GUANABARA – 14 – Com cinco horas de voo, chegamos e, diante de nós, a cidade histórica de São Sebastião na iluminação da noite. E lá em cima, no alto do Corcovado, a imagem do Cristo Redentor. E tudo o mais tinha, para nós, a festa do encantamento do Espírito e, dentro de nós, um mundo de pensamentos que desfilavam numa sequência de recordações a fixar, para nós, todo um tempo que aqui passamos, vivendo na “terra estranha”, lutando desesperadamente para garantir a sobrevivência. Mas, para que estar recordando tantas coisas que ficaram tão distantes e que, só para nós, tem a valorização do nosso sentir e a força sentimental de recordar, de reviver tudo que vivíamos aqui no exercício da nossa profissão, dentro das redações de jornais, escrevendo notícias, comentários e redigindo reportagens? Para quê? Interessa, agora, é estarmos aqui, aqui na Guanabara, aqui neste Rio de Janeiro, olhando e sentindo este seu PRESENTE, este HOJE que tem um muito de realizações e de trabalhos edificantes. Interessa estarmos aqui vendo tudo que o Carlos Lacerda está fazendo, fazendo de verdade, fazendo de fato, embora esteja, com reprovações de muitos, dos seus adversários, utilizando uma “terrível política”, a dos impostos. Mas mesmo assim a opinião geral, do povo, é que Lacerda é “um grande administrador”. O certo é que há por toda a parte a presença de realizações que denunciam a coragem cívica do governador e o sentido profundo da sua grande capacidade de trabalho.
Em toda a cidade, há a presença de obras que marcam de maneira inconfundível esta verdadeira “batalha de realizações” comandadas que estão sendo pelo governador Carlos Lacerda. Até mesmo os seus adversários, reconhecem esta “frente de luta” do governador da Guanabara. E dentre tudo que tem feito, que está fazendo, uma obra se destaca e seria, talvez, o bastante para justificar a presença de Lacerda no Executivo do Estado da Guanabara – o problema da educação. Hoje, não há crianças sem escola. E estas se multiplicaram. Problema resolvido. Caso liquidado. Este realismo dá ao governador uma grande percentagem de “grandeza e de ação administrativa”.
E o político que há em Carlos Lacerda encontra, agora, na apreciação de muitos, discordâncias, mas estas têm o conteúdo dos interesses políticos e partidários de cada um. Ajudando a fazer a chamada “Revolução Democrática”, o líder udenista, com os seus impulsos, suas determinações, forçou uma UDN desfigurada, sem unidade partidária a oficializar a sua candidatura à Presidência da República. Essa posição lacerdista dividiu mais a UDN e deu à política nacional, ao que nos parece, novos rumos, alimentando a esperança de que haverá, em 65, a realização das eleições. Empurrando Magalhães Pinto para a cerca das “inconveniências”, deslocando o governador de Minas para uma posição incômoda, o governador Lacerda (opinião de muitos políticos das cúpulas partidárias) firmou uma posição de destaque e atraiu, para si, as atenções doutras “alas” partidárias, conseguindo uma apreciável ajuda, visando assegurar, de logo, uma melhor situação e impondo uma orientação mais definida.
Entretanto, tais aspectos sofreram modificações sensíveis, oriundas dos “atritos” que surgiram entre o governador da Guanabara e os doutros do Supremo Tribunal Federal. E, logo a seguir, os ataques dirigidos pelo líder udenista contra a política financeira do presidente Castelo Branco. Tal atitude provocou reações por parte do presidente da República e encontrou resistência do lado dos setores atingidos. E, já agora, para o ministro da Guerra, general Costa e Silva, o governador Lacerda “rompeu com a tal revolução de 1º de abril ou 31 de março”, conforme o “apetite” dos historiadores revolucionários.
De qualquer maneira, Lacerda está na luta. E nos parece que não poderia ele tomar outro caminho, defendendo esta política desastrosa do ministro da Fazenda. Nenhum candidato contará com o apoio popular, com o apoio das classes produtoras, achando que esta situação financeira que aí está é, pelo menos, ótima. Nada. Há, em progresso, o esquema inflacionário. Há, em desenvolvimento, o alto custo de vida. Há, em crescimento, todo um estado de desordem administrativa neste intricado mundo das finanças. E Lacerda, candidato, não poderia deixar de atacar esta brutal realidade que aí se depara e que está a exigir de Castelo Branco outra “ordem de serviços’ para conter a inflação e dá ao povo, sem mais demora, um padrão de vida mais recompensador. Lacerda, agora, arrefeceu a sua campanha, e seus assessores dizem que, em março de 65, ele voltará mais impetuoso. É que o momento, informam alguns de seus auxiliares, requer uma melhor prudência.
E aí temos estes aspectos da política nacional. Outros escrevendo e, em todos, procurando dar um informativo exato desta confusa política revolucionária com uma “linha dura” atuando preponderantemente e pressionando a todos e o próprio presidente da República.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 19 de dezembro de 1964 (sábado).