E fugimos, mais uma vez, dos acontecimentos políticos, fatos e homens, comentários e críticas. Afastamo-nos de tudo isto. E, diante de nós, está o domingo e, com ele, a paisagem geográfica da cidade – a ILHA. E, com ela, uma mistura de ONTEM e de HOJE. Um passado que nos viu nascer, e um presente que nos assiste. O berço e a caminhada para o túmulo. Começo e fim. Vida e morte. Os dois extremos. As duas realidades palpitantes da VIDA. Abrir os olhos para a VIDA e para depois fechá-los para a MORTE. É isto. Desgraçadamente é isto. Encantadoramente é isto. Mas é na VIDA que a gente se encontra mais à vontade. Mas é na MORTE que está a verdadeira VIDA. Todo um tempo sonhando as coisas mais bonitas. E a gente crescendo dentro dos sonhos. Uma mocidade que domina. Deslumbra. Fascina. Preponderante. Uma velhice que vem de manso. Que se agasalha de manso. Impressiona e envolve. Tem carícia para o adormecer ligeiro. E tem impulsos para o acordar impressionante. E na realidade de tudo, nós. Nós e os pensamentos. Nós numa sequência de emoções. Nós em planejamentos. Nós no exercício de várias funções. Nós na execução dos planos. Das realizações. Nós e a obra. O trabalho. A valorização da nossa presença na Terra. No chão onde se nasce e onde se morre.
Mas é isto mesmo. E vamos deixar as divagações. Vamos olhar a VIDA. Lá no alto, um sol. Abundância de luz. Luz queimando a terra. Luz vivificadora. Luz dominadora. Lá no alto, um céu azul. Vestido de branco. Um céu tranquilo. Nuvens brancas manchando o azul. Um sol clareando tudo. E um mar lá fora estrugindo. Encrespado de ondas. Ondas se desfazendo e se refazendo em ondas. Um espelho d’água cintilante. Raios do sol se filtrando nas águas. O sol se banhando no mar! Mar agitado, queimado de sol! Extravagância duma realidade tremenda. E, na terra, nós, a gente, os sonhos. Uma paisagem humana no deslumbramento doutras emoções. Um bar cheio de gente. Uma porção de gente bebendo. Uma igreja cheia de gente. Uma porção de gente rezando. Contrita. Lá adiante, um hospital. Uma porção de gente morrendo aos poucos. E lá adiante, um clube. Uma porção de gente gastando, esbanjamento do “poder econômico”. Em tudo, vida. Vida crescendo em vida. Vida que decresce em morte. Mas dominando o sol. Claridade e sombra dominando a cidade. No céu, a mesma colorização, as mesmas tintas. A mesma tranquilidade. Mais um pouco, há mudanças e surgem outros aspectos. Há um sol na tarde. Esmaecido. E as sombras são mais tensas. Um sol numa agonia aparente de falecimento total. E as sombras se condensam cada vez mais. E o sol se fechando em sombras. Transformação em tudo. Simbolismo admirável dos extremos: VIDA e MORTE. De momento, a noite. No alto, um azul diferente na iluminação das estrelas. Estrelas que são sóis. Sóis que são estrelas. Luz na abundância doutras luzes. De há muito que o Dia findou. De há muito que a Noite iniciou a caminhada. Dia, VIDA! Noite, MORTE! E Bilac: “Nunca morrer assim... Num dia assim, assim...” E outro poeta: “Nunca morrer assim... numa noite assim...” Em ambos: Nunca morrer!...
E conosco a fuga. Fugindo da realidade brutal que aí existe... Mas será que fugimos? Será que nos enganamos a nós mesmos? Não. A impressão é que saímos dos acontecimentos políticos, fatos e homens, comentários e críticas. E ficamos com os nossos pensamentos. Ficamos com a paisagem geográfica da Cidade – a ILHA. E, com ela, estes paralelos e contrastes. Divagações do espírito que se liberta que, procurando a VIDA, vai se encontrar com a MORTE.
E, com os nossos leitores, esta página de HOJE. Mais uma página solta nesta coluna.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 25 de junho de 1963 (domingo).