Depois de 69 anos, 4 meses e 13 dias, faleceu Paulo Sérgio Barros de Assunção, membro das tradicionais famílias Assunção e Barros. Menos pelo tronco genealógico, Paulo Sérgio tornou-se conhecido mais pelo característico barzinho, o “Fiapu”, pelo qual foi responsável por cerca de 50 anos, e que se tornou ponto de encontro e, com o passar dos anos, ponto de referência na memória de muitos caxienses.
Filho de Dª Maria Helena Barros de Assunção e Antônio Thadeu de Assunção Júnior, Paulo Sérgio nasceu em 21 de agosto de 1955, em São Luís (MA). Na ordem de nascimentos, é o terceiro filho e o único dos nove irmãos que não nasceu caxiense. Nasceu em São Luís por um acaso.
Acontece que Dª Maria Helena, quando grávida de Paulo Sérgio, foi fazer uma visita à sua mãe e tias, oriundas de Colinas (MA) e que se haviam mudado há anos de Caxias para a capital maranhense, indo residir na Rua do Ribeirão, pertinho da famosa Fonte do Ribeirão, no centro histórico de São Luís.
Antes de Paulo Sérgio, nasceram, em Caxias, os irmãos Maria da Graça Barros de Assunção (10/4/1953), que é escritora, assistente social e psicóloga, aposentada do Banco do Brasil S. A., e Antônio José de Assunção Barros (15/5/1954), advogado e aposentado da Cemar – Centrais Elétricas do Maranhão, atualmente Companhia Energética do Maranhão. Antônio José é conhecido como Thadeu mas chamado Zeca pelos irmãos.
Depois veio Paulo Sérgio, o terceiro, e, em seguida, Guiomar Olívia Barros de Assunção (31/10/1956), servidora aposentada da Caema – Companhia de Água e Esgoto do Maranhão, hoje Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão; Sílvia Helena Barros de Assunção, que faleceu ainda bebê, aos 8 meses de idade; e Raimundo José Barros de Assunção (20/3/1960), servidor público na área de Administração, em atividade.
Após o sexto filho, o pai, Antônio Thadeu, morre. Anos depois, Dª Maria Helena contrai segunda união com Fernando Sá, também viúvo. O casal tem três filhos, caxienses: José Sarney Barros de Sá (15/10/1964), motorista de aplicativo; Fernanda Helena Barros de Sá (11/5/1966), autônoma; e Luís Carlos Barros de Sá (5/10/1968), servidor público.
Com filhos e familiares já em São Luís, decide Dª Maria Helena, com o Sr. Francisco Sá, mudar-se para São Luís. Paulo Sérgio, o único são-luisense da família, fica em Caxias, bem acolhido e querido pelas tias, irmãs de seu pai, Maria Teresa Assunção (a Teresa Thadeu), Rita Thadeu de Assunção e Eustáquia Thadeu de Assunção – todas falecidas, tendo Dª Eustáquia deixado uma casa de herança para o sobrinho Paulo Sérgio. As três tias residiam na Rua Gustavo Colaço, nº 12, perto da Praça dos Três Corações.
Além das tias, outro tio, o médico e ex-prefeito Marcello Thadeu de Assumpção, também dispensava especial acolhimento a Paulo Sérgio – que trabalhou e foi aposentado pela fundação educacional que o Dr. Marcello criara e que mantinha a Escola Coelho Netto, tradicional em Caxias. Também em Caxias, Paulo Sérgio era “coberto” de carinho do seu irmão Zeca e dos sobrinhos Thadeu Neto e Lawrence Antunes. Outro familiar de Paulo Sérgio era seu primo Antônio Luís Assunção, médico reconhecido, ex-vereador, nascido em 8 de junho de 1959, falecido em 1º de novembro de 2023, aos 64 anos.
De São Luís, os irmãos lhe devotavam igual sentimento. A irmã primogênita, Maria da Graça, tanto queria que, além de irmão, Paulo Sérgio fosse compadre, que assim aconteceu, com Paulo, impossibilitado de viajar à época, tornou-se padrinho por procuração do caçula de Graça Assunção, o hoje tenente-coronel (7º Comando Militar) Mauro Esdras Assunção de Matos, caxiense, bacharel em Direito e estudioso de Inteligência Artificial, atualmente a serviço do Exército Brasileiro nos Estados Unidos. O outro filho da caxiense Graça Assunção e sobrinho de Paulo Sérgio é o também tenente-coronel Márcio Edson Assunção de Matos, nascido em São Luís, que foi comandante no Rio de Janeiro e serve agora em Brasília. Os dois cursaram a Aman, a (re)conhecida Academia Militar das Agulhas Negras.
Foi no ano da mudança para São Luís que Dª Maria Helena, com o concurso do Dr. Marcello, resolveu montar um negócio para o filho, dentro das expectativas do próprio Paulo Sérgio: um barzinho no canto esquerdo da Praça Cândido Mendes ou Praça da Matriz, quase em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição e São José, a Igreja da Matriz.
Nascia, assim, o que chamo de “o menor bar do mundo” – o Fiapu.
O nome – Fiapu – deveu-se ao modo como, em criança, Paulo Sérgio pronunciava o tabuísmo “filho da puta”. Desde criança, os pais de Paulo Sérgio haviam percebido que seu terceiro filho nascera com problemas de fala, uma espécie de afasia ou logastenia, uma perda do poder de expressão de palavras. Na escola e naqueles idos e em Caxias, já se imagina a dificuldade que uma criança tinha de acompanhar, minimamente que seja, as aulas, o aprendizado, as interações sociais com os demais coleguinhas de turma e de escola...
Não deu outra. Paulo Sérgio deixou de frequentar estabelecimentos de ensino. A medicina na Caxias daquela época não contava com especialistas em linguagem, fonoaudiólogos, neurologistas... Desse modo, adulto, Paulo Sérgio foi aprender atividade e foi ensinar humildade em uma das maiores escolas de vida e ofício – o bar.
Empregados do comércio na zona central de Caxias passaram a ser clientes, clientes passaram a ser conhecidos e estes se tornaram amigos. A simplicidade, a discrição, o “modus essendi”, o jeito de ser (às vezes macambúzio, a maioria das vezes brincalhão...) não afetava o atendimento aos clientes nem as boas relações com os amigos.
Eu mesmo sempre fui bem atendido e bem entendido pelo Paulo Sérgio. Conversávamos coisas simples. Das tristes figuras da apequenada “pulítica” caxiense... Do futuro de Caxias... Sobre o Dr. Marcello, em cujo colégio, o Coelho Netto, eu estudei da 2ª à 4ª série do antigo Primário... Sobre a Rádio Mearim, que ficava ali pertinho, e que eu visitava em época de “show” de calouros em praça pública... Sobre sua irmã Graça Assunção, de quem fui editor e prefaciador dos livros dela... De sua tia Eustáquia, já falecida, proprietária de um imóvel que aluguei para morar, na Rua Antônio Joaquim... De Dona Rita Assunção, que administrava esse imóvel...
Algumas vezes, com os amigos e confrades de Academia Caxiense de Letras Carvalho Júnior e Ezíquio Neto, sentávamo-nos por ali ao lado do minúsculo bar, e Paulo Sérgio não era apenas quem servia líquido e certo – era também o amigo que se integrava às conversas, às risadas, e também dividia e acrescentava indignações, chateações, perplexidades ante o que considerávamos frustrante em termos de rumos do município, do Estado, do Brasil...
Sabendo conversar com o Paulo Sérgio, a “coisa” fluía. Notava-se quase nada ou muito pouco o resquício dos problemas de fala da infância. Ele confirmava e sorria, cúmplice, quando se dizia para ele que o nome do bar era a forma infantil de dizer o “nome feio”, impróprio para crianças naqueles idos em que havia a chamada “criação” – que se resumia em temor a Deus, obediência aos pais, respeito aos mais velhos, dedicação aos estudos, auxílio nas tarefas de casa... e um relho de plantão para qualquer transgressão mais grave (a famosa taca, surra ou pisa...).
Foi Paulo Sérgio que, em uma vez em que conversávamos sobre o Dr. Marcello Thadeu de Assumpção, me disse que o ator global Fábio Assunção seria da família, primo dele e coisa e tal. Tem quem diga que não é bem assim. Mas, “mutatis mutandis”, bem que há mesmos traços na louridão, no azul dos olhos de Paulo Sérgio semelhantes aos do astro da TV Globo...
Pelo sim, pelo não, registrei em texto essas declarações. Se a mente paulo-sergiana era inventiva ou criativa assim, deixa estar. Talvez ainda seja melhor uma história não existir por posterior NEGAÇÃO dela do que não existir por prévia OMISSÃO a ela.
Paulo Sérgio era casado (não consegui, ainda, o nome da esposa, agora viúva, que estudou Serviço Social). O casal não deixou filho(s). Aos poucos, Paulo, até por recomendação de familiar médico, foi deixando de dar expediente em seu bar. Problemas oftalmológicos e dermatológicos, que até exigiam intervenções cirúrgicas, contraindicavam sua exposição ao sol, às condições pouco adequadas em seu barzinho. Assim, ouviu familiares e tomou a decisão de alugar o ponto. Depois de sensível reforma na praça e no imóvel do barzinho, o Fiapu deixou de existir como bar e voltou a ser, só, apelido de menino. Morreram com Paulo Sérgio mais de quatro décadas de histórias líquidas e às vezes incertas, nas muitas pessoas, personagens e personalidades que ele atendeu, às quais serviu e com as quais partilhou seus momentos de simplicidade pessoal e de contenção verbal.
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Paulo Sérgio, na Eternidade, quem sabe não reencontre os meus amigos Arthur Cunha, do bar “Recanto dos Poetas”, o Herval Lobo, do “Bar Operário”, o dono do “Bar Vá-Vá”, que resistiu anos ali em frente à estação de trem... e tantos donos de bar nesta Caxias quadricentenária... Quem sabe, ou com certeza, Paulo Sérgio ore de lá de riba pelos colegas de ofício que ainda resistem neste lado de cá da vida – o Cantarele, o Edgar, o Gilvan, o Pereirinha, o Ibinha, Dona Cristina, o Totó (garçom e “quase dono” do bar do histórico Excelsior Hotel.... Quem sabe, com algum esforço, Paulo Sérgio, na Eternidade, se acomode ali em mais ou menos 20 metros quadrados de terreno celeste e instale um ponto de venda de bebidas não alcoólicas, entre elas aguinha de coco, água mineral e, com permissão divina, maná ou ambrosia – que, antes de ser alimento sólido, cristalizado, é suco doce exsudado, ou seja, que saiu de algumas árvores em forma de gotas de suor.
Ao seu novo “bar”, Paulo Sérgio dará o nome de Fiapu, intitulativo que lembra seu barzinho dos tempos terrestres. “Fiatu” é uma expressão – fia tu –, que significa “confia tu”, “tenha fé”, “acredita”. Pois é; o homem é produto do meio: se em Roma devemos comportar-nos como os romanos, no céu, portemo-nos como os anjos... – angelicalmente... celestialmente...
Há 5.500 anos era criado o primeiro bar do mundo. Foi em Kish, cidade da Suméria, ali pelas terras da mesopotâmia ou Iraque, no chamado Oriente Médio, no leste e sul do Mar Mediterrâneo. E foi uma mulher, de nome Kubaba, quem o criou – porque, naqueles tempos, cabia à mulher fazer cerveja. Sagrada é a mulher, que abre o próprio ventre para trazer o filho ao mundo. Perceptiva e sábia é a mulher, por tantas coisas que faz e já fez, por ter tido a ideia de iniciar um “ramo” que prosperaria em todo o planeta e agregaria pessoas e histórias e sentimentos – sem mencionar os excessos e dores e violências...
Quem sabe no idioma celeste universal, cósmico, Paulo Sérgio se encontre com a sumeriana inventora dos bares e a ela agradeça por ter, com a invenção dela, proporcionado uma oportunidade a ele para ser e estar entre pessoas, clientes, conhecidos, conterrâneos, amigos...
... enfim, de um mundo de gente que, em qualquer lugar, com um terço em oração ou com um copo em brinde, saudarão a memória de Paulo Sérgio Barros de Assunção, o Fiapu, e pedirão a Deus que o abrigue em seu Reino...
– e, se não for pedir demais, expeça a autorização para a abertura do “Fiatu”, a nova “filial” do Fiapu.
Na Terra como no Céu, era isso que o Paulo sabia fazer...
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Paz e Luz, Amigo...
* EDMILSON SANCHES
Fotos:
Paulo Sérgio na juventude e no seu bar, em Caxias.