ALAPG: UMA ACADEMIA, DOIS ANOS*
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Toda instituição é mais velha do que a idade nos papéis que a documentam. Porque uma pessoa jurídica, antes de ser “jurídica”, é “pessoa”. Assim, uma entidade, em especial uma voltada e devotada às coisas e causas das Letras e Literatura, da Arte e Cultura, uma entidade dessas tem a idade da vida, da experiência, da boa vontade, da capacidade de trabalho, dos sonhos daqueles que a integram e dos demais que por ela torcem, a ela auxiliam, com ela realizam.
Desse modo, os dois anos da Academia de Letras e Artes de Praia Grande (ALAPG) neste 21 de setembro de 2020 são uma data formal, um registro de ata, uma referência no Estatuto, um campo preenchido em formulário de órgão público fazendário. A ALAPG, como toda Academia, “absorve”, por assim dizer, a idade, a História da cidade, a historicidade do lugar em que se criou e ao qual deve servir.
Praia Grande, no litoral de São Paulo, é a quarta cidade – após São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis – que mais recebe turistas no verão, época em que, antes da pandemia, cerca de 1,9 milhão de pessoas vêm se somar aos mais de 320 mil moradores do município, espalhados, ou comprimidos, em menos de 150 quilômetros quadrados (km2) de área total – o que perfaz uma notável densidade demográfica de mais de 2.216 pessoas por km2, mais de 89 vezes maior que a densidade do Brasil, de 24,88 pessoas/ km2, segundo meus cálculos, com números populacionais de 2020, do IBGE. Em habitantes, Praia Grande é o 26º maior município entre os 645 do Estado de São Paulo, e o de número 93 entre os 5.570 do Brasil.
A economia praiana pré-coronavírus mostra pujança, com quase R$ 7 bilhões anuais e movimento nas instituições financeiras locais de mais de R$ 1,4 bilhão em financiamentos e R$ 1,7 bilhão em depósitos, caso incomum de município cujas pessoas (físicas e jurídicas) têm mais dinheiro nos bancos do que deles recebem em operações de crédito. Praia Grande é a 51ª maior economia entre os 645 municípios paulistas e a de número 152 entre as 5.570 cidades brasileiras.
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A ALAPG, portanto, principiou bem antes do seu registro de nascimento e nasceu bem antes de seu início. A Academia estava ali, na mente, alma e coração de seus fundadores, antenas humanas que captavam o “éthos”, o “lógos”, o “locus” praiano.
Como o antigo objeto grego “súmbolon” (de onde veio a palavra “símbolo”), no pré-21 de setembro de 2018, cada acadêmico fundador tinha ou era uma parte desse objeto-símbolo, e precisavam juntar-se para, à maneira do “fiat” no Gênesis, fazer acontecer a ALAPG.
A ALAPG sabe que trabalho(s) não lhe falta(m) em Praia Grande. Uma Academia não é um clube de serviços, mas, se for, deve ser menos clube e mais serviços. A cidade precisa, sua população merece.
Há caminhos a percorrer – tanto aqueles que a própria Academia os irá abrir, quanto outros que, simbolicamente, já os recebeu feitos, como o caminho por onde caminharam os pés e a vontade jesuítica do padre Anchieta no rumo de Itanhaém.
À ALAPG há desafios a superar, e outros a lhe serem criados. Interna e externamente à Instituição, assomam carências que exigem que os Acadêmicos assumam compromissos. Afinal, um município que é grande a partir do nome deve ter um sem-número de necessidades, em especial no segmento da Cultura, da Arte, da Literatura, da Leitura – áreas que, ao final, são as que darão e dirão a Praia Grande sua Identidade enquanto ajuntamento humano, terra de gentes, (re)união de pessoas. Enquanto o burburinho de seres humanos e da Economia dão um sentido de utilidade para as pessoas, a Cultura procura organizar essa movimentação para dar-lhe ou nela descobrir um sentido de identidade, algo como um fio, um cambo, uma fieira invisível que fez unir, ligar tantas gentes em um só lugar.
É a Academia que faz isso. Antes de serem autores e leitores de livros, Acadêmicos são leitores de pessoas. Eles, como antenas com alma, captam as irradiações, vibrações, energias que são emitidas por todo vivente, do bebê que se gera ou nasce àquele que, com um olhar de amor ou dor, morre.
Acadêmicos são cuidadores da alma de um povo, organizadores, fixadores e fortalecedores da identidade de uma cidade. Seus textos nunca são só ficção – pois esta é uma maneira de dizer ou revelar certas realidades. Suas linhas nunca são só poesia – pois esta tanto pode ser sobre a rosa que fala ou o odor seu que exala quanto podem ser estrofes, versos, palavras, vozes afiadas como espadas que, em vez de matar, denunciam, incitam, excitam, rebelam-se. “Letras não são só cantiga de ninar, mas, também, toque de despertar, sinal de alarmar, hino de guerrear, canção de cantar vitória”.
Para ser mais cidade, uma Academia tem que ser menos... academia. Explica-se: em remota origem, o nome “academia” é formado de “aká-” (fora, distante) e “-dêmos” (povo), alusão ao local – distante da cidade – onde, em Atenas, situava-se o jardim e mansão do herói Academo, onde, mais tarde, provavelmente no ano 387 antes de Cristo, Platão fundou sua Academia, escola de filosofia.
Portanto, que uma Academia seja distante apenas na etimologia. No relacional e até no locacional, que se aproxime ao máximo das pessoas e de seus sonhos, vontades e necessidades, de onde se extrairão os elementos/sentimentos a serem convertidos em prosa e verso, imagem e som, Literatura e Arte(s).
Que a Academia, por honorabilidade, abdique da reverência; mas, pelo trabalho, torne-se referência.
Que a Academia, por documentar e conservar, fazer e criar, seja em igual tempo museu e laboratório, pensamento e ação, contemplação e trabalho.
Que a ALAPG, nos dias que hão de vir, navegue para além do “mare nostrum” do brasão praiano, do mar – particular – tirreno ou da grandeza mediterrânica, oceânica.
Longa vida à Academia de Letras e Artes de Praia Grande! A ela e à sua cidade, mulheres e homens dedicam parte de seu tempo e talento, esforço e saúde, intenções e trabalho. Há muito tempo que cidades dispensaram heróis, míticos ou reais, portadores de olhos flamejantes, mãos radiantes, beleza deslumbrante.
Os heróis de agora portam pás, carregam pedras (sem serem Sísifos). Plantam e edificam.
Heróis de hoje também pegam da pena ou do pincel e peneiram os sentimentos, transferindo-os para papel e tela (da pintura ou do computador). Inspiração e ação.
Assim, vai-se tecendo o tecido social com que todos nos vestimos, nos protegemos e, por meio do qual, como as antigas capulanas, também comunicamos o que nos devem, o que queremos, o que não aceitamos.
Para a ALAPG e para toda Academia, dois anos já são alguma coisa.
Não são só um mais um.
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Com os cumprimentos à presidente Sonia Maria Piologo, escritora e enfermeira da Marinha Brasileira, e ao vice-presidente, "padrinho" e colega administrador e consultor Edson Santana do Carmo, esta homenagem do menor e mais recente de seus membros à Academia de Letras e Artes de Praia Grande.
* EDMILSON SANCHES
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Imagens:
Brasão da Academia de Letras e Artes de Praia Grande e fotos de alguns aspectos urbanos, na orla do município, no litoral do Estado de São Paulo.