Quarta-feira é dia de “saborear” textos literários. O BLOG DO PAUTAR abre espaço para o amigo e escritor Fernando Braga. O projeto LITERATURA MARANHENSE é uma iniciativa que tem a finalidade de despertar o interesse pela leitura de bons textos... da nossa literatura. Aproveite... Bom apetite!
Foi Bandeira Tribuzi na redação do “Jornal do Dia”, em São Luís, quem primeiro me falou do poeta Fernando Ferreira de Loanda, o qual pensei que, em se tratando de um poeta português, de sua geração, e pela benquerença com que o tratava, tivera sido seu contemporâneo em Coimbra. Depois, Nauro Machado clareou-me dizendo que Fernando Ferreira de Loanda era um poeta português de Angola, mas já naturalizado brasileiro e um dos mais legítimos representantes da geração de 45 e que fora o editor de “Rosa da Esperança”, livro de poemas de Tribuzi, publicado, no Rio de Janeiro, pelo grupo “Orfeu”, revista dirigida ao tempo por Fernando Ferreira de Loanda.
Fernando Ferreira de Loanda [Luanda-Angola, 1924 – Rio de Janeiro, 2002] surgiu no panorama poético, no início dos anos 50, emergindo com uma tradição propensa ao assombro e à rebeldia, fenômenos naturais à condição humana, para juntar-se a outros jovens como Lêdo Ivo, Astrid Cabral, Thiago de Mello... É o escritor Wilson Martins quem diz: “Prefaciando, em 1991, o que parece ter sido o seu último volume de versos [‘Kuala Lumpur’], Lêdo Ivo, que foi um dos maiores poetas da geração, assinalava que, em sua atividade editorial, Fernando Ferreira de Loanda lançou praticamente todos os poetas então emergentes”. “Foi ele o primeiro editor ‘comercial’ de João Cabral, ao apresentar, nos ‘Poemas reunidos’ (1954), uma obra então rara. E a esse nome consular, acrescentemos os de Afonso Félix de Sousa, Darcy Damasceno, Nilo Aparecido Pinto, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Marly de Oliveira, Octavio Mora, Marcos Konder Reis, Domingos Carvalho da Silva, Walmir Ayala, Gilberto Mendonça Teles, Stella Leonardos e tantos outros que constituem a chamada ‘Geração de 45’[...]”.
Fundou, com Lêdo Ivo, Darcy Damasceno, Fred Pinheiro e Bernardo Gerson, a “Revista Orfeu”, dirigindo-a no Rio de Janeiro, de 1947 a 1953, à maneira da portuguesa, de Fernando Pessoa, Mário-Sá Carneiro e José Almada Negreiros...
O jornalista José Nêumanne Pinto organizou e publicou pela “Geração Editorial”, em 2001, a antologia d’ Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século, um dos raros instrumentais que se tem sobre o poeta, já que pouca coisa sobre a vida dele está disponível na “internet”.
“Ele foi uma personalidade relevante no cenário literário tanto como escritor, quanto como editor, compilando as produções de poemas de seus contemporâneos da geração de 45”. Vejam este “Poema para os estudiosos e biógrafos”: “Não me expliquem: prisma, de mil faces, / sou insondável, abissal. / A poesia não é um espelho; é um estado momentâneo. / Se me retrato, logo me desdigo, / transfiguro-me, horizontalizando minhas emoções e incertezas. / Amo o imprevisto, / dói-me o que adivinho; / não me ofereçam / banquetes mastigados. / A clareza não a tenho à superfície; / é necessário uma faca para fazê-la flutuar; / vão ao cerne; / sou quarto crescente na lua cheia. / Não me expliquem pelas palavras, pelo bigode nem pelo cachimbo”.
Seu livro “Signo da Serpente” foi premiado pela Academia Brasileira de Letras, “a chegar frio e sem mais nenhuma esperança”, como diz alguns dos seus amigos. Fernando de Loanda publicou “Antologia da Nova Poesia Brasileira”; “Do amor e do mar”; “Equinócio”. “Kuala Lumpur”; “Oda a Bartolomé Dias y otros poemas” [em espanhol], além de produções em revistas, jornais e espalhadas em palestras e conferências.
O escritor Carlos Pacheco, amigo do poeta, escreve em “Um poeta sepultado vivo”, no qual apuramos este seu grito natural de revolta: “[...] Realmente o mundo das letras, de língua portuguesa acaba de perder um dos seus maiores vultos, só que de uma forma gritantemente absurda: enquanto em todos os quadrantes de língua espanhola – do México à Argentina, incluindo a Espanha – se exalta a poesia de Fernando Ferreira de Loanda, pujante de beleza estética e densidade discursiva, no Brasil, longe disso, essa poesia tem sido emparedada pelas capelinhas, quando não menos votada ao ostracismo. Em Portugal, por incrível que pareça, são raros os que a conhecem”.
Nada mais se sabe... Foram esses os motivos, ou outras vertentes existem? O mundo das artes tem desses mistérios...
Ouçamo-lo em “Viseu Revisited”: “Não falo das ruas da minha infância, / nem as nomeio, para que ignorem a pequenez do meu mundo. / Tinham, porém, fauna e flora, as árvores davam sombra e frutos, / os homens bom-dia e os pássaros cantavam”.
Por fim, neste “Homem de incoercível esperança”, oferecido a Gabiono-Alejandro Carriego, enfeixado em “Poemas da Rua Quito”, Fernando Ferreira de Loanda canta: “Homem de incoercível esperança / transita, sem sonhos ou amanhã, / cúmplice, intemporal, urde a teia, / e ante o silabar e o afresco / trânsfuga, transmuta, transige. / Repetir sempre, tudo já foi dito; / importa é como dizê-lo, insinuá-lo. / Não te acovardes ante a palavra implume. / Se desbotada ou erodida, dá-lhe tua seiva, tua vivência – investe: / morre quem ousa, quem ousa ama”.
Ou ainda: “Acabaram com os bondes / e a paisagem dói; / tentam dinamitar a poesia / os poetas da paróquia, / ardilosos, confundem / o incauto forasteiro, / vendem gato por lebre. / Sê surdo: o exílio / em tua casa, entre os livros, / é a solução; na balança, / a amabilidade de um / ou o impropério de outro / só tem peso para a tua vaidade. / Que falem em vão ao vento”.
E Carlos Pacheco, finaliza triste: “Tudo terminou, para ele e em grande parte para todos, na melancolia cinzenta dos triunfos extintos”. ”Os poetas da minha geração, a malograda, / e os posteriores, os antolhados frívolos da glória, / esqueceram-se de colocar a chave sob o tapete”, cantou por derradeiro o poeta Fernando Ferreira de Loanda em “Ode para Walt Whitman ou Efraim Huerta”.
Este angolano-brasileiro e carioca de adoção faria 78 anos em 19 de setembro de 2002, e poucos dias antes de seu falecimento, a Academia Brasileira de Letras o premiou pelo conjunto de sua obra, prêmio de que tomou conhecimento, mas não chegou a receber.
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* Fernando Braga, in ‘Conversas Vadias’ [Toda prosa], antologia de textos do autor.