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Masculino: o gênero covarde*

“No final do dia de hoje, quando o relógio indicar meia-noite, 12 mulheres terão sido mortas por homens”.

“Na história e no imaginário feminino, os homens têm sido ‘príncipes encantados’, ‘cavaleiros’ libertadores, cavalheiros galanteadores, heróis salvadores. Talvez as mulheres se contentem que sejamos apenas amigos, amantes, companheiros, que as amem, que as respeitem”.

“Não deveríamos perder essa referência. Não deveríamos perder-nos a nós mesmos. Corremos o risco, por causa da bestialidade de uns tantos homens, de sermos apenas isto: COVARDES”.

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Atenção: No final do dia de hoje, quando o relógio indicar meia-noite, 12 mulheres terão sido mortas por homens.

Não me sai da cabeça a suprema covardia masculina contra aquela jovem estudante de Medicina, na Índia, que foi estuprada violentamente, diversas vezes, dentro de um ônibus em movimento.

Chegaram a contar pelo menos seis homens, inclusive o motorista e o cobrador. Cada um estuprou a jovem pelo menos duas vezes. Usaram lâmina para cortar-lhe as roupas – lâminas que também lhe talharam fundamente o corpo de 23 anos.

Não satisfeitos, esses rascunhos de homens espancaram o colega da universitária, roubaram os valores e outros pertences dos dois e, violência das violências, enfiaram, na jovem acadêmica, barras de ferro que lhe dilaceraram a genitália, o ventre, o útero e muito mais. Violência tanta, mais tanta que perdeu os intestinos.

Em um gesto derradeiro de desvalor ao próximo, as aberrações masculinas jogaram o corpo da jovem ao chão... com o veículo em movimento.

Talvez eles achem que foram piedosos, que tiveram um último laivo de comiseração ao não “completarem” logo o “serviço” e matarem por asfixia, estrangulamento ou decapitação a jovem já inerte, seviciada, violentada, brutalizada...

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Nós homens costumamos dizer que não se deve tentar compreender as mulheres. Então, os que dizem isso têm alguma explicação para as violências que cometemos contra elas? Como compreender o bestial? Como justificar o animalesco?

Outra selvageria, a mais nova brutalidade divulgada mundialmente do masculino contra o feminino chega a seu paroxismo, seu momento de maior intensidade: uma jovem, menor, que foi brutalizada, estuprada, no Rio de Janeiro, Brasil, por mais de 30 homens, segundo a contagem inicial.

Qual será a nova selvageria que cometeremos, até ela ser substituída por uma nova desgraça cometida por homens contra mulheres?...

Parece que os homens têm uma frustração primal, dos tempos do Éden, por ter sido feito primeiro, por ser uma espécie de rascunho, um “borrão” para a criação posterior, mais perfeita, curvilínea, sedutora – a mulher.

A beleza, a sensualidade, o “appeal” (apelo), o dengo, o jeito, o encantamento, a atração, a sedução e o que mais desperte desejo, vontade, necessidade, apetite sexual não pode ser satisfeito assim, na marra, na tora, como se o ser feminino fosse mais uma “coisa” de que o homem pudesse dispor, usar, usufruir livremente, sem necessidade da conquista, sem amor ao outro ou, no mínimo, respeito ao outro ou demonstração de algum sentimento de ternura, de – vá lá – humanidade.

As estatísticas mostram números horríveis: 1 bilhão de mulheres já sofreram estupro ou espancamento.

De cada 5 mulheres, uma foi ou será estuprada até o fim de sua vida.

Nos Estados Unidos, uma mulher a cada 15 segundos é agredida pelo marido, namorado, parceiro.

Na França, 25 mil mulheres são estupradas por ano.

No Congo (uma “república democrática”), a cada hora, 48 mulheres são estupradas – quase uma por minuto.

No Brasil, 5 mulheres a cada dois minutos são agredidas, inclusive agressão sexual. A cada duas horas, uma mulher é morta em nosso país. Morta por homens, na violência. Feminicídio.

No Brasil, antes de arrotarmos contra procedimentos e “costumes” de outros países, aqui, no Sul do país, um homem entregou a própria irmã de 18 anos para ser estuprada durante 90 minutos, por causa de uma dívida de 600 reais.

Tem algo de errado com o gênero masculino. Seja em remotas tribos africanas, seja em lares e lugares norte-americanos ou franceses, seja nas terras brasileiras é violência demais do homem contra a mulher. Violência covarde. Porque se prevalece ou da força física, da voz grossa e mandona, ou do “status” econômico (provedor de alimentos), ou da condição social, quando não da pura e simples e detestável ignorância, rudeza, grosseria.

Na história e no imaginário feminino, os homens têm sido “príncipes encantados”, “cavaleiros” libertadores, cavalheiros galanteadores, heróis salvadores. Talvez as mulheres se contentem que sejamos apenas amigos, amantes, companheiros, que as amem, que as respeitem.

Não deveríamos perder essa referência. Não deveríamos perder-nos a nós mesmos. Corremos o risco, por causa da bestialidade de uns tantos homens, de sermos apenas isso: COVARDES.

* EDMILSON SANCHES

Foto:
A farmacêutica-bioquímica cearense Maria da Penha, brutalizada pelo marido (tiro, eletrocussão e afogamento). Ficou paraplégica.