Eu me lembro dele. Conheci-o no Rio, no Grajaú, na residência do meu amigo Neiva Moreira. E entre nós a boa amizade. Com ele, um resto de comunismo. Comigo, inteiro, o integralismo. Eu continuei. Euclides, soube depois, abandonara a ideologia subversiva. Na época da nossa apresentação, o parente de Neiva participava das lutas oposicionistas. Encontrava-me nela. E, entre nós, nasceu a camaradagem. A amizade. O companheirismo. Euclides estava integrado na luta oposicionista do Maranhão. Era, assim parecia, uma contribuição fortíssima. Homem do interior. Do sertão. Trazia consigo a força de uma convicção política: ajudar a rebentação do situacionismo maranhense. Sentia-se isto em Euclides Neiva.
Euclides regressou. Eu fiquei no Rio. Estava mos “Diários Associados”. Pertencia ao quadro redacional de “O Jornal”. Ensaiávamos a reportagem. Os anos se passaram e sempre o Neiva me falava do “parente e amigo”. Um dia, deixamos a Guanabara e voltávamos com um endereço certo: ‘trabalhar no “Jornal do Povo”, entrar na luta oposicionista. Dar um máximo da nossa contribuição. E foi, na redação do referido matutino, que me reencontrei com Euclides Neiva.
Ele estava no jornalismo. Escrevia um artigo diário. Inteligente. Escrevia bem. Um estilo próprio. Agradável. A descoberto, investia sempre criticando os erros dos maus governos que temos dito. E estávamos sempre juntos. Sempre na Redação, conversando, trocando ideias. Juntos lutando, juntos ajudando a luta do povo, a luta oposicionista.
Um homem bom. Bom amigo. Preocupado sempre com a família. Preocupado sempre com a política. A sua política do interior. O seu prestígio, a sua “liderança partidária”. Tinha o seu campo de ação. Tinha seus planos íntimos. Sempre agitado. Sempre criando situações difíceis para ele, para a sua política, seus interesses na “política maranhense.
Era assim. Fora disto um homem simples, um homem inteligente, mantendo a boa conversa. Sabendo fazer amigos fora da área política. Nesta, havia inimigos “perigosos”. Era um homem de luta. Lutava a seu modo, a sua maneira. Esteve algum tempo residindo em São Luís. Não nos visitávamos. Mas onde nos encontrávamos havia o registro das atenções, da amizade sincera. Muitos anos assim.
Sempre reservei para ele um especial cuidado. E foi no “Instituto Raimundo Cerveira” que vim conhecer uma de suas filhas, a poeta Venuza Neiva. Uma amizade sadia. Festa do espírito. Mas com Euclides sempre o encontro amigo. Mas teve um instante que o perdi de vista. Euclides depois surgia no cenário político do Maranhão com um diploma de deputado. Deputado estadual. Não era mais oposicionista. Fixara-se no situacionismo. Uma atitude dele. Não senti mágoas. Os homens são livres e responsáveis por si. Pensei que esta nova posição política do meu amigo Euclides Neiva o afastasse de mim, da amizade, da atenção. Entretanto, Euclides rompia com as “reservas”. Continuava a ser o mesmo. Sempre quando nos via, sempre havia o registro da camaradagem.
Mas há muito que não mantínhamos a palestra íntima. Não houve mais a oportunidade. Mas, de quando em vez, encontrava-me com ele lendo seus artigos. Era Euclides Neiva numa outra fase política de sua vida. Resolvera permanecer, não mais alterar a sua conduta política. Hoje, relembramos Euclides Neiva. A notícia de sua morte causou-nos tristeza. Euclides estava na campanha do candidato situacionista. Estava na luta, a sua luta. Estava firme. Tudo nele vida, tudo nele esperança. Tudo nele uma vontade determinada de cumprir com a sua valiosa colaboração. E justamente quando se encontrava no seu posto de combatente, eis que a fatalidade o arrasta da vida. Arranca-o da vida. Seu corpo forte, suas reações físicas foram contaminadas pelo veneno terrível de um ofídio. Euclides sentiu, certamente, o desmoronamento. E lutou como pôde para sobreviver! Não se entregou de todo. Seu temperamento não permitiu, assim pensamos, aceitar o “perigo iminente” sem que dele houvesse a reação heroica, a bravura da resistência. Mas Euclides deixou de viver. Seu coração parou em Montes Altos. Seus olhos se fecharam para a vida. Seus olhos foram se abrir depois para a Eternidade.
Nesta página, estou vendo o amigo. O jornalista. O oposicionista que foi Euclides. O idealista que foi Euclides Neiva. Não há lágrimas nos olhos. Há a névoa da incompreensão. Mas, há na VIDA, a caminhada trágica para a MORTE. Com este pensamento, a melhor maneira de sentirmos a falta de Euclides Neiva.
Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 2 de outubro de 1965 (sábado).