O professor Manoel de Páscoa Mendes Teixeira (Passinho) faleceu em Caxias (MA), há três anos, em 20 de junho de 2017. É o presidente de honra da Academia Sertaneja de Letras, Educação e Artes do Maranhão, a Asleama, que ele fundou em 19 de março de 2011, em Caxias. Formado em Filosofia e Teologia, foi professor de gerações. Em 1992, foi candidato a vice-prefeito de Caxias, na chapa de Getúlio Silva, ex-deputado estadual maranhense.
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As coisas estão perdendo sua essência. Seria possível que nós, as pessoas, também a estejamos perdendo?
Vejam só: já existe cerveja sem álcool, manteiga sem gordura.
Já existe cigarro sem nicotina, coca sem cocaína e até café sem cafeína.
Poderia existir o humano sem humanidade? Seria possível? Afinal, ser humano é a única razão – humana – de ser.
Será que aquilo que a Ciência e a Tecnologia extraem, extirpam, anulam na estrutura das coisas a Vida e seu Cotidiano poderiam eliminar, destruir, extinguir na alma das gentes?
Os registros das guerras, as barbaridades dos crimes, os atos de terrorismo, as “limpezas” étnicas, o desrespeito de crianças e adolescentes a pais e professores, a agressão e a fúria assassina contra mulheres, entre outros registros e formas de violência, nos induzem a acreditar que, sim e lamentavelmente, a Humanidade parece estar cada dia menos humana.
A troco de que estamos nos tornando desumanos, ou não humanos? Qual o mérito disso? Que vantagem levamos nisso?
Somos criaturas frágeis. Vivemos pouco – no Brasil, em média 78,6 anos (em 2018), pelas acreditadas estatísticas oficiais. Portanto, daí pra diante, é saldo. Enquanto isso, uma tartaruga chega fácil aos mais de 200 anos, uma sequoia, um baobá, um jequitibá transbordam, transpõem, transpassam a casa do milênio...
Desse modo, tem razão o escritor e ex-primeiro-ministro britânico do século XIX Benjamin Disraeli quando observa: “Life is too short to be little” – “A vida é curta demais para ser miúda”.
Portanto, e mais uma vez: somos frágeis na Vida, somos poucos no Tempo. E por que a única criatura feita à imagem e semelhança do Criador é tão balda, tão rala, tão falta, tão rareada de vida? Quem sabe seja porque, onde nos é escasso em quantidade de vida, podemos acrescentar em intensidade no viver.
Intensidade, Senhoras e Senhores, intensidade... Há a intensidade que é brilho, própria da iluminação. E há a intensidade que é entrega, própria da dedicação.
Intensidade... Dedicação... Solidariedade... Essas são, portanto, as palavras com que, neste momento, qualifico o grande caxiense que Caxias perdeu em 20 de junho de 2017, para os Céus: Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira, o Professor Passinho, que lutava contra a leucemia havia 20 anos.
A dedicação de Passinho é um tanto amor e outro tanto trabalho. Dedicação e disposição para fazer Caxias crescer naquilo que ela tem de mais representativo: sua Cultura, sua História, sua Espiritualidade.
Dizem que o menor frasco contém o melhor perfume. Esse provérbio, de tanto que se tornou comum, parece já ser gasto. Sim, até pode ser gasto... mas nunca perdeu o cheiro.
Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira era, à primeira vista, um pequeno frasco. Nem parecia ser o gigante que era, gigante em talento, em entrega, devotamento, caridade, e uma enorme força interior. Seu corpo franzino não traduzia ou revelava a enorme quantidade de energia realizadora que ele, verdadeira turbina humana, tinha e mantinha dentro de si.
Manoel de Páscoa, ser de espiritualidade e oração, humanidade e coração, há muito sabia que ele era portador de todos os motivos para não fazer o que ele há anos, senão décadas, vinha fazendo em e por nossa cidade. Muitos, com muito menos daquilo que o acomete, já teriam desistido ou sequer iniciado e nisso se desculpariam e se prostrariam pelos cantos, em um processo de autovitimização que Manoel de Páscoa dele sequer tomou conhecimento.
O barro edênico e o hálito divino em que Manoel de Páscoa foi amalgamado permitiram a ele certos aparentes excessos. Manoel de Páscoa não foi buscar questionamentos – ele trouxe respostas. Não foi apontar culpados – ele assumiu seu próprio dever, ou o que ele cria ser de sua obrigação.
Homem versado em Filosofia e Teologia, professor de gerações, ele sabia que não fazer também é gostoso, é gostoso ser preguiçoso. Falam até em ócio com dignidade. Mas não se entregou a isso, não se impregnou com nada disso.
Manoel de Páscoa sabia que culpar é cômodo – desde os bíblicos tempos, no Gênesis. Sim: estava ali Adão e Eva, no jardim do Éden, perturbados pela desobediência que tinham acabado de cometer, pela desordem que haviam acabado de iniciar. Aí Deus, prévia, presente e postumamente sabedor de todas as coisas, questionou Adão: “O que fizeste?” Adão culpa Eva. O Todo-Poderoso pergunta: “E aí, Eva?” A mulher responde: “A culpa é da cobra”.
É fácil transferir culpas. É conveniente apontar falhas. O incomum é assumir responsabilidades. Com prejuízo de seu tempo e recursos e, sobretudo, de sua saúde, Manoel de Páscoa, que foi meu Confrade no Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, doou-se em pensar, formatar, estruturar, convencer e convidar, até enfim materializar o sonho da Academia Sertaneja de Letras, Educação e Artes do Maranhão – a Asleama, seu sonho com forma e conteúdo. Para os padrões de entidades do gênero, é pouco tempo para o muito de coisa que na Asleama já foi feito. E, apesar da ausência física de Manoel de Páscoa, mas sob a inspiração de seu exemplo, mais feitos hão de vir nos dias que virão.
Nove anos atrás, Manoel de Páscoa poderia ter ficado deitado em berço esplêndido, curtindo o fato de que, entre seus familiares, já houve aqueles que se dedicaram o suficiente para os outros, para o país, para sua cidade. Gente que enfrentou a incompreensão, a ameaça, a repressão. Raimundo Teixeira Mendes, por exemplo, de quem Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira é parente e por quem Manoel de Páscoa cultiva real admiração, pois Teixeira Mendes não é e nunca foi apenas o citado autor da Bandeira Brasileira, mas, muito mais, o talentoso e enérgico defensor de tantas causas sociais que beneficiaram e beneficiam tantos e todos os brasileiros até hoje, embora sem o justo crédito ou conhecimento, inclusive na terra dele e minha, que é a nossa terra – Caxias e o Maranhão.
Manoel de Páscoa foi esse Davi na coragem de lutar e vencer e foi esse Golias no tamanho de suas vitórias.
Manoel de Páscoa foi esse perfume pequeno no frasco mas enorme no valor.
Manoel de Páscoa foi esse aço na têmpera e foi essa lágrima na emoção.
Manoel de Páscoa foi o humilde em oração, quando falava com Deus. E era esse humano em coração, quando conversava com a gente.
Se toda grande caminhada começou com um passo, uma grande realização – a Asleama – se iniciou com um Passinho.
Em maio de 2017, o incansável Manoel de Páscoa assumiu, mais uma vez, a presidência da Asleama, entidade que ele fundou, presidiu, organizou, deu-lhe estatura e da qual, agora, torna-se exemplo e inspiração permanentes. Na festa dos cinco anos da Asleama, pude presenciar o sadio orgulho de Manoel de Páscoa como o acadêmico que se sentia feliz ante a Academia que fez, ...assim como Deus, o Criador, se orgulha de Manoel de Páscoa, sua criatura.
Parabéns pelo trabalho, Manoel de Páscoa! Parabéns pela grande vida que viveu, dedicando-a mais em função do outro do que de si.
Manoel de Páscoa: você trabalhou com e para as Letras, a Educação, as Artes, a Cultura, a Fé. E elas são a essência que nós humanos deveríamos ter e manter, o humanismo que a Humanidade não pode perder.
Se quisermos honrar a memória de Manoel de Páscoa, sejamos fraternos, solidários.
Sejamos trabalhadores, operários.
Sejamos fortes.
Sobretudo, sejamos felizes.
Pois isso é o que Manoel de Páscoa do Alto roga por nós, em oração.
E por mais esse gesto de amor e desprendimento de Passinho, as palmas são para ele.
E com elas, o compromisso de nós todos de não nos esquecermos desse Confrade, Conterrâneo e Amigo.
O compromisso de nós todos de não esquecermos – e, quando possível, seguirmos – o seu exemplo.
Descanse em paz, Passinho, aí no Céu.
Pois, aqui na Terra, todas as tuas dores, todas as tuas canseiras, todos os teus sonhos, todas as tuas lutas... tudo isso agora é tarefa nossa.
* EDMILSON SANCHES
Fotos:
1) Manoel de Páscoa (Passinho) discursando;
2) Há três anos, o féretro de Manoel de Páscoa, em uma das homenagens “post mortem”, à frente do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, do qual Passinho era membro.