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O caxiense ARTHUR CARLOS DA CUNHA e o “Recanto dos Poetas”*

Arthur Carlos da Cunha.

– Arthur Cunha cultivava a Língua Portuguesa. Escreveu poesias e contos. Foi tipógrafo, revisor, microempresário. No último domingo (6/9), completaram-se 104 anos de seu nascimento, em 6/9/1916.

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Filho de João Carlos da Cunha e Joana Francisca de Carvalho, Arthur Carlos da Cunha nasceu em Caxias, no dia 6 de setembro de 1916. Ele foi fundador, proprietário e administrador do “Recanto dos Poetas”, tradicional bar das décadas de 1970 e 1980, localizado na Praça Vespasiano Ramos, centro de Caxias, que reunia expressivas figuras do mundo intelectual, empresarial e político caxiense.

Frequentador do bar quando adolescente, pesquisei sobre Arthur Cunha junto a dois de seus filhos, João Carlos e Benedito Alexandre.

O “Recanto” tinha uma característica que o tornava único: um jogo de palavras chamado “impugna”, onde cada participante adicionava uma letra, desde que esta letra não formasse palavra (exceto monossílabos). Quem desconhecesse como a palavra continuaria poderia “impugnar”, e o jogador que colocara a última letra teria de explicar que termo queria formar. Para tirar as dúvidas, dicionários de diversos autores de nomeada espalhavam-se por sobre o balcão, para serem consultados. Quem perdia pagava a rodada de bebidas e acumulava “paus” (pontos negativos).

O jogo “impugna” chegou a ter sua Academia Vocabular de Impugna (Avoci), criada por Arthur Cunha, que mandou imprimir formulários próprios para anotações. O nome do jogo – “impugna” –, é quase óbvio, veio da expressão “Eu impugno!” ou da forma reduzida de “impugnação”.

Entre outros frequentadores do “Recanto dos Poetas”, a maioria de jogadores de “impugna”, citem-se:

– Adílson (servidor do INSS), Álvaro Simão (empresário), Aniceto Cruz (empresário), Antônio Paula (marinheiro), Arias Marinho (aposentado do Banco do Brasil);

– Carlos Gama (gerente da Caixa Econômica Federal), Carlos Jorge Pereira (servidor público estadual), Carlos Maranhão, Carlos Rodrigues (que tem diversos poemas de Arthur Cunha), Cid Teixeira de Abreu (professor universitário, latinista, escritor);

– Delmar Silva (comerciante), Déo Silva (poeta);

– Edmilson Sanches (jornalista e escritor), Elmar Machado Torres (proprietário de terras), Elmary Machado Torres (proprietário de terras e político), Enoque Torres da Rocha (farmacêutico);

– Fause Elouf Simão (político), Fernando Chaves (médico), Floriano Pereira de Araújo e Silva, Francisco Neto Frazão Muniz (o Lito; bancário – Banco do Estado do Maranhão);

– Gentil Menezes (administrador, escritor), Heitor Barreto, Hélio de Sousa Queiroz (empresário e ex-prefeito de Caxias), Isaac Pereira (comerciante);

– Jadihel Carvalho (engenheiro), Jaime Ferreira de Araújo (juiz de Direito), João Cunha (fiel depositário do Banco do Brasil), João Lobo (comerciante), João Vicente Leitão (poeta, irmão do também poeta Luiz Gonzaga Mascarenhas Leitão), José Alves Costa (comerciante), José de Ribamar Mascarenhas (servidor público estadual – Secretaria da Fazenda), José Simão (comerciante), Josino Frasão (músico; levava a banda Lira Caxiense, conhecida como “Furiosa”, para tocar na Praça Vespasiano Ramos e na frente do bar);

– Lafite Fernandes (servidor público estadual, área de Trânsito), Luís Gonzaga de Abreu Sobrinho (jornalista), Luís Gonzaga Mascarenhas Leitão (ex-diretor da Receita Estadual; poeta, irmão do também poeta João Leitão), Luís Paula (funcionário do Banco do Brasil e proprietário do primeiro restaurante flutuante de Caxias, no Rio Itapecuru);

– Mateus Assumpção (comerciante, “bom cozinheiro”; irmão do ex-prefeito Marcello Thadeu de Assumpção), Moisés Varão (fazendeiro), Mota Andrade (revendedor de quadros e molduras);

– Naldson Pereira de Carvalho (advogado, escritor), Neto Saldanha (da empresa de ônibus Expresso Saldanha);

– Odaque (policial rodoviário federal), Orlando Gonçalves (diretor do INPS);

– Pedro Cerma (que trouxe a representação da cerveja Cerma para Caxias), Pedro Soares, Pedro Sousa (o Pedro Avião; gerente da Folha de Caxias Artes Gráficas);

– Raimundo Mário Rocha (comerciante), Rodrigo Baima (servidor público municipal), Rodrigo Octavio Teixeira de Abreu (o Tavico; tabelião);

– Sillas Marques Serra (professor, reverendo), Sinésio Santos (fotógrafo);

– Veloso (representante de mesas de sinuca em Caxias), Vítor Gonçalves Neto (jornalista e escritor, meu grande amigo de muitas escritas e caminhadas pelas noites e dias em Caxias, São Luís, Teresina, Imperatriz, São José dos Campos/SP...);

– Wilson Egídio dos Santos (odontólogo, escritor, professor universitário), Wybson Pereira de Carvalho (jornalista e escritor).

Arthur Cunha estudou até a 6ª série; entretanto, autodidata, cultivava a Língua Portuguesa e a leitura, gosto que foi aguçado pelo incentivo de sua ex-professora Edmée Assunção. Revisava textos e escrevia contos e poesias, especialmente sonetos, diversos deles na posse de familiares e ex-frequentadores do “Recanto dos Poetas”. Gostava dos poemas do caxiense Vespasiano Ramos, alguns deles recitados de memória. Junto com João Vicente Leitão e Luís Gonzaga de Abreu Sobrinho, entre outros, iniciaram um movimento para fundação de uma academia de letras em Caxias, que não se consolidou.

O “Recanto dos Poetas” foi seu quarto bar. Teve outros, todos no centro de Caxias, um deles em sociedade com o comerciante e meu amigo Olavo Bilac Rêgo, também já falecido. Antes de ser proprietário de bares, Arthur Cunha, ainda criança, foi tipógrafo no jornal “O Caxiense”. Na juventude, foi fotógrafo “lambe-lambe”. Depois, agricultor e fabricante de cachaça. Era topógrafo e administrou empresa de construção de rodovias, inclusive as estradas ligando Caxias a Santa Inês e a São Raimundo das Mangabeiras.

O “Recanto dos Poetas” inspirou seu frequentador Neto Saldanha, que compôs a seguinte quadra em heptassílabos:

“É neste agradável abrigo
Onde se encontra a amizade
Quem chega se torna amigo,
Quem parte deixa saudade”.

A quadrinha foi reproduzida na principal parede do bar, com desenho feito pelo pintor D’Alves.

Arthur Carlos da Cunha faleceu em 18 de agosto de 2006. Com a esposa, Maria José Pereira, teve 16 filhos (nove homens e sete mulheres), oito dos quais vivos (cinco homens e três mulheres).

Encerro com uma das muitas lembranças de Arthur Cunha e eu. Certa noite, estávamos uns seis jogando, à mesa (exceto o Arthur, que era dono do bar mas fazia as vezes de garçom, pois ele próprio atendia aos pedidos de bebidas. Mas isto não tirava a atenção e a argúcia do esperto Arthur Cunha, sempre participante do jogo e permanentemente “ligado” nas jogadas).

Vai que, numa das jogadas, a letra inicial foi “O”. O segundo jogador acrescentou “S”; o terceiro repetiu o “S”. Eu era o quarto jogador e a palavra corria o risco de terminar em mim: “OSSO”. Só que, embora ainda menor de idade, eu já era devorador de livros, inclusive dicionários, tendo lido e até feito correções na edição de luxo do “Aurélio”, ainda hoje na minha biblioteca. Pois bem, fiz um suspense, demorei-me um pouco analisando o que deveria fazer. Alguns, apressadamente, achavam que eu não tinha saída. Mas, na verdade, eu estava era calculando quem eu queria “matar”, porque eu poderia jogar a letra “A”, e a palavra prosseguiria, para formar “OSSADA” ou “OSSAMENTA” ou “OSSATURA” ou outras. Mas, em razão de um comentário brincalhão do jogador depois de mim, decidi eliminá-lo, e joguei a letra “E”, que formaria o adjetivo “ÓSSEO”, portanto, terminando no meu vizinho de mesa, que eu intuía, pela experiência dos jogos, que ele não saberia evoluir a palavra para “OSSEÍNA”.

Assim, estavam todos ali em volta observando a jogada e vendo a “encrenca”, o “cala-te, boca” que eu dera no jogador seguinte. Este finalmente impugnou e pediu, conforme regra do jogo, que eu, que colocara a última letra, dissesse que palavra eu queria formar. Aí, altaneiro e aliviado, respondi: “ÓSSEO, adjetivo de OSSO”. Neste instante, o Arthur Cunha, que observava tudo, comentou, irônico e brincalhão:

– O Sanches é mesmo osso; agora botou uma e foi de quati...”.

Todos riram muito e a frase arthuriana ficou na mente e se espalhou entre outros jogadores nos dias seguintes. Ali, só homens cultos e bem vividos, sabiam da relação “osso” e “quati”, mencionada jocosamente pelo Arthur Cunha. É que, como explica a Biologia, o narigudo animalzinho (seu nome em tupi, “quati”, significa “nariz pontudo”) tem em seu órgão sexual masculino um osso, chamado báculo – osso, aliás, presente nos machos em diversos grupos de mamíferos, entre estes os cães, alguns primatas, roedores e até morcegos (no ser humano, masculino a evolução não deixou que tivéssemos nosso osso número 207).

Aqui e acola ouvia-se em Caxias a expressão “Essa foi de quati”, para referir-se a uma ocorrência ou situação “dura”, difícil, trabalhosa. Há expressões assemelhadas, como “É osso!” e “Ossos do ofício”.

Saudades, meu amigo Arthur Carlos da Cunha.

* EDMILSON SANCHES