Resolução do Ministério da Educação (MEC), homologada nessa quarta-feira (17), autoriza o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica. A norma busca propagar o respeito e diminuir estatísticas de violência e abandono da escola em razão de bullying, assédio, constrangimento e preconceitos. O nome social é aquele pelo qual as travestis, mulheres trans ou homens trans optam por ser chamados, de acordo com sua identidade de gênero.
“Essa era uma antiga reivindicação do movimento LGBTI [lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais] que, na verdade, representa um p0rincípio elementar do respeito às diferenças, do respeito à pessoa e, ao mesmo tempo, de um combate permanente do Ministério da Educação contra o preconceito, o bullying, que, muitas vezes, ocorre nas escolas de todo o país. É um passo relevante para o princípio do respeito às diferenças e o combate aos preconceitos”, enfatizou o ministro Mendonça Filho ao homologar o texto, que foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação em setembro do ano passado.
A resolução ainda será publicada no Diário Oficial da União. Com a edição da medida, o ministério atende à demanda de pessoas trans que querem ter sua identidade de gênero reconhecida. Em 2015, uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNDC/LGBT) definiu parâmetros para acesso e permanência de pessoas trans em diferentes espaços sociais, entre eles o direito ao uso do nome social nas redes de ensino.
A realidade, no entanto, não está de acordo com essa recomendação do conselho, que não tem força de lei. Presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson afirma que a exclusão sofrida pelas pessoas trans no Brasil também é visível no ambiente escolar. “Quem mais está fora desse espaço da escola é a população trans, porque a escola não se preparou para nos receber”, critica.
No Ceará, essa situação foi vivenciada pela estudante Lara, de 13 anos. No ano passado, ela passou a se reconhecer como mulher e, por causa disso, a sofrer preconceitos no ambiente escolar, chegando a ser “convidada” a sair da Escola Educar Sesc. A mãe, Mara Beatriz, conta que a adolescente foi vítima de várias violências por causa de sua identidade de gênero. O nome civil dela, masculino, era utilizado em todos os registros escolares escritos, como em provas e boletins. A estudante não tinha acesso ao banheiro feminino e, para não usar o masculino, teve que se limitar a ir apenas ao banheiro da coordenação. Até o direito de ter o nome social garantido na carteirinha de estudante, que era assegurado pelo órgão emissor do documento, foi inviabilizado pela escola, que não confirmou a matrícula da estudante ao órgão.
“Era algo que causava muito sofrimento, porque antes aquele era um ambiente em que ela se sentia muito bem na escola, onde estudava desde os 2 anos de idade”, lembra a mãe, que decidiu usar as redes sociais para denunciar o preconceito contra a filha. Sete dias depois das denúncias e de o caso ter ganhado repercussão na mídia, o Sistema Fecomércio, que controla a escola, informou que havia ocorrido “uma falha pontual interna” e que o nome social da estudante havia sido regularizado em todos os documentos.
Além disso, a instituição se comprometeu a estimular o debate sobre questões de gênero com toda a comunidade escolar e a adotar ações permanentes de combate ao preconceito.
Para evitar que esse tipo de situação se repita, a nova resolução do MEC estimula que as escolas de educação básica estabeleçam diretrizes e práticas para o combate a quaisquer formas de discriminação em função de orientação sexual e identidade de gênero de estudantes, professores, gestores, funcionários e respectivos familiares na elaboração e implementação de suas propostas curriculares e projetos pedagógicos, além de estimular e respaldar quem já utiliza o nome social. A educação básica inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
A falta de reconhecimento leva à ausência de dados sobre a situação. Não há estudos específicos ou informações oficiais sobre o número de pessoas trans nas escolas, algo que poderá a ser mensurado a partir da adoção da resolução do MEC. “A partir disso, a gente espera ter uma dimensão de quem são as pessoas trans que estão nas escolas”, disse Keila, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Ela destaca que o acompanhamento das pessoas trans que fazem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) só se tornou possível em 2014, quando os candidatos passaram a poder usar o nome social. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 303 pessoas optaram por usar nome social no Enem do ano passado.
Mais direitos
A luta pela garantia dos direitos da população trans tem provocado mudanças em outras áreas. Desde 2013, o Ministério da Saúde possibilitou que travestis e transexuais passassem a usar o nome social no Cartão SUS. “Não é uma tarefa simples, a gente trabalha todo dia para que os espaços adotem iniciativas como essa e respeitem o que está posto”, afirma Keila. Em 2017, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que transexuais têm direito à alteração do gênero no registro civil, mesmo sem realização de cirurgia de mudança de sexo.
No Supremo Tribunal Federal (STF), estão em debate o direito dessas pessoas usarem o banheiro condizente com a identidade de gênero que elas reivindicam, bem como a possibilidade de transexuais alterarem o nome no registro civil sem a realização de cirurgia de mudança de sexo.
(Fonte: Agência Brasil)