Toda cidade tem seu encanto, e muito desse encanto deve-se a personagens – não necessariamente personalidades – singulares. São pessoas com alguns graus de liberdade a mais, de despojamento a mais e, alguns diriam, de loucura a mais. Na minha cidade natal, Caxias (MA), eu ainda criança e adolescente, convivi com pessoas assim: o Pedro, bom desenhista, que, à maneira de certo jesuíta, escrevia e, sobretudo, desenhava em areias. O Feijão... O Frota... A Maria Pouquinha... A “Boi Te Come”...
Em Imperatriz, conheci alguns desses seres especiais: o Leó, o Elias do Boi...
Na tarde-noite de 24 de janeiro de 2018, soube que Imperatriz ficou sem uma dessas luzes ambulantes. Elias do Boi, aos 65 anos, havia morrido.
Como quase sempre eu ando pelas ruas de Imperatriz a pé, às vezes encontrava o Elias. Ele se aproximava de mim: “– O Chancho! O Chancho!”, era como ele falava, lindamente, meu sobrenome.
Quando ele sabia que eu era candidato a mandato político, me pedia os cartõezinhos (minha “marca registrada” em campanhas e, também, geralmente meu único material gráfico de divulgação). Eu perguntava a ele sobre a saúde, se alguém não o estava deixando em paz etc. etc.
Elias do Boi era cativante, na simplicidade, na verdadeira tradição que, do seu jeito, criou na cidade, tocando seu pandeirinho, cantando o seu cantar, às vezes acompanhado de crianças.
Se há dois anos Elias do Boi saiu da vida para a imortalidade, bem antes ele já estava imortalizado em canções de outros artistas, músicos, que, sensíveis como só o são os artistas, foram tocados pela singeleza eliana. É o caso do cantor e compositor Erasmo Dibell, que fez a canção “Minha Cidade”, cantada pelo Carlinhos Veloz (a quem homenageei na Câmara Municipal em 2012), e o também cantor e compositor José Bonifácio Cézar Ribeiro, o Zeca Tocantins, que (en)cantou o Elias na sua música “Boi de Brinquedo”, interpretada pelo inesquecível Neném Bragança (falecido em 2015). Cronistas da cidade também creditaram o nome de Elias do Boi em seus textos.
Portanto, seja contando um dedo de prosa, seja cantando a letra de uma canção, Elias do Boi era uma personagem inspiradora... para quem sabe o que é isso.
Quem era
Elias do Boi era o artista. O civil chamava-se Elias Araújo da Silva, nascido em São João dos Patos (MA), em 14 de novembro de 1952, filho de Dª Albina Barros de Araújo e do Sr. Victal Mariano da Silva. Veio criança para Imperatriz, em 1954.
Após a morte dos pais, a irmã, Maria do Carmo (chamada Neném), abrigou Elias na residência dela, de onde ele saiu porque não quis acompanhar a irmã, que estava de mudança para o município de Davinópolis, à época Vila Davi, um ex-bairro distante do centro de Imperatriz.
Segundo colheu o jornalista Jaldene Nunes, que fez alentada reportagem sobre Elias do Boi, o artista não queria sair da região central da cidade, pois delimitara a região do calçadão de Imperatriz como uma espécie de área de atuação, o seu “lugar de fala”, canto, brincadeiras e dança, área onde até realizava serviços de coleta de resíduos das muitas lojas daquele setor comercial. Desse modo, Elias do Boi contou com o acolhimento de pessoas amigas, em cujas residências foi morando.
Elias chegou a ser “fichado” na Prefeitura de Imperatriz, como servidor da Secretaria da Educação.
Um artista nasce
Elias aprendeu a brincadeira do boi com um tio, Raimundinho, que morava em Pedreiras (MA). Mas brincar o boi mesmo, como observa Jaldene Nunes, isso aconteceu somente em Imperatriz.
Elias ajudou na campanha eleitoral de Renato Cortez Moreira, que, em primeiro mandato, governou Imperatriz de 1970 a 1973. Em retribuição, sabendo de seu gosto pelo folclore junino, Elias recebeu do então prefeito um boi, aquele simulacro do animal, sob cuja armação dança uma pessoa. O do Elias fora feito em Belém (PA).
Depois, Elias foi brincando e fazendo brincar. Há registros fotográficos de muita gente adulta hoje que participou dos bois de Elias na época de menino e adolescente.
Com o correr dos anos, pelo menos outros dois bois, após o primeiro, foram doados por políticos da região. Isso fazia a alegria de Elias e a permanência da brincadeira.
As décadas se passaram. Elias foi se sentindo só. Uma solidão compartilhada com um pandeirinho... um boizinho... A riqueza folclórica que ele defendia não combinava com a pobreza franciscana a que era submetido pelo modo de ser e agir de pessoas, órgãos e instituições, públicos ou privados, da cidade onde viveu praticamente toda a sua vida.
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Elias do Boi, não há dúvida, foi para o céu. Se, desde há dois anos, a gente à noite enxergar mais estrelas brilhando lá no alto, estejamos certos: são estrelas do manto cintilante do boi do Elias. Boi que brinca. Boi que vai e volta e voleia.
São Pedro e São João, dois anos atrás, estavam à entrada do portão celeste, e anunciaram:
“– Chegou o Elias do Boi!”
Agora, sim, tem festa no céu.
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Descanse – e brinque – em paz, Elias.
* EDMILSON SANCHE
Fotos: Elias com pandeiro e, no calçadão de Imperatriz, dançando (foto de Carlos Brandão) e, em foto de Fernando Cunha, sentado: alegria, inspiração, solidão.