Este belíssimo livro, “Cavaleiro Sonetário do Quixote Vencedor”, recebi-o, há tempos, de Rossini Corrêa, professor de Direito, poeta, prosador e ensaísta, que muito me honra, desde os tempos de nossa juventude, a lhe querer bem e admirá-lo. E quem há-de não?
Atrevo-me, diante dessa essência criativa de Rossini Corrêa, pinçada das entrelinhas do clássico de Cervantes, a interpretar os apontamentos que ora escrevo. Vejamos se consigo armar o fantástico cenário para que Rossini Corrêa sonetei ao Cavaleiro Vencedor:
Disse, certa vez, Dom Quixote a Sancho que contasse algum conto para entretê-lo, como teria prometido, ao que Sancho correspondeu que de boa vontade o fizera, se o modo do que estava ouvindo lho consentisse:
- Mas enfim – disse ele – seja como for farei diligências para contar uma história. Dê-me Vossa Mercê toda atenção que já princípio a contar uma aventura sobre o próprio andante, mas como se fora ele, o leal escudeiro, Sancho Pança, que assim o via através de seus olhos de fiel servidor e acompanhante...
Era uma vez... O que era; como atrás de tempos, tempos vêm... Era uma vez um cavaleiro poeta apaixonado não por Dulcinéia Del Toboso, mas por outra castelã, o que, não muito desigual ao da Triste Figura, assim começou, enamorado, um canto, a dizer ter perdido o destino: “Vede: Sou um louco sonhador cretino, / a querer o mundo sem dor, mal e peste / – pobre Quixote que perdeu o destino...”
E depois do caminho, distraído, perdeu Rocinante: “E desenganado, sofre a dor angustiante / e vai trotando no vazio seco de um graveto / – pobre Quixote que perdeu Rocinante”.
Adiante, o poeta cavaleiro, perdeu o próprio caminho: “Cruéis para mim foram os fados: / [tudo em mim foi dor ou desvario, / olhos postos na luz, e já vazados] / sempre morrer de calor dentro do frio”.
E desditoso, o cavaleiro poeta perdeu a fantasia: “Sem uma gota de verdadeira poesia, / náufrago no pantanoso areal da Vida / – pobre Quixote que perdeu a fantasia...”
E tempo há, dentro do tempo, que o cavaleiro poeta perde a amizade: “Se querem saber: sou eu mesmo Sancho. / Ele é o outro de mim mesmo dispersado. / E, pela metade, eu agora me desmancho, / que um não pode ser o ser dilacerado”.
Lá pelas páginas tantas, Sancho diz que o amigo perdeu o projeto / e sem planta baixa edificou a casa. / Mas, mesmo assim, arquitetou o teto / escondeu na alma um pedaço de asa”.
Pobre Quixote – o herói de La Mancha, desta vez perde o melhor de seu, a vergonha: “Mesmo que contra o homem tudo deponha, / inclusive, por ser este animal que bate, / tudo logo corrompe em que a mão ponha: / e infamando seu cão, cruel, ainda late...”
Depois, agora, para melhor, “Nobre Quixote perdeu a tristeza / e recuperou o horizonte da alegria. / Tirou o pombo da cartola da beleza / e na fileira do bem inventou o dia”.
Neste momento, ele, Quixote, que também não é o andante da triste figura, mas o Cavaleiro poeta, da bela postura, apruma-se e canta uma Elegia dos Visionários: “E Quixote, todo ancho, / colherá um verde lírio / e responderá: bom Sancho, / somos filhos do delírio”.
E alguma musa, que não é Dulcineia e tampouco Aldonza, mas o pseudoamor dest’outro Quixote, o poeta da bela figura, passa pelos moinhos de vento com o nome disfarçado de “Mona Lisa... Infinita das minhas emoções”, e a caminho, “Infinita Mona Lisa das minhas quimeras...”, e em serenata “Infinita Mona Lisa da minha guitarra” [...] E os dois, cansados de tantas andanças, chegam à Santa Helena, onde Bonaparte amargou a sorte de grande soldado, para dizer, ele, o Quixote poeta e da bela alegria, não de La Mancha, mas de uma Ilha com o epíteto de ser “dos Amores”, não aquela cantada por Camões e pintada por Malhoa, mas a de São Luís do Maranhão... Descobrimo-lo pelo coloquial do termo, que só naquela doce Ilha é usado, e brada feliz: “Como Bonaparte vão sonhando no caminho, / lambendo-se no cio à sombra de um vinho, / noivos chamando-se pequeno e pequena”.
Depois, o nosso herói, que já se misturou com as histórias minha e de Sancho, chega à Ibéria e canta sob o belo azul peninsular: “Colorido dia de Espanha, / de Espanha e Portugal: / [este ouro que o azul apanha e transforma em mel e sal]”. Este ouro não será o reflexo das areias do Tejo, visto pelos olhos de Sancho?
Finalmente, o Quixote poeta e brilhante chega ao Quinto Encontro, ao lembrar-se, talvez, do Quinto Império, predito pelo Bandarra, sapateiro de tanto espanto: “Nunca jamais se turvam / mesmo a Lisboa do alto... Com uma vontade de salto, / Lisboa meu chão de nuvem”.
Por fim, lança esta sentença ao seu escudeiro: “Hás de saber, Sancho amigo, que eu nasci por determinação do Céu nesta Idade de Ouro para ressuscitar bela, a de ouro ou dourada. Eu sou aquele para os que estão dados os perigos, as grandes façanhas, os valorosos feitos...” E assim tem sido este cavaleiro, poeta e da brilhante figura, a transmitir bênçãos, alegrias... E esperanças!
Rossini Corrêa, doutor em Direito, com a tese: “Graça Aranha, discípulo de Tobias e companheiro de Nabuco”, de há muito acima dos tatibitates das vaidades e das presunções pequenas, inaugura-se, assim, na irradiação clássica e universal, a justificar, de modo simples e crédulo, o que o filósofo belga-francês Claude Lévi Strauss dissera em entrevista lítero-científica em Paris, cujo lance fora colhido por Josué Montello, quando embaixador do Brasil na Unesco, em ser “o maranhense do Brasil, Rossini Corrêa um dos principais pensadores do Mundo Ocidental, neste raiar do século XXI”.
E bem dissera o fundador da antropologia estruturalista!
* Fernando Braga, *Este ensaio-poético foi publicado inicialmente no “Caderno Alternativo” do Jornal “O Estado do Maranhão”, de 4 de novembro de 2015, e, depois, no belo volume de artigos , editado em homenagem ao Centenário do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e publicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB/Brasília, 2018. Originais, in “Conversas Vadias’ [Toda prosa], antologia de textos do autor.
lustração: Fotos de Rossini Corrêa e da capa do livro comentado.