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LITERATURA MARANHENSE: O outono de um autor pioneiro*

Hoje é dia de o BLOG DO PAUTAR abrir espaço para o projeto LITERATURA MARANHENSE... O principal objetivo dessa iniciativa é apresentar textos de escritores de nosso Estado... Então, aproveite... Boa leitura!

(Prefácio à 2ª edição do livro de poesias “Outono”, de Manoel de Souza Lima [1889-1941], um dos primeiros escritores com obra publicada na região sul-maranhense, homenageado no 17º– Salão do Livro de Imperatriz – Salimp 2019)

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Que eu me lembre, desde que fundei a Academia Imperatrizense de Letras (AIL) em 1991, pelo menos, dois assuntos mantiveram-se recorrentes em saudáveis conversas e em acaloradas discussões por parte de Acadêmicos, na Academia e além.

Um desses assuntos tem a ver com a autoria do livro “O Sertão – Subsídios para a História e a Geografia do Brasil”, publicado em 1924 e com, pelo menos, outras três edições, que leva a assinatura – considerada alonímica – da professora sul-maranhense Carlota Carvalho.

O outro assunto diz respeito a quem seria a primeira pessoa, imperatrizense de nascimento, a ter lançado livro.

Quase três décadas se passaram e, ante o que se sabe ou que existe para saber, os Acadêmicos da AIL terão de buscar novas esfinges para decifrar, pois aqueles dois “enigmas” já podem ser considerados desvendados.

Como assunto ou referência, a autoria de fato da obra “O Sertão”, além do tempo e talento de Colegas de Academias, já ocupou páginas de livros, monografias acadêmicas, jornais e espaços digitais na “internet”. Em um opúsculo que escrevi (“O Sertão é Nosso – Da Autoria de um Livro”, inédito), creio ter revisado a maior parte dos trabalhos sobre a questão, além de expor boas informações e argumentos outros e dar a conhecer a localização e fazer a citação de registro, em uma obra maranhense de 1957, onde, de modo claro, revela-se o autor de fato de “O Sertão” – João Parsondas de Carvalho, que, por sua vez e de sua vontade, legou à própria irmã, Carlota Carvalho, o direito de ter o nome no frontispício da grande obra que enriquece a História e a Geografia maranhense, regional e brasileira. Claro, o nome de Carlota perdurará “ad aeternum” na capa, na folha de rosto, na ficha catalográfica e nas muitas referências (feitas e a se fazerem) sobre ou a partir daquele livro, pois o objeto das discussões e pesquisas sobre o tema não é o de pôr o nome de Parsondas de Carvalho no alto do “O Sertão”, mas, sim, (r)estabelecer uma verdade. Se o próprio Parsondas quis que seu livro fosse assinado com o nome de sua irmã, que autoridade nós outros teríamos para substituí-lo? Como digo em “O Sertão é Nosso”: “(...) não é necessário que, para estabelecer-se como tal, a verdade precise ir para a frente de um livro. // Pois, sem motejo, o de que menos precisa uma verdade é de capa. // Verdade é sobretudo conteúdo. // E, comprovadamente, como se sabe e se comprova, conteúdo Parsondas de Carvalho tinha. De sobra”.

Quanto ao segundo assunto, sobre quem seria o primeiro autor ou escritor imperatrizense, a pessoa de Imperatriz a ter lançado o primeiro livro, eis que a dúvida também não varou o terceiro decênio da Academia Imperatrizense de Letras, em cujo ambiente ela, a dúvida, foi gerada. Há fundadas razões para se ratificar que, até onde se sabe e até onde têm ido pesquisas e fatos, a professora e servidora pública Edelvira Marques de Moraes Barros (1930–2007), nascida imperatrizense, é a primeira pessoa, entre as filhas e os filhos da “Princesa do Tocantins”, a publicar um livro – no caso, “Eu, Imperatriz”, sobre a história da cidade, lançado em 19 de março de 1970. (Foi exatamente esta data, e em função dela, que, quando vereador, redigi o projeto, tornado lei – nº 1.468/2012 –, criando o “Dia do Livro Imperatrizense”).

Entretanto, até há bem pouco, Manoel de Souza Lima (chamado Professor Saboia, que nasceu exatos três meses antes da Proclamação da República brasileira, em 15 de agosto de 1889, e faleceria aos quase 53 anos, em 11 de junho de 1942), era dado como o primeiro imperatrizense a ter escrito e lançado livro, aliás, mais de um... – e em nenhum deles com temática relacionada a Imperatriz (o que somente em 2019 fica-se sabendo o porquê).

O primeiro livro de Souza Lima, o romance “Sete Lagoas ou Igapó Seié”, é de 1927; o segundo é de 1931, o também romance “O Tupinambá”, mais conhecido em Imperatriz, onde se publicou sua 2ª edição, de 2015. Inéditos, Souza Lima deixou um terceiro romance (“Mistérios das Selvas”) e “Contos Indígenas”. Também três seriam os livros de poesia: “Soluços e Gorjeios”, “Poesias da Natureza” e este “Outono”, a primeira obra poética de Souza Lima em livro, cuja 1ª edição é póstuma, de 1993, 51 anos após o falecimento do autor.

Souza Lima devotou seu talento para obras indianistas, como o revelam os títulos de seus quatro livros em prosa. Viveu a maior parte de sua vida no interior do Estado do Tocantins (à época, Goiás), para onde se mudou e onde casou, gerou sete filhos e morou até sua morte. O escritor Manoel Messias Tavares, da Academia Tocantinense de Letras, que conheceu pessoalmente Souza Lima, no prefácio que fez à 1ª edição de "Outono", reconheceu o fortíssimo vínculo do escritor grajauense com as terras tocantinas: “O poeta tinha a alma impregnada da paisagem tocantinense [...]”.

Mesmo no várias vezes reeditado e atualizado, “Perfis Acadêmicos AIL”, como na edição de 2016, dá-se Imperatriz como terra natal de Manoel de Souza Lima e se descarta, peremptoriamente, outra cidade como berço do grande homem de letras sertanejo.

Então, repita-se e reforce-se: Imperatriz não é o município, não é a cidade de nascimento de Manoel de Souza Lima. Corolário disso, diversas asserções terão de contemporizar e diversos textos terão de ser reescritos ou ganharem nota explicativa, de rodapé, em futuras reedições.

Em texto dado a conhecer na Imprensa em setembro de 2019, e que integra este livro como “nota do organizador”, o escritor e editor Ribamar Silva, membro da AIL, após pesquisas determinadas pela Academia, estabeleceu (para mim, sem margem de dúvida), com base em documentos, testemunhos e até “pistas” indescartáveis contidas em textos de poemas, que Manoel de Souza Lima – tchan tchan tchan tchaaaaan! – nasceu no município maranhense de Grajaú.

A História registra que não foi só Souza Lima que veio de Grajaú: Imperatriz também é filha desse território, conforme documento “Genealogia dos Municípios Maranhenses”, do IBGE. Até por isso, a Academia Imperatrizense de Letras assume como irmão o autor grajauense e o coloca como patrono do tema do Salão do Livro (Salimp) do ano de 2019 – “Vultos Literários do Sertão Maranhense”.

É por essa justa causa que a AIL, a Ethos Editora e a Estampa Encadernações outonearam na primavera e trouxeram a(o) público a 2ª edição de “Outono”, cuja edição “princeps” é rara e há mais de um quarto de século esgotada, procurada por bibliófilos locais e regionais.

Esta edição de “Outono” – que o organizador Ribamar Silva me intimou a prefaciá-la – reúne os mesmos 69 poemas da edição original. Desses, 26 são poemas com estruturas ou formas variadas, mas 43 apresentam-se na forma fixa do soneto, o modelar soneto italiano ou petrarquiano, aquele mais conhecido, mais praticado, com duas estrofes de quatro versos (os quartetos) e duas de três versos (os tercetos). (Os sonetos ingleses ou shakespearianos somam três quartetos e uma estrofe de dois versos, os dísticos. Os sonetos cujos 14 versos não se separam são chamados monostróficos).

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Qualquer dos poemas, independentemente de sua forma ou tema, logo deixa ver o assenhoreamento de Souza Lima da arte poética, digamos assim, de estro clássico. Em relação aos sonetos, são quase todos decassílabos, um deles dodecassílabo e dois heptassilábicos. (Anote-se, sem intenção que não histórica mais que literária, que Souza Lima ora em vez foge à métrica e um e outro soneto apresenta um ou outro verso com número de sílabas poéticas diferente da metrificação majoritária. Por exemplo, em “Quem sou eu”, soneto decassilábico (dez sílabas), aparece um verso hendecassílabo (onze sílabas): “É mínima; meu preparo é pequenino”. Em “Dolor mea”, o verso díspar, de onze sílabas, apresenta-se logo na primeira linha da estrofe inicial: “Meu Deus, que fiz eu da minha mocidade”. Em “Tagore não morreu”, onde saúda o grande poeta da Índia, os versos, considerada uma ou outra particularidade da escansão/metrificação, apresentam, no geral, doze sílabas, mas uns quatro deles (ou mais, dependendo de como escandir) têm onze sílabas... e um com treze sílabas: “Deixaste neste mundo um rastro resplandecente”).

Sublinhe-se que essas “puladas de cerca” do formalismo da versificação surgem aqui e acolá mas nem de longe (nem de perto) comprometem a beleza e mestria com que Souza Lima compõe e rege suas sinfonias de palavras. Ele, rediga-se, sabe o que faz, ou fez.

Outono é estação de colheita. Souza Lima colhe frutos de sua vida e das impressões acerca de seu derredor e seu interior e assim alimenta seus poemas. A natureza e o amor e aspectos da própria vida do autor (infância, família...) são temas predominantes nos poemas de “Outono”, que se completa com versos de cunho espiritual/religioso, crítica social, metapoesia e pouquíssimos outros.

Manoel de Souza Lima escreve bem e belamente. Traz para seus poemas desde o romantismo de sua infância (com suas memórias meninas) até a infância de seu romantismo (quando, jovem, lhe nasceram os primeiros laivos de amor). Seu vocabulário é preciso e rico, que não causa estranheza se considerarmos os “ambientes” literários que se entrecruzaram com o período de vida de Souza Lima – Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo... Assim, sói estarem presentes em diversos versos termos como “umbrosa” (sombria), “Hélade”, “himeneu” (casamento), “coma” (cabelo grande), “nadir” (ponto mais baixo), “levantino” (nascente, oriente), “cano” (que tem cabelos brancos), loução, grimpa, taful, entisica (enfraquece, definha), entre outros.

Acerca do que retrata, do que diz a poesia manoeliana, Messias Tavares já deu fartas exemplificações em seu prefácio inaugural, que, aliás, é aqui reproduzido, em boa hora e como deve, enriquecendo sobremaneira esta segunda edição de “Outono”.

O maranhense de Grajaú e goiano-tocantinense do Maranhão, romancista, contista e poeta Manoel de Souza Lima honra as letras brasileiras. Com óculos no sofá ou sob a lupa em laboratório literário, suas obras deveriam ser lidas e analisadas. Nelas há um universo rico – na linguagem e ambientes, nas “coisas” e personagens, nos sentidos e sentimentos...

Outono é preparo e semeadura. Cultivo e cultura. Seara e messe. Ceifa e sega. Colheita e consumo.

“Outono” não é só um livro... Não é só uma época do ano...

“Outono” vai além.

Além das quatro estações.

* EDMILSON SANCHES