

Ulisses de Azevedo Braga é um homem notável. Construiu uma obra cujas intenções, honestas, exequíveis, certamente merecerá a compreensão, as atenções e as ações, senão dos seus contemporâneos, ao menos dos seus pósteros.

Pois essa parece ser a sina dos seres e das obras onde há gênio. A origem grega já advertia: “gênio” significa “Ter nascido, vir a ser”.

Ulisses Braga nos oferta um belo presente.

O futuro te manda lembranças, Ulisses.

* EDMILSON SANCHES

O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro confirmou a proibição do reinício das aulas em todas as escolas do Estado. A decisão suspendeu o decreto do prefeito Marcelo Crivella que autorizava a reabertura das escolas privadas para o 4º, 5º, 8º e 9º anos.

O presidente do TJ, desembargador Claudio de Mello Tavares, indeferiu o recurso apresentado pelo município. Ele destacou que “a gravidade da situação vivenciada exige a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum”.

Estados e municípios têm competência concorrente para a adoção de medidas de combate à pandemia da covid-19, decidiu o desembargador. Segundo ele, esses devem atuar de forma articulada no movimento de retomada das atividades econômicas e sociais. De acordo com o desembargador, o município não comprovou ter atuado neste sentido, já que as aulas presenciais estão suspensas em todo o Estado.

A prefeitura informou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão que suspendeu as aulas presenciais nas escolas particulares. Segundo nota divulgada, “é papel do município atestar que os estabelecimentos têm condições sanitárias para reabrirem, caso desejem, seguindo as regras de ouro”.

Em relação aos cursos privados, a prefeitura informou que segue o plano de retomada construído pelo Comitê Científico e a Vigilância Sanitária, que liberou a retomada dos cursos e demais atividades extracurriculares na Fase 5, conforme publicado no Diário Oficial do Município do dia 31 de agosto.

(Fonte: Agência Brasil)

Em sua sexta edição, o prêmio da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) 2020 está com as inscrições abertas até sábado (15). O prêmio avalia iniciativas que contribuem para a segurança hídrica, gestão racional de recursos e soluções sustentáveis para o Brasil.

Dividido em oito categorias, o Prêmio ANA 2020 procura soluções inovadoras em diferentes áreas, de gestão pública à educação, e conta com uma categoria especial de reconhecimento de produções jornalísticas de destaque sobre o tema. Reportagens veiculadas a partir de 1º de julho de 2017 poderão concorrer. As demais áreas de premiação são: Governo, Empresas de Micro ou de Pequeno Porte, Empresas de Médio ou de Grande Porte, Educação; Pesquisa e Inovação Tecnológica, Organizações Civis, Comunicação e Entes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh).

Estudantes, professores, entidades de educação e ensino não formais, como museus, centros culturais, bibliotecas, jardins e planetários também podem participar em uma nova categoria, reorganizada em 2020, para apresentar esses projetos: a categoria Educação.

Outra novidade foi a inclusão da categoria Entes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, adicionada para valorizar as ações de órgãos gestores de recursos hídricos, conselhos de recursos hídricos, comitês de bacias hidrográficas, agências de água e entidades delegatárias das funções de agências de água.

Avaliação

A Comissão Julgadora selecionará três iniciativas finalistas e a vencedora de cada uma das oito categorias com base nos seguintes critérios de avaliação: efetividade, inovação, impacto social e ambiental, potencial de difusão, sustentabilidade e adesão social. Para a categoria Comunicação, o critério de sustentabilidade não será aplicado.

Os vencedores serão conhecidos em data e local a serem definidos. Para receber o Prêmio ANA 2020, o participante deverá comprovar estar regularizado no poder concedente, quando couber, no caso de regiões em que o sistema de regulação do uso de recursos hídricos esteja instalado.

Inscrições

As inscrições devem ser feitas apenas por meio virtual e não serão aceitos materiais em meio físico, já que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico adota uma política de papel zero.

Cada participante pode inscrever mais de uma iniciativa. Além disso, poderão ser apresentados trabalhos indicados por terceiros, desde que acompanhados de declaração assinada pelo autor, concordando com a indicação e com o regulamento da premiação. As inscrições podem ser feitas pelo “site” da premiação.

(Fonte: Agência Brasil)

A professora Mariana Gonçalves, que dá aulas de idiomas em uma escola particular de São Paulo (SP), conta que viveu meses turbulentos até se adaptar às aulas remotas, depois do início da quarentena em todo o país. Segundo ela, foi uma mudança brusca, praticamente da noite para o dia.

"Os alunos da série até tinham ‘e-book’, ‘e-mail’, mas toda a metodologia e os materiais sempre foram muito pensados para a aula presencial. Por causa disso, minha demanda de trabalho aumentou muito até a gente entrar no ritmo de organização da aula, com formato, quantidade. A gente testou muita coisa", relata. Mariana chegou a trabalhar em jornadas que começavam às 7h e terminavam perto das 22h, montando todo o cronograma do dia seguinte.

"A impressão que eu tinha até a pandemia era de trabalhar oito horar por dia. Agora, tenho a impressão que trabalho as 24 horas", desabafa Lia Rodrigues Lessa, professora bilíngue de educação infantil em uma escola privada de Mossoró (RN). A sobrecarga de trabalho é apenas a face mais visível dos problemas e desafios que os professores do ensino básico no Brasil vêm enfrentando nesse período de crise, mas há outros que nem sempre são aparentes, entre eles o abalo psicológico.

"A maioria dos professores não tinha uma experiência anterior de ensino remoto. Com isso, ficaram muito inseguros, porque, além do desafio técnico, tinha a pressão. Junto com o aluno, estavam também os pais e responsáveis acompanhando", avalia a pedagoga Virgínia Garcia, diretora de produto da International School, uma empresa que atua com programas bilíngues em mais de 340 escolas por todo o país.

"O bom professor tem essa questão de querer que o aluno aprenda, e isso não estava funcionando no começo. Às vezes, os alunos não apareciam na aula virtual. Existem alunos excelentes em sala de aula, mas que, na aula a distância, não rendem tanto. Tudo isso deixa a gente muito angustiada", afirma Mariana Gonçalves.

Uma pesquisa do Instituto Península, realizada com 7.734 professores e professoras de todo o Brasil, entre os dias 13 de abril e 14 de maio deste ano, mostrou que 83% ainda se sentem pouco ou nada preparados para o ensino remoto, e 50% indicaram que estão preocupados com a saúde mental. E não são apenas os desafios pedagógicos que abalam a categoria. Os efeitos colaterais da pandemia também mexem com a parte psicológica. "Muitos pais tiveram o orçamento fragilizado, houve muitos cancelamentos de matrícula. Daí, a gente vai dormir e acorda com essa incerteza sobre até quando a escola vai conseguir segurar o nosso emprego", diz Lia Lessa.

De olho no agravamento desse cenário, a International School passou a oferecer apoio emocional especializado para cerca de 1.600 professores e coordenadores das escolas parceiras do seu programa bilíngue, por meio da plataforma Zenklub. O benefício é mensal e dá direito a duas consultas “on-line” gratuitas, durante três meses, que começaram no último dia 6 de agosto.

"Criamos essa parceria com o Zenklub para que os professores possam ter esse apoio emocional, seja por meio de sessões com psicólogos, seja por meio de meditação ou ioga. Eles vão escolher o meio pelo qual querem ter esse apoio. A ansiedade causa impacto na motivação, e sem motivação o processo de ensino e aprendizagem não se sustenta. Tem que ser uma motivação sustentada", afirma Virgínia Garcia.

"Muitos professores não podem contar com esse suporte emocional e, agora, terão essa oportunidade. Isso é importante", afirma a professora Lia Lessa, de Mossoró (RN), que diz já ter lidado com depressão e saber a importância do apoio terapêutico.

Na pesquisa do Instituto Península com docentes, cerca de 55% deles declararam que gostariam de suporte emocional e psicológico neste momento. Por causa disso, o instituto, organização social que atua com educação, também fechou parceria com 24 Estados para oferecer apoio emocional aos professores da rede pública durante o ensino remoto na pandemia. A parceria é feita por meio do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) e promete disponibilizar, com a plataforma Vivescer , cursos certificados e gratuitos que ajudam professores e professoras a desenvolverem técnicas de equilíbrio da mente, do corpo e das emoções. Além disso, há uma comunidade de suporte na qual os docentes podem trocar experiências e material.

Retorno incerto

Por enquanto, o "novo normal" na educação é o ensino remoto. O Mapa de Retorno das Atividades Educacionais presenciais no Brasil, elaborado, diariamente, pela Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), mostra que, até essa segunda-feira (10), havia no país, apenas, dois Estados (Maranhão e Amazonas) com a reabertura das escolas autorizada. Mesmo assim, no caso do Maranhão, apenas a rede particular voltou. No caso da rede pública, cujo retorno presencial seria a partir do dia 10 de agosto, o governador Flávio Dino decidiu suspender a volta das aulas presenciais, após uma pesquisa com estudantes e responsáveis revelar que 58% das famílias e quase 43% dos alunos não consideram viável o retorno às aulas na data estipulada.

A maioria dos Estados, 17 no total, continua sem data de retorno prevista, e mais oito unidades da Federação apresentaram proposta de data de reabertura parcial das escolas. "Para ser seguro, teria que ter vacina, esse seria o melhor cenário, mas não vai acontecer agora. Mesmo com protocolos, há contato, a gente tem medo desse contato em um possível retorno, e fazer a infecção progredir", afirma Mariana Gonçalves. Com tanto tempo em outro modelo de ensino, algumas mudanças vieram para ficar. É o que diz Virgínia Garcia, da International School.

"Essa crise trouxe também uma oportunidade, que é a da educação 4.0 finalmente sair do papel e funcionar. Não acredito que vamos voltar ao modelo antigo de forma confortável. Eu acredito que o próximo passo na educação é desenvolver esse modelo híbrido para atender a diferentes formas de aprendizagem", comenta.

"A questão das famílias descobrirem novas formas de comunicação com a escola foi importante. No futuro, espero que a gente faça as reuniões de pais e filhos remotas, com maior participação", afirma Lia Lessa.

(Fonte: Agência Brasil)

Samuel de Sá Barreto (Pedreiras-MA, 8/10/1968 – Pedreiras-MA, 13/7/2020).

Na manhã de 24 de agosto de 1951, o jornal “O Combate”, de São Luís, dirigido por Nascimento Moraes e secretariado por Erasmo Dias, estampava em manchete: “Morreu o poeta Corrêa de Araújo, o último guriatã de Atenas!”

Graças a Deus, não seria o último, porque só em Pedreiras, onde nasceu Corrêa de Araújo, que mais tarde viria a ser “O Príncipe dos Poetas Maranhenses”, nessa época atravessavam a primeira infância João do Vale, Kleber Lago, Anely Guimarães Kalil, Raimundo Fontenele e Nagib Jorge Neto, como também, por lá já viviam, encantados pela magia da ‘Princesa do Mearim, os poetas José Chagas, chegado de Piancó na Paraíba, e Manuel Lopes, vindo de Dom Pedro.

I – Quis a destinação de Deus, que uma década e meia depois do falecimento do autor de “Harpa de fogo”, em Pedreiras, nascesse o poeta Samuel Barreto, que agora nos honra escrever estas breves linhas sobre seus “Versos Cinzentos”, livro em que imprime o colorido de um azul de primavera, apesar de o cinza, ou “gris poético” nele evocado, sob o olhar da poetisa e escritora Ana Néres Pessoa Lima Goes, no prefácio do livro, serem “ verídicos, brancos, rimados, em suma: Cinzentos versos. Cinzentos! Porque das cinzas é o mais belo e lúdico renascimento, como nos encena a Fênix! Cinzentos para poderem renascer à luz de cada olhar lançado sobre eles, de cada compreensão leitora, dos desejos dos quais cada alma necessita.

Na contracapa do livro, Samuel Barreto evoca sua “Primeira canção de saudade” [in “Cadernos de Passagem”, EDUFMA,2013]. Deixamo-lo contar ou cantar: “Fui refazendo alguns passos da minha distante infância e senti minhas pequenas mãos roçarem em uma espinhenta e carinhosa barba ainda por fazer, enquanto minha Mãe preparava o café para todos, e não éramos poucos, além da gente, a casa sempre abrigava mais, e é assim a vida inteira... Tive a sensação de ouvir aquela melodiosa voz cantando uma das muitas canções que ele sempre entoava, mostrando-nos um caminho para o bom gosto genuinamente brasileiro. Voltei para o espelho que continuava ali como se me esperasse, e entre lágrimas vi o rosto de meu Pai refletido no meu”.

Abro, aleatoriamente, os originais e me deparo com Zeus ou Baco, o mesmo deus do vinho que reina no Olimpo; o primeiro romano e o outro grego; o certo que o poeta lhe faz esta homenagem em “Benditos olhos”: “Benditos os olhos de Zeus / que no Olimpo tem nome, / rezando pelos ateus / nessas vielas da fome”. [...] “Nessas vielas da fome / já ouço o nome de Deus, / alguém gritou seu nome, / querendo pão para os seus”. [...] “Um pão de pouca migalha / que pela boca se some / a dor no peito se espalha / daquele que nunca come”. Para finalizar: “A morte que nunca falha / pelo vazio um pronome /a dor do fogo de palha / Com a crua cara da fome”.

Pouco adiante, Samuel Barreto maneja a forma fixa com maestria, e a sentimentalizar as quatorze linhas clássicas entrecruzadas, ele nos revela nesta “Colheita” a pujança do soneto: “Todo silêncio está exposto na palavra / cala o mundo, se contemplo o horizonte, / rabisco frases na colheita dessa lavra, / mato a sede, sem beber água da fonte. / Calo meu calo com a força dessa pena / danço o baile quando vem o anoitecer, / minguada hora, é a dor que me condena, / espero um tempo; é um novo fenecer! / Nada importa esse fogo sem caminho / vivo o jogo, equilibro o som do pinho / na calmaria grito a minha explosão. / Eu sou gota na grandeza do teu mar / Desenho a vida aveludo um navegar / amo sozinho sem saber se é em vão”.

Adiante, em “Telhados”, em vez de goteiras ou limos, encontro estas belas imagens, enquanto um gato se alonga: “Gosto das horas / mortas do silêncio da noite, / parece que o vento conversa pelas ruas... / Ao longe, ouço um choro de criança, / e um vigia cochila ao som do seu rádio de pilha. / E os gatos silenciam nos telhados...” E Samuel Barreto arremata: “Não olhei para lua, sinto só a poesia do seu brilho, / nunca quis ser o Sol, prefiro as cinzas da solidão, / carrego comigo a estranha sensação das palavras / que nunca se cansam de bailar dentro de mim / quisera saber o canto de amor dos telhados!”

Samuel Barreto, apesar de jovem, é um poeta maduro, inteiro, que extrai de sua fina sensibilidade a essência imagística e a coloca nas palavras, manuseando-as em galopes bem aprumados. Sintamo-lo nesta “A voz do silêncio”: “O silêncio que se deita nas paragens do proibido / parece delatar minha vontade de ficar mudo. / Não engano as minhas sinceras volúpias, apenas tento / contê-las para não ter que afastar de mim o que quero / e que nem mesmo sabe dos meus profundos desejos. / (coisas de um poeta que sonha com a musa de versos).

Calíope e Euterpe, deusas da poesia e da eloquência, acalantam-no por derradeiro, e o poeta lhes pede o sonho: “Às vezes uma frase dita antes do tempo, pode soar igual / a uma simples conquista desses vulneráveis caçadores, / só que lhe garanto que em mim não habita tal sentimento, / conheço as tangentes do meu universo de emoções. / E posso afirmar que tudo agora é novo, embora no infindo Silêncio da palavra que teima em emudecer”.

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II – Deixemos um pouco a poesia e o poeta Samuel Barreto, que todos nós conhecemos, e passemos para o homem Samuel de Sá Barreto, esse filho ilustre de Pedreiras, nascido na outra margem do Mearim, hoje Trizidela do Vale, em 8 de outubro de 1968, filho de João de Sá Barreto e de Ceci Ana de Jesus, que estudou no Colégio Santo Antônio de Pádua e que se graduou em Licenciatura Plena em Letras pela Faculdade de Educação São Francisco (Faesf) e pós-graduado em Letras pela Faculdade Latino-Americana de Educação (Flated), e que cursou História na Uema [Programa Darcy Ribeiro] e que era professor universitário.

Samuel, esse nosso profeta da poesia e da generosidade, foi envolvido desde cedo em atividades culturais relacionadas à literatura e à arte, produzindo um considerável trabalho em prosa e verso, onde também se incluem letras para músicas, recebendo diversos prêmios em festivais e outros eventos. Sua estreia foi em 1997, com o livro “SOS Libertação”.

Em Pedreiras, venceu a XXI Poemara – Festival Maranhense de Poesia, com o poema “Águas Barrentas”; em 2007, venceu o Plano Editorial Gonçalves Dias, categoria Crônicas, da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, com o livro “A Rua da Golada e Sua Identidade”, em 2009.

Participou de todas as Antologias e Coletâneas Poéticas de Pedreiras, além de publicar em jornais e revistas; publicou pela Laborarte, de 2007 a 2011, “O Testamento de Judas”, em parceria com Nelson Brito, Zeca Tocantins, Imira Brito e Edvaldo Santos. Teve publicado cinco poemas na Antologia “Mil Poemas para Gonçalves Dias”, lançada em São Luis, pelo IHGM.

Em Pedreiras, lançou o 1º Cordel Beneficente da Região, com o poema “A Peleja de Luis Bico de Agulha com o Guaxinin Cagão”, de parceria com Edvaldo Santos.

Publicou, em 2013, o livro de poesias “Caderno de Passagem” pela EDUFMA e, em 2014, venceu o Edital II de Literatura da Fundação Amparo à Pesquisa (Fapema) com estes “Versos Cinzentos”.

O poeta, cronista, compositor e produtor musical Samuel Barreto foi integrante do projeto cultural “Da Golada Pro Brasil”; membro fundador da Associação dos Escritores e Poetas de Pedreiras (Apoesp); membro fundador da Academia Pedreirense de Letras (APL), onde ocupou a Cadeira nº 8, patroneada por Corrêa de Araújo. Figura entre os pedreirenses condecorados com a Comenda Corrêa de Araújo – honraria que é concedida pela Câmara Municipal de Pedreiras àqueles que tenham, relevantes serviços à educação e à cultura do município.

***

E Samuel Barreto, falecido em 13 de julho de 2020, em sua cidade natal, não sei se premunindo sua passagem meteórica entre nós, deixou, em “Versos Cinzentos”, este canto “Até breve”, como se despedindo: “Despedida deixa-me um vazio sem fim, / no duelo das palavras, cala-se de seca a língua, / o brilho da Lua parece sangrar de solidão... / Junto as cinzas da saudade e choro imensamente, tudo ficou turvo nas últimas linhas escritas”. [...] “Estou indo por aí e não vou pensar na volta, / pois volta e meia sinto-me partido ao meio, / prefiro imaginar a felicidade por onde passo, / apresso o passo indo cada vez mais longe, / para quem sabe, não sonhar com o regresso...”

E nós todos respondemos-lhe acenando os lenços: Adeus, Poeta!

* Fernando Braga in “Apontamentos para o livro ‘Versos Cinzentos’ do escritor e poeta Samuel Barreto, 2015, com modificações naturais, em virtude do falecimento do poeta; originais in “Conversas Vadias” [toda prosa], antologia de textos do autor.

GONÇALVES DIAS E EU

(Registros públicos de lembranças particulares)

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“Conto as coisas como foram, Não como deviam ser”.
(GONÇALVES DIAS, "Sextilhas")

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DIA DE GONÇALVES DIAS – Há 197 anos, em 10 de agosto de 1823, nascia, em Caxias (MA), o escritor, advogado, poeta, etnógrafo, tupinólogo, dramaturgo Antônio Gonçalves Dias, que escreveu aqueles versos que praticamente todo brasileiro, de agora e de outrora, conhece:

“Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá”.

Sou da mesma cidade (Caxias, Maranhão) e nela morei na mesma rua daquele ilustre brasileiro. Mais: o primeiro livro que li – “História do Imperador Carlos Magno e os Doze Pares de França” – também foi o primeiro livro lido por Gonçalves Dias na sua infância.

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Hotel Serra Azul, em Gramado, Rio Grande do Sul, década de 1980.

Náutico Clube, Fortaleza, Ceará, início dos anos 1990.

Colégio Rio Branco, Bairro Higienópolis, São Paulo.

Auditório Petrônio Portela, Senado Federal, Brasília.

Montes Claros e Belo Horizonte, Minas Gerais.

Mossoró e Baraúnas, Rio Grande do Norte.

Campina Grande, Paraíba. Arapiraca, Alagoas. Parauapebas, Pará.

Rio de Janeiro, Maceió, Recife, Curitiba...

Onde quer que eu esteja, em 19 Estados brasileiros e na Europa e Estados Unidos, Caxias é presença e referência permanente. Caxias e, claro, seu maior poeta e sua melhor rima – Gonçalves Dias.

Caxias, terra e rima de Gonçalves Dias.

Qualquer que seja o espaço, qualquer que seja o tempo, a mesma constatação: Gonçalves Dias vive.

Em todos os lugares acima, e muitos outros mais, em momentos internacionais,

em conferências nacionais,

em encontros regionais,

em palestras locais,

em discursos ocasionais,

em eventos formais,

em “provocações” casuais

ou em bate-papos triviais,

dou um jeito de fazer um “teste”: crio um pretexto dentro do contexto e digo, falsamente desafiador, o primeiro verso da “Canção do Exílio” (“Minha terra tem palmeiras”)... somente para, logo em seguida, perceber/receber os sorrisos cúmplices da plateia de ouvintes não maranhenses, o que denuncia que todos estavam continuando mentalmente – quando não recitando audivelmente – o verso seguinte: “Onde canta o sabiá”.

Daí em diante, fica fácil puxar ou esticar conversa acerca de literatura, de Cultura, dos “verdadeiros valores” da pessoa e das comunidades humanas. Dizer da permanência do que tem valor e da finitude do que tem preço. Preço, dá-se a coisas. Valor, dá-se a pessoas.

Os versos gonçalvinos entram como exemplo de um “valor” que se sobrepõe a muitas “coisas”. Embora a fragilidade do papel, os versos foram mais resistentes que as grandes construções de pedra e cimento, como as fábricas de tecido. Estas, aparência; aqueles, essência – e por aí podem ir as obviedades, quase platitudes.

Escritos em julho de 1843, quando Gonçalves Dias ainda não completara 20 anos, os versos da “Canção do Exílio” atravessam gerações e se depositam e se (re)transmitem quase como que por hereditariedade. Parece não mais ser essa fixação resultado da leitura, mas produto de um código genético, uma informação cromossômica que se repassa no intercurso sexual e se vai instalando na mente de cada novo ser.

Seja em gente da antiga, seja no jovem de hoje, a poesia cometida em Coimbra está inscrita na memória das várias gerações de brasileiros dos últimos 176 anos. Embora, ressalve-se, em grande número de vezes, nunca esteja o poema inteiro, de 24 versos, 5 estrofes, 113 palavras, 487 letras.

Mas aqueles dois primeiros versos, quando não toda a primeira estrofe, não há negar: está na cabeça, melhor, está na alma do brasileiro.

Caxias continua a nos relembrar, a nós conterrâneos e contemporâneos, a importância de ser a cidade onde, mais que um poeta, nasceu uma expressão de maranhensidade e de brasilidade.

Muito da obra de Gonçalves Dias mostra de peito aberto o amor, o orgulho, o sentimento de pertença ("ownership") que o poeta tinha e desenvolvia pela sua própria terra.

Quantos, hoje, manifestamente, denunciam assim orgulhosa e escancaradamente essa emoção telúrica, essa querença pátria?

Fora a conterraneidade, tenho outras “aproximações”, bem particulares, com Gonçalves Dias. Uma delas, o primeiro livro que um e outro lemos: “História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França”. Gonçalves Dias o leu aos dez anos, em 1833, aos 10 anos de idade, enquanto ajudava na casa comercial paterna, ali na Rua do Cisco (depois Rua Benedito Leite, atualmente Rua Fauze Simão), para onde seus pais, João Manuel e Vicência Ferreira, haviam se mudado, oito anos antes (1825).

De minha parte, aos cinco, seis anos de idade já havia “ouvido” e lido a "História de Carlos Magno e os Doze Pares de França", ali na Rua da Palmeirinha – onde as casas tinham, como fundo de quintal, o Rio Itapecuru.

Explico o porquê do “ouvido” o livro. No mesmo lado da Rua da Palmeirinha onde eu morava, algumas casas adiante da minha, morava o casal “seu” Miguel e dona Corina, e um ajudante deles, Seu João, homem forte, que aqui e acolá carregava seu Miguel, que era paraplégico.

Dona Corina, naqueles idos, vivia de lavar e passar roupa. Sustentava a casa. “Seu” Miguel, paraplégico, ficava como que sentado em uma rede, um pano cobrindo as pernas macérrimas pendentes, e lia, lia muito. Usava um cachimbo, cujas baforadas recendiam em toda a casa. Más línguas diziam que era diamba, tirada de algumas mudas que, diziam, eram bem cuidadas no seu quintal, para a produção das endiabradas folhas e sua transformação em trescalante fumo.

Acostumei-me a visitar o “seu” Miguel. Ele gostava da minha atenção; eu gostava das suas histórias. Ouvia a leitura de capítulos e capítulos e, às vezes, o resumo de “romances” – que era o nome que também se dava aos folhetos de literatura de cordel.

Um dia, "seu" Miguel me emprestou um livro que eu já “ouvira”. Era a história do imperador Carlos Magno. Na obra, além do magno imperador, estavam Roldão, Oliveiros, Ferrabraz e tantos personagens mais... Lembro que eu li todo o livro e que pedi explicações sobre o motivo da morte e posterior “reaparecimento” de alguns personagens após a “parte” da morte. Claro que eu estranhava aquela minha primeira leitura “séria”: naquela idade, os textos a que estava acostumado eram os de cartilhas escolares, bastante fáceis para mim, demasiado, por assim dizer, lineares, sem recursos nem estilos mais elaborados.

Em Caxias, da Rua da Palmeirinha mudei-me para a Rua da Galiana (coincidentemente, mesmo nome da mulher do imperador Carlos Magno). Tempos depois, nasceu um irmão meu... e chama-se Carlos Magno (depois veio Julio Cesar Sanches, outro irmão “imperador” na família). Décadas mais tarde, consegui, em um sebo do Rio de Janeiro, um exemplar igual ao que me fora emprestado pelo “seu” Miguel: capa em tecido e sem o nome do autor (Vasco de Lobeira). Reli os dez capítulos da obra e revi(vi)-me criança. (Uma curiosidade: Meu irmão Carlos Magno, depois que aprendeu a ler e escrever, não se fez de rogado: pegou o raro e caro livro, empunhou uma esferográfica e, nas folhas de rosto, onde houvesse o nome do imperador, um sobrenome – “Sanches” – foi acrescentado...).

Outra “aproximação” com o autor d’“Os Timbiras”: Mudei-me para a Rua do Cisco, número 1.000, próximo à “casa onde morou o poeta Gonçalves Dias” (era assim que registrava uma placa acobreada e quase despercebida). Eu estava aí por volta dos 15 anos e, diariamente, subia e descia quase toda a extensão da rua, para trabalhar no Banco do Brasil, menor estagiário. Invariavelmente, passava pela casa. Ali mora(va) a família de dona Labibe e do seu Fauze Elouf Simão, que foi vereador e presidente da Câmara Municipal. Um dos filhos, Jamil Gedeon, hoje desembargador em São Luís, e eu fomos colega de turma em todo o 2º grau (ensino médio), no Colégio São José, o “colégio das Irmãs” (missionárias capuchinhas). Ali fui presidente do Grêmio Santa Joana d’Arc durante três anos (Roldão – Roldão Ribeiro Barbosa –, coincidentemente nome de personagem do livro sobre Carlos Magno, ganhara a presidência no primeiro ano e renunciara meses depois; eu assumi, como o segundo mais votado). O ex-secretário de Cultura Renato Meneses (e novamente presidente da Academia Caxiense de Letras) e o ex-presidente da Fundação Vítor Gonçalves Neto, Jorge Bastiani, também estudavam ali, nós todos sob o tacão da querida Irmã Clemens (Maria Gemma de Jesus Carvalho).

Pois foi o colega secundarista Jamil quem me disse, ainda no colégio, que encontrara “moedas e papéis” antigos em alguns pontos da casa de Gonçalves Dias.

Mas as referências à casa da Rua do Cisco não terminam aí. Dona Labibe, mãe do Jamil, foi secretária de Educação de Caxias, na administração de José Ferreira de Castro. Ali pelos bares do Artur Cunha e do Herval, no Largo de São Benedito, contava-se a história de que a secretária Labibe, pretendendo morar numa casa melhor e não querendo derrubar a “casa onde morou o poeta”, se esforçou junto ao seu superior, instando para que ele, como prefeito, adquirisse a casa e a tombasse como patrimônio histórico. Conta-se que a resposta do prefeito foi pouco cavalheiresca e fazia comparação entre comprar a casa onde Gonçalves Dias “morou” e tombar o riacho do Ponte, onde ele, o poeta, lavava as partes, digamos, pudendas.

Pode não ser verdade o fato, mas era verdadeiro o boato – e, pelo menos este, se cuida de preservar aqui. Resumo da ópera: a casa de Gonçalves Dias foi destruída e, no seu lugar, ergueu-se uma residência de feições modernas, “combinando” com o prédio da outra esquina, que abrigava as instalações de uma companhia de telecomunicações.

No mesmo ano da derrubada da casa, como réquiem à memória de Gonçalves Dias, escarafunchei o arquivo do fotógrafo Sinésio Santos (falecido), que ficava ali próximo ao Banco do Brasil, e consegui localizar negativos da residência. Pedi que fossem feitas cópias daquelas e de outras “vistas” de Caxias. Separei uma foto da ex-morada de Gonçalves Dias e a enviei, junto com um breve texto, para a Rede Globo de Televisão (Rio de Janeiro). Foi menos por denúncia e mais por sentimento de perda. Disseram-me que saiu um rápido registro no jornal do meio-dia ("Jornal Hoje"). Não confirmei.

Gonçalves Dias, sabemos, morreria com 41 anos, no dia 3 de novembro de 1864, afogado nas águas marítimas da baía próxima do município de Guimarães (MA), após o naufrágio do "Ville de Boulogne", o navio que trazia o caxiense, muito doente, de volta à sua terra.

Deus havia atendido o Poeta, que, na "Canção do Exílio", suplicara, 21 anos antes, em julho de 1843, que não morresse sem que visse de novo sua terra.

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Estas anotações, com algo de confessional, são uma episódica e epidérmica contribuição ao trabalho dos caxienses de todas as idades que teimam cuidar do que Gonçalves Dias merece (memória) na cidade que há 197 anos o viu nascer (História).

Parabéns, Caxias! Viva Gonçalves Dias!

* EDMILSON SANCHES

Fotos:
1) O poeta Gonçalves Dias (pintura).
2) Casa de sobrado onde morou o escritor, em Caxias, e, na esquina, a mercearia do seu pai.
3) A mesma casa, sem o sobrado, pouco antes de ser demolida.
4) Baixio dos Atins, região no município de Guimarães (MA), em cujo litoral Gonçalves Dias faleceu, como única vítima, por afogamento, do navio "Ville de Boulogne" (Cidade de Bolonha) em 3/11/1864.
5, 6 e 7) A Praça Gonçalves Dias, no Centro de Caxias, dia e noite, com a estátua do poeta.
8, 9 e 10) Edmilson Sanches, com outros estudiosos, em visita a Guimarães. Veem-se o escritor, pesquisador e engenheiro Raimundo Nonato Medeiros da Silva, ex-presidente da Academia Caxiense de Letras (falecido em 31/8/2019); a psicóloga, professora e escritora Dilercy Aragão Adler, presidente da Sociedade de Cultura Latina do Brasil; e o professor e escritor Weberson Grizoste, que fez mestrado e doutorado sobre Gonçalves Dias em Coimbra (Portugal), mesma universidade onde o poeta caxiense estudou e se formou em Direito.

Astrônomos da Nasa conseguiram detectar o ozônio da atmosfera terrestre a partir do reflexo da luz solar na Lua, durante o último eclipse lunar. A presença do ozônio é um indicativo da existência de vida em planetas, uma vez que, além de ser subproduto do oxigênio, o gás serve de escudo protetor para a atmosfera.

A constatação foi possível com a ajuda do telescópio Hubble, da Nasa (a agência espacial norte-americana), após ser posicionado entre os dois corpos celestes e fazer da Lua uma espécie de espelho para refletir a luz solar que havia passado pela atmosfera da Terra.

Na Terra, a fotossíntese, ao longo de bilhões de anos, é responsável pelos altos níveis de oxigênio e espessa camada de ozônio do nosso planeta. Essa é uma das razões pelas quais os cientistas pensam que o ozônio ou o oxigênio pode ser um sinal de vida em outros planetas. "Encontrar o ozônio é significativo porque é um subproduto fotoquímico do oxigênio molecular, que é um subproduto da vida", explicou o pesquisador principal das observações do Hubble, Allison Youngblood – do Laboratório de Física Atmosférica e Espacial em Boulder, Colorado (EUA).

Com a técnica utilizada, é possível identificar os componentes de uma atmosfera, quando ela “filtra” a luz solar que a atravessa. Com os novos telescópios que estão sendo construídos, maiores e com tecnologias ainda mais avançadas do que as utilizadas no Hubble, será possível identificar essas substâncias na atmosfera de exoplanetas (planetas ao redor de outras estrelas).

“Até agora, os astrônomos têm usado o Hubble para observar a atmosfera de planetas gigantes gasosos e superterras [planetas com várias vezes a massa da Terra] que transitam por suas estrelas. Mas os planetas do tamanho da Terra são objetos muito menores, e suas atmosferas são mais finas. Portanto, extrair essas assinaturas de exoplanetas do tamanho da Terra será muito mais difícil”, informou a Nasa.

Assim sendo, os pesquisadores precisarão de telescópios espaciais muito maiores do que o Hubble para coletar a fraca luz das estrelas que passa pela atmosfera desses pequenos planetas, quando passarem em frente ao sol de seu sistema.

Youngblood acrescenta que encontrar ozônio nos céus de um planeta extrassolar não garante que exista vida na superfície. "Você precisaria de outras assinaturas espectrais além do ozônio para concluir que havia vida no planeta”, acrescentou.

De acordo com a Nasa, a variabilidade sazonal na assinatura do ozônio pode indicar a produção biológica sazonal de oxigênio, assim como faz com as estações de crescimento das plantas na Terra. Mas o ozônio também pode ser produzido sem a presença de vida quando o nitrogênio e o oxigênio são expostos à luz solar.

Para aumentar a confiança de que uma bioassinatura é realmente produzida pela vida, os astrônomos devem pesquisar combinações com outras bioassinaturas. "Os astrônomos também terão que levar em consideração o estágio de desenvolvimento do planeta ao olhar para estrelas mais jovens com planetas jovens. Se você quisesse detectar oxigênio ou ozônio de um planeta semelhante ao da Terra primitiva, quando havia menos oxigênio em nossa atmosfera, as características espectrais da luz óptica e infravermelha não são fortes o suficiente”, acrescenta Giada Arney, do Goddard Space Flight Center da Nasa em Greenbelt, Maryland (EUA).

(Fonte: Agência Brasil)

Alfredo de Assis Castro, na capa do livro “Coisas da Vida”, de 1916, reeditado, em 2008, pela Academia Maranhense de Letras, para a coleção “Publicações do Centenário”

Melhor título não haveria de dá-se a esta historieta do que “Coisas da vida”, nomeado em um livro de contos do filólogo Alfredo de Assis Castro, onde se ajusta perfeitamente verossímil às palavras do genial Camilo Castelo Branco, o sofrido “bruxo de São Miguel de Seide”, para quem “tudo que é possível tem acontecido, visto que a fantasia não pode ser mais inventiva que a natureza”.

Não existia discagem direta a distância [DDD] e a comunicação era por cartas, onde se exercitava o gênero literário da epístola; e, assim, eu me correspondia com os meus ilustres conterrâneos Josué Montello, Odylo Costa, filho, Manoel Caetano Bandeira de Melo, Astolfo Serra, Franklin de Oliveira, Félix Aires e, sobretudo, com o professor e desembargador Alfredo de Assis Castro, cofundador da Academia Maranhense de Letras e um dos integrantes dos “Novos Atenienses”, depoimento “plutarqueano” onde o senso crítico de Antônio Lôbo analisa o renascimento da cultura e da literatura maranhense, nos albores do século XX. Sobre o que me cabe contar, não poderia, de forma alguma, deixar “passar batido”, porque este fato encerra um acontecimento pitoresco, a desembocar numa confusão de identidade, com surpresas e decepções, quem sabe. Pois bem, um belo dia, bateram palmas no corredor da nossa casa na Rua do Passeio, em São Luís; atendi; à porta, estava um senhor elegantemente vestido que, ao cumprimentar-me, foi logo dizendo: “Gostaria de falar com o Dr. Fernando Braga”; ri, e respondi-lhe que Fernando era eu, e que o doutor ficaria por conta dele, tempo em que o convidava para entrar, o que ele não aceitou, alegando pressa, e, tatibitate nas entrelinhas, insistiu: “Bem sei, bem se vê; estou à procura de seu pai”; retruquei dizendo-lhe que meu pai se chamava Ernani e àquela hora estava em seu trabalho; o homem voltou à carga: “Então, é seu avô!” Tive de explicar-lhe que meu avô se chamava Pedro e já era falecido há anos; o homem mediu-me de cima a baixo, talvez a analisar a minha pouca credibilidade na casa dos vinte anos, e arriscou com ares de pouca-fé e disfarçado desdém: “Então, é você o amigo do desembargador Alfredo de Assis Castro?” Foi aí que me clareou ser aquele senhor um emissário do desembargador, em virtude de este ter-me dito por carta que iria aproveitar um portador para entregar-me em mãos seu último livro. Com este trunfo, de pronto o corrigi, sorrindo: “Amigo não, amicíssimo!”... E continuei: “Temos uma amizade afetiva e literária altamente benfazeja, naturalmente para mim, que absorvo as lições do mestre Assis, um iluminado a serviço das letras e da justiça aqui de nossa terra, além do condão de afinidade que nos une, vez que ele é companheiro de geração de meu avô, e padrinho de um dos meus tios; e mais, conversamos muito sobre amenidades, creio que, talvez por isso, o desembargador me tenha em sua lista de benquerenças, o que, para mim, é uma grande honra”; juro que ouvi o homem, depois de uma pausada respiração, se autoconfessar: “Não, não é possível!” E continuei: “O Senhor é um portador que, por certo, está chegando do Rio de Janeiro, e esse pacote que o Senhor traz consigo é o livro ‘Pó e Sombra’ que o mestre está a enviar-me”. O homem empalideceu; e continuei: “Ele me disse por carta que iria mandar meu exemplar por gentileza de um amigo que viria a São Luís... Pode abrir o pacote, por favor, e confirmar?” O homem trêmulo aquiesceu meu pedido, abriu o pacote e lá estava o livro “Pó e Sombra”, de capa azul, a mim dedicado, com o natural exagero de afetividade do mestre:

“Ao jovem, meu amigo e verdadeiro poeta, Fernando Braga, com a estima e a admiração do seu coestaduano, Alfredo de Assis Castro, Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1970”.

Juro que o homem completamente basbaque com aquela situação, sem mais nada a dizer, desejou suas boas-tardes e saiu a pé, subindo a Rua do Passeio, pela calçada do antigo “Campo do Luso”; eu também, ao pé da porta, acompanhava-o sem perder de vista. O homem dava três passos para frente e olhava para trás; devia ir dizendo com seus botões: “Esse rapaz não pode ser amigo do desembargador, como disse; ou ele é um tremendo “parlapatão, um enganador, sei lá...” “Meu Deus, pode ser também que o mestre Assis já esteja caducando! De qualquer maneira, seja o que Deus quiser!” E sumiu nas sombras das velhas amendoeiras que margeavam o passeio.

Sustenta o escritor português Fialho de Almeida, que, em vez de seguir os seus condiscípulos nos rumos das faculdades, cometeu a grande tolice de se enamorar da literatura. Confesso que também trilhei esse mesmo caminho muito cedo, mas generosamente, amorosamente, como se ela fosse uma cúmplice, u’a amante, sem o amargor com que afirma o autor luso, talvez levado pelas muitas decepções que esse ramo da arte se nos impõe sem piedade. O meio tem a necessária sensibilidade para explicar-se e, às vezes, com razão, onde apenas o tempo, e só ele, se presta para determinar as circunstâncias, que, de algum modo, poderia ter sido e não foi, como naquele verso antológico de Manuel Bandeira...

* Fernando Braga, in “Conversas Vadias” [Toda prosa], antologia de textos do autor.

A mostra Ecofalante, focada em filmes com temas socioambientais, chega à 9ª edição com 98 filmes produzidos em 24 países. As sessões neste ano serão “on-line” e ocorrem do dia 12 de agosto a 20 de setembro. O diretor do festival, Chico Guariba, disse que tentou enxergar as dificuldades impostas pela pandemia de coronavírus como uma possibilidade para chegar a novos públicos. “Encarar isso como uma oportunidade e fazer uma grande mostra digital. Vamos fazer um trabalho para atingir o Brasil inteiro, ampliar o público da mostra que só tinha acesso em São Paulo e nas itinerância”, comenta.

Como assistir

A crise, no entanto, trouxe outras dificuldades. Guariba conta que a mostra perdeu 40% do financiamento que tinha até o início do ano. “A gente perdeu uma parte dos recursos públicos, que foram para hospitais”, conta. Mesmo assim, o festival se reorganizou e estará disponível em três plataformas, além da própria página da mostra (ecofalante.org.br), a programação poderá ser vista gratuitamente no Videocamp e na SP Cine Play.

Os filmes ficam disponíveis por períodos que variam de 24 horas a 10 dias, por isso, é preciso que o público se programe para aproveitar a mostra. Além das exibições, poderão ser vistas entrevistas com 10 diretores de peso internacional e serão promovidos, ao menos, 40 debates em universidades.

Trabalho e moradia

Entre os temas que têm força nas produções deste ano estão as questões ligadas ao trabalho e à moradia. “A nossa relação com o meio ambiente é através do trabalho. Você fica trancado em um ambiente por causa do trabalho. Metade da sua vida você passa trabalhando. É uma relação ambiental com a sua vida, o dia a dia, o grande ‘link’ junto com moradia com a sociedade”, explica Guariba sobre como essas relações chegam às telas.

A mostra latino-americana traz oito filmes, em três as narrativas passam por questões ligadas ao trabalho. Em, “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”, dirigido por Marcelo Gomes, é retratada a cidade pernambucana de Toritama. Um pequeno município do interior onde todas as famílias se tornaram pequenas empresas que costuram calças jeans para grandes marcas. Classificados como empreendedores, não têm direitos trabalhistas, e trabalham dia e noite, aguardando, ansiosamente, o Carnaval, praticamente único momento de lazer da comunidade.

No panorama internacional, a produção sueca “Push: Ordem de Despejo” se aprofunda nas repercussões causadas pela transformação do mercado de moradia em uma forma de lucro por grandes investidores. Dirigido por Fredrik Gertten, o filme acompanha o trabalho da relatora especial da Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Moradia, Leilani Farha. “Um filme que trata da financeirização do mercado imobiliário. É meio ambiente porque está mudando o perfil de zoneamento e ocupação das cidades, as pessoas têm mais dificuldade para ter moradia”, enfatiza Guariba.

Histórias da floresta

A Amazônia aparece em dois longas-metragens. Em “Amazônia Sociedade Anônima”, o diretor brasileiro Estêvão Ciavatta mostra a liderança do cacique Juarez Saw Munduruku, que une povos ribeirinhos e indígenas no combate às máfias de roubo de terra e desmatamento ilegal. O colombiano “Suspensão”, de Simón Uribe, traz histórias ao redor de uma prepotente obra inacabada no meio da selva.

Edição: Nélio de Andrade

Pelas informações oficiais do Ministério da Saúde, às 18h50 de 7 (e não 8) de agosto de 2020, sexta-feira, a quantidade de pessoas mortas pela covid-19 no Brasil chegou a 100.477.

Nesse mesmo dia e hora também se registravam 2.094.293 pessoas curadas/recuperadas e 817.642 em acompanhamento, totalizando, com os óbitos, 3.012.412 casos oficiais, acumulados, de pessoas que, no Brasil, foram ou ainda estão infectadas.

O país, portanto, atingiu e superou o número 100.000, um desses da “família” de “números redondos” que atrai os sentidos e (im)pressiona a sensibilidade humana.

Em seu tempo, e relacionado também às mortes pela covid-19, outros números tiveram seu instante de adoção pelos meios de comunicação e outras formas de comunicar: já houve o tempo dos 1.000, dos 5.000, dos 10.000, dos 50.000 mortos e de diversos outros conjuntos de algarismos com uma cauda de zeros cuja chegada ou atingimento exerce certo ar expectante da Imprensa.

Mas se cada vida (ou cada morte) interessa e ela não é apenas um número ou estatística, repitamos que não são cem mil as pessoas que morreram da covid-19. São os cem mil e mais 477 vidas (ou 240, em outra contagem).

O fato de eu e você que me lê estarmos vivos às vezes provoca a ilusão de que somos eternos. Mas não, não somos: somos apenas saudáveis enfermos. Morituros. Os que (ainda) vão morrer. De covid-19 ou de outra maneira morreremos. Mas, já disse, estar vivo e em paz parece querer comunicar-nos que a morte só acontece com os outros.

Daqui a pouco a “magia” dos 100.000 (mais 477) passará e se acompanhará a contagem progressiva para o próximo número “midiático”. A covid-19 é preocupante e rápida subiu ao posto de terceira doença que mais mata no país, além de estar matando muito em todo o mundo, Brasil afora. Tão novidadeira a covid é que, mesmo sendo uma jovem moléstia, “desbancou”, em termos de frequência midiática e em nossas (pre)ocupações, as doenças que mais matam em no Brasil, aquelas ligadas a problemas no coração e no cérebro. A estas doenças, campeãs há anos e anos, mesmo sendo as males a ocuparem o lugar mais alto no “podium” das enfermidades matadoras, não se lhes direciona semelhante destaque, como o dado à “praga” covideana. De tão frequente, de tão comum que se tornou morrer de complicações cardíacas e cerebrais que estas mortes se tornaram sensabores, “desinteressantes”. E como os meios de comunicação parecem mesmo preferir, para destaque, uma desgraça mortal nova do que as velhas mazelas igualmente mortíferas, aí está a covid-19 em seu momento de glória... Glória e horror...

Enquanto isso, no Brasil e no mundo, como brasileiros ou terráqueos, vamos repetindo a dor da nossa desumanidade, de não sermos unidos e solidários, resilientes e colaborativos na redução ou extinção dos males tantos que nos afligem tanto – inclusive os que, bem antes do novo coronavírus, continuam provocando verdadeiras extinções, genocídios, ou preparando suas vítimas para esse fim, como os mais de oitocentos milhões que passam fome e, de fome, a cada quatro segundos um morre, alguém que já é só pele e osso e um olhar de perdida esperança.

A dor da fome é fome ou é, só, dor? Será que sentem fome os que morrem de fome? Ou sentem, tão só, dor e um embotamento mental que lhe reduz ou elimina a capacidade de sentir, a sensação de ser, a consciência de existir?

Repita-se: a cada quatro segundos alguém morre de fome no mundo. E no período de um mísero e repetitivo dia de 86.400 segundos morrem, pelo menos, 21.600 pessoas (entre as quais 8.500 crianças), todas tão merecedoras de vida em abundância quanto você e eu. Mas quem está contando quatro segundos e dizendo “Meu Deus! Mais um morto de fome!”. Nós prestamos tanta atenção a isso quanto nos incomodamos quando, ao andar, nossos calçados e pés e veículos esmagam e matam formiguinhas e outras vidinhas vivas abaixo de nós...

É de doer saber que, ao digitar as próximas palavras, e as anteriores também, em um curto espaço de quatro segundos, um ser humano, meu irmão, simplesmente deixa de ser gente para ser um corpo. Morto. Um par de olhos que – pelo menos neste mundo – nunca mais verá a beleza e a feiura da vida. Mãos que nunca mais sentirão a aspereza da casca da árvore e a maciez das pétalas da flor. Narinas que não mais inspirarão o ar nem sentirão o cheiro de amor na pessoa amada...

Deixar de existir é a certeza da vida, mas é incompreensível deixar de existir pelo voluntarismo ou consequencialismo sem vergonha, criminoso, das ações, omissões e inações de outrem. E assim, ante a não tomada de providências com previdência, vai-se indo, vamo-nos morrendo de fome, de doenças, de desumanidade(s)...

Mais de cem bilhões de seres humanos já morreram no planeta. Como não se sabe de ninguém enterrado em Marte, e ante as leis físicas da Termodinâmica, o ar que respiramos, os alimentos que ingerimos, as roupas que vestimos e tudo o mais que temos em nós e ao redor de nós estão, pode crer, impregnados da energia, do miasma e das partículas que formavam os 110 quatrilhões de células nossas e dos seres microscópicos que, do ovo à cova, hospedamos – células formadoras também de cada um daqueles mais de cem bilhões de mortos que, de algum modo e pelas eras, emolduram a vida e o viver de cada um de nós... até chegar a vez de cada um de nós nos tornarmos miasma e partículas e energia a integrarem-se à vida e ao viver de outros, no futuro.

A chegada do novo vírus e o efeito mortal dele (a covid-19), entre tantas coisas que suscitou na Humanidade, trouxeram, além da perplexidade, um pouco mais de claridade aos acinzentamentos de nossa vida e capacidade de ser e refletir nossa existência – como indivíduo, como família, como espécie, como ente no Cosmos.

Quem sabe finalmente descubramos que ser humano é a única razão – humana – de ser. E isso é um contraponto, para ficar somente no Brasil, aos que, tendo boa vida (econômica), não manifestaram um só gesto de solidariedade em favor de outros brasileiros absolutamente sem condições de (r)existir – e, inda assim, resistem, existem.

É também um contraponto aos ratos políticos e da Administração Pública, que, vendo serem jogadas em suas tocas as grandes e inusuais fatias financeiras do queijo de recursos públicos, com presumida liberdade de uso ante o estado de calamidade, mostraram, mais uma vez, o que o brasileiro estamos habituados a ver: a fome assassina por dinheiro, a dilapidação homicida, senão genocida, de recursos vultosos que, “in totum”, deveriam ser empregados em favor de obras, serviços e produtos de qualidade, em prol da saúde de milhões de pessoas acometidas pela nova doença.

É deplorável que, ao lado das belíssimas e saudabilíssimas ações de solidariedade e de serviços profissionais na Saúde e em outras áreas, para além do elogiadamente profissional, grupos, bandos, quadrilhas de políticos e gestores públicos simplesmente repetem o que há de mais irresponsável e podre na vida de deles: esse comportamento de novos nazistas, de – não mais o gás, mas igualmente de cortar o fôlego –, a partir da fraude, do conluio, da apropriação indébita, submeter seres humanos já fragilizados ou doentes às situações mais penosas, degradantes, mortais. Cem mil e mais.

Enquanto isso, nos diversos “fronts” – Ciência, Política, Administração Pública, Justiça, Imprensa –, vai-se discutindo se (in)certos medicamentos ou medicações deveriam ou não já ter sido utilizados mais amiúde e maciçamente. Impressiona, para nós leigos, que médicos e outros profissionais da Saúde, seja no atendimento no quotidiano hospitalar, seja na assepsia dos laboratórios de pesquisa, seja na azáfama das áreas administrativas e políticas, possam, com semelhante formação acadêmica e parecidas experiências técnicas, ser tão divergentes acerca do que deve ou não deve, do que pode ou não pode, do que é certo ou contraindicado no combate ao novo vírus, no tratamento da doença, na recuperação – saudável – da vida. Nascido 43 anos antes de Cristo, o escritor romano Publius Ovidius Naso, o conhecido Ovídio, já sugeria para o amor o que depois a saúde trouxe para si como lema: “Principiis obsta: sero medicina paratur, quum mala per longas convaluere moras” – “Resiste desde o começo: recorre-se tarde ao medicamento quando o mal tomou forças em virtude da longa demora”. Isso foi escrito há mais de dois mil anos...

Mas quem quer saber de poetas hoje em dia?... Claro, com a menção a Ovídio, não se está aqui sugerindo que se trate uma pessoa com a declamação de decassílabos camonianos. Uma urgente passagem do ar pela traqueia de alguém exige “Alguma Poesia”, de Drummond. E mesmo problemas de depressão e dessentir a vida não se resolvem recitando a “Canção do Exílio”... De todo modo, há quem afirme que Medicina é cuidado humano e que este tanto está nos grossos volumes de Anatomia quanto em pequenos livros de Poesia. (A propósito da palavra “medicina” como reflexão e cuidado: na origem, “medicina” vem do indo-europeu “med-”, que significa “pensar”, “refletir” (daí “meditar”), e foi para o latim com o significado de “dispensar cuidados; cuidar”).

Se quem tem fome tem pressa, quem está com uma doença de rápida evolução para a morte tem o quê? Paciência? Estatisticamente, pegando-se a quantidade de pessoas que já morreram desde o aparecimento do “Homo sapiens sapiens” no planeta e dividindo-se pelo total de habitantes da Terra, dá o quociente de dezesseis pessoas – e contando... Então, com a frieza dos números, não esquente: sobre nossos ombros descansa o peso de dezesseis cadáveres, em torno de cada um de nós gravitam fantasmas de dezesseis seres humanos. E esse número vai-se ampliando a cada quatro segundos, com a doença da fome, além das outras doenças, como a novel covid-19, que acrescenta uma média de 138 novos corpos por hora, considerados os dados mundiais. (A primeira morte pela covid-19 deu-se na China, dia 2 de janeiro deste ano. Os dados globais informavam quase 730 mil óbitos em 8/8/2020; a partir daí fiz o cálculo).

São mortos demais pesando nos costados e na consciência de cada um de nós os por enquanto vivos.

Pouco se fala de nossa desumanidade em nossa evolução como... humanos. Somos egoisticamente desrespeitosos com as demais formas de vida presentes nos ambientes naturais que senhorialmente antropizamos. E é nesses ambientes que estão os seres (plantas e, sobretudo, animais, mormente as microscópicas formas de vida) que, como involuntária vingança, lançam em nós, como agora e como resposta, a grave rebordosa virótica que sacoleja todo mundo no mundo todo. Achamos, nós humanos, que podemos assim incolumemente desmatar, depredar, devastar este Éden terreal, sem despertar latentes e, como confirmado, invisíveis “monstros”, grandes nanomonstros?

Precisamos ir atrás daquela felicidade que o verso virgiliano acena desde o primeiro século antes de Cristo, quando diz que é feliz aquele que conhece a causa das coisas (no original latino: “Felix qui potuit rerum cognoscere causas”). Sim, há uma (des)razão ancestral por trás da covid-19 e de todas as doenças de agora e de outrora. E, na Humanidade, tem gente inteligente de sobra para, simultaneamente, pesquisar causas e cuidar dos efeitos – e, outros seres humanos, também continuar sua amesquinhada fome por poder e dinheiro, dinheiro e poder...

Se a vida não nos ensinar o que, no fim das contas, somos, a morte ensinará: somos, à parte outros destinos, matéria “ante mortem”, que, passo a passo, por doença ou acidente, caminha rumo à igualdade dos sete palmos.

Somos todos a mesma “coisa” em que nos tornaremos: farta matéria-prima de vermes,...

... imenso pasto de bactérias,...

... volumoso depósito de líquido putrefato a escorrer pelo caixão e a entranhar-se pelo solo...

... a amalgamar-se ao barro...

... a unificar-se ao chão.

Aí, ó, ser humano!, tendo inapelavelmente sido transformado em minúsculos grãos de areia, tu, pela lei do eterno retorno, voltarás a ser o que teimas não admitir:

Tu és pó...

Lembra-te, ó homem.

* EDMILSON SANCHES