Se não for feito de forma correta e com orientação profissional, a prática de exercícios físicos durante o período de confinamento pode piorar a condição emocional das pessoas, já fragilizada pelo isolamento social e pela crise sanitária da covid-19. É o que aponta pesquisa feita em parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Universidade Federal do Ceará (UFCE) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
A pesquisa investigou a relação entre as atividades físicas e o bem-estar das pessoas durante o período de quarentena, imposta pela pandemia do novo coronavírus (covid-19) desde março em diversas cidades do país. O levantamento de dados ocorreu pela “internet” entre os dias 31 de março e 2 de abril. Responderam à pesquisa 592 pessoas, de todas as regiões do país, maiores de 18 anos e que estavam em isolamento social há, pelo menos, uma semana, sendo 63% mulheres e 37% homens.
De acordo com o professor Alberto Filgueiras, coordenador do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva e Esportiva (LaNCE) da Uerj, o resultado foi bem diferente do esperado, pois não comprovou que a prática de exercícios melhora o bem-estar, como relatado amplamente na literatura científica em condições normais.
“Foi impactante para nós, dado que a gente viu diversos relatos nas redes sociais da necessidade de fazer exercício, de manter o corpo ativo. Então, a nossa hipótese era de que qualquer pessoa que estivesse com o corpo ativo estaria se sentindo melhor em comparação àquelas que mantiveram hábitos ditos como ruins, como o sedentarismo. Não foi o que a gente encontrou”, disse o professor Filgueiras.
Mudança de hábito
Segundo o professor, o exercício físico é muito importante, porém, a simples prática não garante uma melhora no bem-estar no confinamento. “Existe essa ideia de que o exercício vai fazer com que você se sinta bem, vai trazer benefícios para a saúde física e mental. O que o nosso estudo mostra é que nessas condições de quarentena, especificamente, parece que aumentar muito a quantidade de exercícios vai fazer mal para a sua mente”.
O professor destaca que, em condições normais, a atividade física moderada a leve, praticada de três a cinco dias na semana, promove muita melhora sobre o bem-estar e a saúde mental. “Porém, o estudo mostrou que mudanças bruscas nos hábitos, durante a quarentena, levaram a uma piora no bem-estar emocional das pessoas”.
“A gente percebeu que essas pessoas que apresentaram mudanças muito bruscas na sua forma de se relacionar com os exercícios, desde a que fazia exercício e parou na quarentena, se tornou sedentária, até aquela pessoa que não fazia exercício nenhum e passou a fazer seis, sete dias na semana durante a quarentena. Qualquer mudança muito drástica mudou também o bem-estar das pessoas, mudou para pior”, explicou.
A pesquisa mostrou, no entanto, que melhoras no bem-estar foram relatadas pelas pessoas que eram sedentárias e passaram a se exercitar de três a cinco vezes por semana com intensidade leve.
Aplicativos e vídeos
A pesquisa apontou, também, um grande aumento no uso de aplicativos e vídeos tutoriais para a prática de exercícios. Antes da pandemia, 4% das pessoas que responderam ao questionário faziam uso desses recursos, número que passou para 60% com o isolamento. Porém, Filgueiras destaca que, se não houver uma orientação correta, o recurso tecnológico pode prejudicar a saúde física e mental.
“A gente detectou que as pessoas se sentiam mal quando faziam os exercícios que estavam sendo prescritos por essas plataformas digitais. A nossa principal hipótese, que os dados sugerem, é que, provavelmente, isso está associado à falta de individualização na prescrição do exercício. O exercício precisa ser prescrito considerando uma série de variáveis, considerando o peso corporal, a história de vida da pessoa, uma série de questões que não são consideradas por essas plataformas e redes sociais”.
Ele lembra que a falta de orientação profissional individual pode levar a pessoa a ter dores, lesões e até falta de ar. “Pode ter consequências muito graves. O acompanhamento de um profissional de educação física na prescrição dos exercícios e a individualização do exercício para a demanda daquela pessoa são essenciais. Além de ajudarem a pessoa na sua condição física, também vai influenciar no seu bem-estar. Pessoas que seguem fórmulas prontas se sentem mais mal do que bem”.
Os dados da pesquisa apontaram também que antes da pandemia 27% das pessoas praticavam atividades ao ar livre, proporção que caiu para 3%. As atividades em grupo foram substituídas por treino de força, que passou de 5,2% para 13,9%, e treinamento funcional, que aumentou de 4,4% para 49,3%.
(Fonte: Agência Brasil)