O que está aí é uma prática porca. Uma porcaria
– Por que são chamados de “ladrões” os que estão no Poder?
– A política que aqui se faz não é a política que deve ser feita. Faz-se a política estética, não a política ética. A estética oferta (na verdade, empurra) imagem, máscara, encenação, disfarce. Sua cidade é cenográfica. É vazia de substância e sentido. Seus fazedores sabem que são enganadores. São virtuais, mas não virtuosos. Viverão pouco, mas iludem-se achando que são eternos. Não sobreviverão para a História, exceto como um bom exemplo... a não ser seguido.
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Estive anos atrás na Universidade Estadual do Maranhão. A convite, fui falar sobre “Ética e Desenvolvimento” para alunos e professores. Convidados especiais, inclusive empresários, também presentes. Este é um texto que escrevi à época.
A palestra teve excepcional receptividade. O que era para ser 60 minutos estendeu-se por mais de duas horas. Das 20h às 22h30 alunos, professores e convidados mantiveram-se firmes e, com isso, pagaram o salário invisível de quem fala: a atenção de quem escuta.
Diversos estudantes pediram-me para transformar em texto o que verbalmente lhes fora repassado. Assim, puxei da memória um pouco do que falei, que vai escrito a seguir.
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Falar de ética é, também, falar de esperança. Esperança em algo melhor. Todo ser de esperança é um portador de intranquilidades.
O ser humano ético-esperançoso é alguém que tem muitas ansiedades e algumas angústias. Para esse ser, esperança não é comodismo ou covardia disfarçados de virtude.
Longe das teses acadêmicas (relevantes, embora extenuantes), entende-se ética, aqui, como um conjunto de hábitos, atitudes e outros comportamentos tidos como positivos, justos, adequados.
Ética é o BBB – o Bem, o Bom, o Belo.
Pode-se afirmar sem medo de erro: É a falta de ética que está destruindo o ser humano e a natureza; é ela a raiz da pobreza, da miséria, das desigualdades. Simples assim. Por dispensarem os conceitos e ações éticas e por ambicionarem o dinheiro, o patrimônio, a fortuna, o poder a qualquer custo, certas pessoas incertas – como políticos, governantes e outras autoridades, além de gente da iniciativa privada – estão arrasando a humanidade.
Tem algo de muito errado em um mundo que gira cerca de 120 trilhões de dólares... ao lado de miseráveis, pedintes, esmoleres, esfomeados, doentes.
Tem algo de muito errado em um país (o Brasil) que não sofre terremotos, maremotos, furacões; um país que tem unidade territorial, linguística e religiosa; que tem subsolo rico, solo fértil, diversidade natural exuberante, extensão territorial continental... e ainda é um dos cinco piores países do mundo, com seus obscenos índices de desigualdade.
Tem algo de muito errado em um país onde, pelos dados e declarações oficiais, 85% (escreva-se: oitenta e cinco por cento) das prefeituras são corruptas ou cometem algum tipo de desvio; onde 75% (setenta e cinco por cento) do dinheiro da educação não chega ao professor, ao aluno, à escola, por desvios entre os órgãos federais até os municipais; onde quase R$ 700 bilhões já foram desviados, segundo processos na Justiça; onde 20% de todo o orçamento do governo é destinado à corrupção. Isso tudo está nos jornais e está na Justiça.
Tem algo de errado num Estado (o Maranhão) com uma das melhores qualidades de terra e de reservas hídricas (água), com localização estratégica... e ainda padecer humilhantes classificações em seus índices sociais e econômicos.
Tem algo de errado em um município (Imperatriz) que, embora seja um dos cem maiores em quantidade de gente, é um dos piores em qualidade de vida dessa gente (posições 2.313 e 2.583 em exclusão social e desenvolvimento humano). Onde as maiores ações é a adequada elaboração de promessas, compromissos, retórica e justificativas. “Media event”.
Esse “algo de errado” é, insista-se, a falta de ética, que leva à insensibilidade social, à apropriação de espaços e recursos públicos para a manutenção e ampliação de poder e patrimônio.
Não é sem fundamento que, quando aplicam a pecha de “ladrões” em incertos políticos, autoridades e governantes, o povo, talvez sem saber, está acertando em cheio. A palavra “ladrões” vem do latim “lateronis”, nome dos soldados que ficavam ao lado, isto é, nas laterais, dos reis e imperadores. Por estarem tão próximos ao poder, os “lateronis” davam-se ao luxo de roubar descaradamente coisas dos cidadãos comuns. Quem iria denunciar ou brigar com aqueles soldados altos, fortes, armados, gente do poder, amigos do rei?
Assim, começou-se a chamar “lateronis” a todos aqueles, soldados ou não, que tiravam, roubavam, furtavam. E no processo de evolução das palavras, “lateronis” virou “latronis”, que, em português, transformou-se em “ladrões”. Simples assim.
Portanto, ladrões são, desde a origem, certo tipo de gente que está no Poder. Reveja, leitor, os números nos diversos parágrafos acima e reconfirme o que a História e a Etimologia demonstram.
Ética não é frescura. Ética não é santidade ou santificação. Ética é para pessoas normais.
Ética é uma opção. Ou o mundo opta por uma existência ética... ou não existirá.
Ou governantes, políticos e autoridades reconsideram a via ética ou, então, abdiquem explicitamente da hipocrisia, do falso moralismo, da máscara, e entreguem-se ao Diabo, admitindo: o Mal venceu. E esbaldemo-nos todos, locupletemo-nos juntos.
Quantos seres humanos de hoje resistiriam àquela oferta do Capeta a Cristo, registrada por Lucas (capítulo 4, na Bíblia)? Reinos, poder e glória – tanto e tudo, apenas por uma adoraçãozinha? Que gentes de hoje diriam: “Vade retro, Satanas!” (Afasta-te de mim, Satanás!)
Por muito menos que reinos homens têm feito a opção pelo mal.
Por muito menos, governantes tornam-se genocidas, por roubarem o que deveria ser aplicado em favor da maioria miserável.
Por muito menos, profissionais empertigados, mascarados, se colocam à disposição de poderosos antiéticos e seguem sustentando o que eticamente é insustentável, em um jogo perverso de dissimulação e faz de conta, incensando o que e quem não presta com ações, escamoteações e, especialmente, com omissões. “A omissão é o pecado que se comete não cometendo”.
Tenho afirmado, recorrentemente: não há desenvolvimento sem conhecimento – conhecimento ético, inclusive.
Sócrates ensinava que a ética estava no conhecimento: ser virtuoso é ter saber – eis a máxima socrática.
Platão foi adiante e agregou o componente social: mais que boa pessoa, deve ser bom cidadão, e é na vida em sociedade que isso se justifica ou materializa.
Aristóteles fala-nos de felicidade como bem humano supremo.
Os estoicos, como Zenão, fala-nos de dever e de responsabilidade.
Epicuro junta o prazer – mas o prazer “light”, “soft”, comedido.
Plotino leva-nos à divindade como destino final do ser.
Aqui, saltam-se muitos anos na História e muitas teses nos estudos e chegamos a Nietzsche e sua “ética dos valores”. Valores são atemporais e inespaciais. Também não se quantificam. Valores não são. Valores valem. O ser humano pode não os adotar, mas eles, aprioristicamente, estão, existem. Valores não são apreendidos pela pessoa: esta é que é presa por eles.
No princípio era o Verbo. O verbo se fez carne, fez-se ser, gente. E esse ser (humano) carrega dentro de si a essência do que ele é: o verbo. “Somos as palavras que moram dentro de nós” (Rubem Alves).
Se políticos, autoridades, governantes têm em si, em sua mente, como ideia fixa, subjacente, subliminar, ainda que disfarçadamente, palavras como “poder”, “dinheiro”, “riqueza”, “ter”, “comprar”, “eu”, “eu primeiro”, se é isso que perpassa nos ocultos submundos mentais dessas pessoas com cargos e mandatos, é isso que elas são, é isso que elas, mesmo minoria, vão sempre querer... e é isso – poder, dinheiro, riqueza... – o que faltará à maioria.
A política que aqui se faz não é a política que deve ser feita. Faz-se a política estética, não a política ética. A estética oferta (na verdade, empurra) imagem, máscara, encenação, disfarce. Sua cidade é cenográfica. É vazia de substância e sentido. Seus fazedores sabem que são enganadores. São virtuais, embora não virtuosos. Viverão pouco, mas iludem-se achando que são eternos. Não sobreviverão para a História, exceto como um bom exemplo... a não ser seguido.
A política necessária ainda não existe. Ela é uma promessa, uma esperança – e o que está aí é uma prática, uma prática porca.
Uma porcaria...
* EDMILSON SANCHES
(escrito e publicado em outubro de 2014)