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27 de junho: João Guimarães Rosa – 116 anos*

FRASES QUE LEMBRAMOS DE AUTORES QUE ESQUECEMOS

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Nessa quinta-feira, 27 de junho de 2024, completaram-se 116 anos de nascimento do escritor, diplomata e médico João Guimarães Rosa. Ele nasceu em 27 de junho de 1908, em Cordisburgo (MG) e morreu no Rio de Janeiro (RJ), aos 59 anos, em 19 de novembro de 1967.

Considerado entre os maiores escritores do Brasil, Guimarães Rosa é autor de livros como “Grande Sertão: Veredas” e “Sagarana”. Foi membro da Academia Brasileira de Letras (cadeira nº 2).

Curiosidade: fascinado por idiomas, Guimarães Rosa falava, além do português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, russo. Também, lia sueco, holandês, latim e grego e conhecia a gramática do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês. Segundo o próprio Guimarães Rosa, além dessas, ele “bisbilhotou” outras línguas.

De seu casamento com Lígia Cabral Pena, vieram as filhas Vilma e Agnes. Vilma Guimarães Rosa (nascida em Minas Gerais, em 5/6/1931) também se tornou escritora. Tenho dois livros dela, autografados e com dedicatória para terceiras pessoas: “Serendipity", de 1974 [foto], e "Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai (Memórias Biográficas)”, publicado em 1983 e ganhador dos prêmios “Joaquim Nabuco” (da Academia Brasileira de Letras) e “Ensaio Biográfico”, do PEN Clube do Brasil.

O título do livro “Serendipity” vem da palavra inglesa que significa uma descoberta feliz, ao acaso. A origem do termo seria uma palavra árabe, “Serendip”, que denominaria a região do hoje país Sri Lanka, o antigo Ceilão. No livro, Vilma Guimarães Rosa, por meio do personagem Mister Ashley, diz que Serendipity “é uma palavra mágica”, “é o dom de fazer felizes descobertas! Imprevista, casualmente..." (página 88).

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No dia 12 de junho de 1937, ao tomar posse na Cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras, o jovem (49 anos) escritor, diplomata, ex-ministro do Exterior e advogado João Neves da Fontoura disse uma frase lapidar, que, descontado o saudável excesso, deveria causar algum orgulho a nós maranhenses. Falando sobre seu antecessor na referida Cadeira patroneada pelo dramaturgo paulista Álvares de Azevedo, disse Fontoura:

“Não houve melhor brasileiro do que Coelho Netto”.

O escritor caxiense havia sido o fundador (primeiro ocupante) da Cadeira nº 2 da ABL. Com o falecimento de João Neves da Fontoura (o segundo ocupante da Cadeira 2), em 31 de março de 1963, o terceiro ocupante seria também um outro ilustre – ilustríssimo –  João: João Guimarães Rosa.

Depois do discurso de recepção, feito pelo igualmente ilustrado e talqualmente mineiro Afonso Arinos de Melo Franco, o mineiro da cidade do coração, Cordisburgo, tomou-se de suas próprias lembranças de adolescente de 16 anos, lembrou-se das palavras que nessa idade dissera em velório de um amigo e as imortalizou no discurso de posse:

“A gente morre é para provar que viveu. Só o epitáfio é fórmula lapidar. [...]”

Aí, no parágrafo seguinte, vêm as palavras que tanto são ditas, reditas e desditas:

“[...] As pessoas não morrem, ficam encantadas”.

Guimarães Rosa fazia referência a seu antecessor, João Neves da Fontoura, que, naquele 16 de novembro de 1967, se vivo fosse, estaria completando 80 anos (“Soprem-se as oitenta velinhas”, escreveu o autor de “Sagarana” no antepenúltimo parágrafo desse discurso).

É impressionante a força, o símbolo e a simbologia, o sentido e o sentimento de certas frases, que voam das palavras estáticas em um papel para o dinamismo e cotidiano das pessoas – por exemplo, o nosso gonçalvino verso “Minha terra tem palmeiras”.

As palavras da frase “As pessoas não morrem, ficam encantadas” são apenas seis das 7.808 que constituem os 58 parágrafos do discurso rosiano. Trinta e três letras, em certa ordem, são, daquele discurso, o conjunto de caracteres gráficos que mais se eternizou e se entronizou no adagiário coletivo e popular, em especial nos meios literários, intelectuais, artísticos e culturais em geral. As demais 41.419 letras do discurso de posse de Guimarães Rosa há 51 anos e dois meses, com o devido valor das palavras e frases e parágrafos que formam, terminam por ser – exageremos... – a grande moldura e verniz para aquelas pouco mais de trinta letrinhas.

Essa frase – registra o também mineiro Mauro Lúcio Condé – originalmente é: “O mundo é mágico: as pessoas não morrem, ficam encantadas”, dita pelo jovenzinho Guimarães Rosa, com 16 anos, no velório de um amigo.

Despregadas do papel pela voz e emoção de Guimarães Rosa, essas palavras – pelo menos essas – pregaram-se no repertório popular como piolho de cobra em veado e passaram a fazer parte de citações e excitações intelectuais. Claro, o reiterado uso levou ao recatado abuso, e a frase vai sendo “reciclada” de acordo com o (meio) ambiente: “Artistas não morrem, se encantam”; “Poetas não morrem – encantam-se”... e por aí vai, vamos, vão-se...

Pode ser que, nas literaturas de todo o mundo e de todas as épocas, do “A” do Afeganistão ao “Z” do Zimbábue, essa frase ou algo bem assemelhado já se tenha escrito. Na parte ocidental do mundo, latinos... gregos... são autores de muita coisa que anda por aí como nova, autoral, de boca em boca, de papel em papel e de tela em tela (neste caso, tanto no cinema quanto no vasto e-mundo da Internet, lugar virtual e nem sempre virtuoso...).

Assemelhada à frase rosiana “As pessoas não morrem, ficam encantadas” é, por exemplo, o ditado “O poeta não se faz, nasce”. Ele vem do antigo latim “Poeta non fit, sed nascitur”, que, por sua vez, como registra Paulo Rónai, no mínimo “lembra a sentença atribuída a Cícero: ‘Nascimur poetae, fimus oratores’ (‘Nascemos poetas, tornamo-nos oradores’)”.

Bom. Nessa história de quem nasce, morre ou se encanta, parece haver só uma certeza:

Frases ficam, autores não – porque frases encantam... e seus autores, ora, esqueçam!...

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Em tempo: Depois de pronunciar seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, João Guimarães Rosa morreu três dias depois, em 19 de novembro de 1967.

Como homem, foi imortal por três dias.

Como escritor, não morreu. Deve durar aí, pelo menos, meia eternidade...

* EDMILSON SANCHES