Cerca de sete anos atrás, um texto que escrevi sobre Paris chamou a atenção de outras pessoas. Um jovem imperatrizense nosso amigo, que mora em Curitiba (PR) e que estudou para seu doutorado em Londres, fez uma observação sobre a tradução do título do livro “Paris é uma Festa” (em inglês, “A Moveable Feast”), de Ernest Hemingway.
O título em português – “Paris é uma Festa” – é tradução literária, não literal. A tradução “literal” do título inglês “A Moveable Feast” seria “Uma Festa Móvel”. Fica estranho, não? O que você acha?
Seja pela qualidade literária da obra, seja pela fama de Hemingway, esse título virou quase epíteto da capital francesa. (Epíteto é a palavra ou expressão que se associa a um nome para atribuir-lhe uma característica ou qualidade – como “Cidade Maravilhosa” para o Rio de Janeiro e, no caso, dizer que “Paris é uma festa”).
Quanto ao título inglês do livro de Hemingway, pode ser que os tradutores tenham utilizado uma liberdade literária (já que é um livro de literatura propriamente dita). Essa liberdade chama-se “elipse”, que aceita a supressão e o subentendimento de um termo.
Talvez, sei lá, os tradutores tenham pensado:
“– Toda festa é móvel; não há festa sem movimento, sem movimentação. Logo, basta preservar o termo ‘festa’ (‘feast’) e acrescentar o nome a que este termo se refere – eureca!, é... Paris!”.
Assim, para não traduzir simplesmente para “Uma Festa Móvel” (ou “Uma Festa Ambulante”, como querem alguns), os tradutores mais ou menos recriaram o título sem desmerecer o título original.
Acontece que o significado ou sentido que Hemingway queria dar era o de que Paris é uma festa que se move, que se movimenta com a gente, uma festa que a pessoa carrega, transporta consigo, quando conhece a capital francesa – pelo menos tão intensamente como Hemingway a conheceu, na flor de seus 22 anos, convivendo com autores e artistas de renome mundial.
Assim, o adjetivo “moveable” (ou ‘movable’, na grafia alternativa, mais ‘moderna’, em inglês) teria de ter, em português, uma palavra que, neste momento, eu não saberia dizer qual é: “transportável”? “carregável”?
Qualquer dessas duas traz ‘aquele’ sentido – mas, convenhamos, nenhuma das duas tem, digamos, literariedade.
O termo que se busca é aquela palavra em português que exprima o seguinte: Paris é uma festa que te acompanha dentro de ti, por toda a tua vida. Pronto! Perfeito. Mas que palavra seria essa?
Não é fácil encontrar termos que traduzam, ou melhor, reproduzam, integralmente, as exatas intenções do autor do texto original em qualquer idioma que seja.
Paris pode até ser uma festa – mas tradução será sempre uma tensão...
... muita atenção...
... e, frequentemente, traição.
“Traduttore, traditore” – como dizem os italianos nesta conhecida paronomásia: “Tradutor, traidor”, significando que “traduzir é trair”.
A língua é uma festa...
* EDMILSON SANCHES