Skip to content

A última referência de Odorico Mendes*

Quem primeiro me falou de Maurice Druon foi Josué Montello, em casa do escritor e jornalista José Erasmo Dias, no gueto dos Apicuns, ou Quinta de Val de Gatos, em São Luís, quando ele, o autor de “Os tambores de São Luís”, era reitor da antiga Fundação Universidade do Maranhão, cuja conversa depois se estendeu para bem longe, quando eu cumpria estudos em Direito Penal Comparado, como estágio de minha formação, na Universidade de Paris [Parthenon I da Sorbonne], e ele, Josué, por feliz destinação, como embaixador do Brasil na Unesco.

Confesso que as minhas conversas a respeito de Maurice Druon se intensificaram depois, com as do estimado professor Raymond Cantel, “Directeur de l’Institut d’Études Portugaises et Brésiliennes de la Sorbonne Nouvelle”, a quem dera, certa vez, para ler os originais do meu estudo sobre o poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage, intitulado “Elmano, o injustiçado cantor de Inês”, cujo vate o mestre conhecia perfeitamente, retribuindo-me o gesto com uma bela apresentação sobre o trabalho, o qual o tornei público muito tempo depois, ao lançar o livro em Setúbal, Portugal, cidade de nascença do grande poeta português, considerado o maior sonetista da Península Ibérica no século XVIII.

Sendo ele, o professor Raymmond Cantel, doutor em Literatura Portuguesa e Brasileira e sabendo que eu era do Maranhão, conterrâneo, portanto, de Odorico Mendes (1799-1864), o digno clássico e humanista brasileiro, tradutor de Virgílio e Homero, e bisavô do não menos ilustre francês Maurice Druon, ficaram mais abertas as conversas. Foi por essas citações que fiquei cativo à admiração desse ilustre franco-brasileiro, - o genial autor de “O menino do dedo verde”.

Pois bem, Maurice Druon nasceu em Paris, em 23 de abril de 1918. Era bisneto do escritor maranhense Odorico Mendes pelo lado materno; era sua mãe neta do tradutor de Virgílio, vez que, pelo lado paterno, Druon era de origem russa. Com seu tio Joseph Ressel, escreveu o “Canto dos Partidários”, musicado por Anna Marly, o qual, depois, veio a ser o “Hino da Resistência Francesa” contra o nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial, na qual o escritor combateu. Deixou a França em 1942, atravessando, clandestinamente, Espanha e Portugal para engajar-se nos serviços de informações da chamada “França Livre”, em Londres, com De Gaulle de quem era grande amigo, passando, depois, a correspondente de guerra na África do Norte.

Maurice Druon recebeu a “Grande Cruz da Legião de Honra”, sendo comendador das Artes e das Letras e de outras que lhe foram outorgadas pelo Estado francês. Foi eleito para a Cadeira 30 da Academia Francesa sucedendo a Georges Luhamel, de cuja Instituição foi secretário perpétuo, renunciando a função em favor de Héléne Carrére.

Foi ainda Maurice Druon, a serviço de seu país, ministro da Cultura da França, no gabinete de Pierre Messmer, sob a Presidência de Georges Pompidou. Celebrizou-se na pasta por não ajudar, como dizia, ‘subversivos, pornográficos e nem intelectuais terroristas’.

Suas produções de grandes destaques são a obra infantojuvenil “O menino do dedo verde” [“Tristou les pouces verts”], o qual dom Marcos Barbosa teve a felicidade de traduzir como já o fizera com “O Pequeno Príncipe” [“Le Petit Prince”], de Antoine de Sant-Exupéry, piloto e também herói na Segunda Guerra Mundial; e mais “As Grandes Famílias”, conjunto de sete livros, que recebeu o “Prêmio Goncourt” em 1948, e foi a obra ocidental que teve a maior penetração na antiga “Cortina de Ferro”, por ser o autor, como já disse, de descendência russa por parte paterna.

Sobre a sociedade francesa, Maurice Druon analisou-a em “As Grandes Famílias” (1946), “A Queda dos Corpos” (1950) e “Encontro nos Infernos” (1951). A obra literária de Druon inclui, ainda, o ciclo “Os Reis Malditos”. São eles: “O Reino de Ferro”, “As Rainhas estranguladas” e “Alexandre, o Grande” (todos de 1958) e “As Memórias de Zeus” (1963). Na dramaturgia, escreveu “Um Viajante” (1954) e os ensaios lítero-políticos: “A Condessa” (1961) e “A Cultura e o Estado” (1985).

Maurice Druon foi mais afortunado do que seu bisavô; enquanto este morreu num vagão de trem em Londres, aos 65 anos de idade, o bisneto morrera em casa, aos 91 anos bem vividos, cujo anúncio foi dado por Madame Héléne Carrére d’ Encausse, secretária perpétua da Academia, aquela em que ele renunciou a seu favor, e que disse, depois de fazer aos jornalistas presentes, estas observações: “Morreu a memória da França”.

Só faltou mesmo a escada de flores tocada por “Tistu”, o menino do dedo verde, e roída pelo pônei, com quem ele brincava, para torná-la em botões de rosas douradas, por onde subiria Maurice Druon ao encontro de Odorico Mendes, para segredar-lhe, por fim: “Aqui estamos juntos na Casa-que-brilha”.

* Fernando Braga, in “Conversas Vadias” [Toda prosa]. Antologia de textos do autor.

Ilustrações:
Foto do escritor Maurice Druon; e foto do autor destas linhas, no “Salão da Luz”, da Universidade de Paris [Sorbonne], quando da entrega dos certificados en “Stage de Droit Penal”, em 16 de julho de 1986, oportunidade em que cumprimentava seu conterrâneo, o escritor Josué Montello, embaixador do Brasil na Unesco, referido neste artigo.