Era assim que nós o chamávamos. Nascimento Moraes, nosso Pai e primo dele, não aceitava outro tratamento. Crescemos submetidos a esse acolhimento mais do respeito que da amizade. E mais: a bênção. Toda a infância assim: “A bênção, tio Lourenço!” Dele, a seriedade. O trato familiar. O registro das atenções. Muitos anos assim. Depois, veio a libertação: Lourenço. Mas junto, fortalecendo o respeito, a amizade, o amigo, o companheiro, a festa da cordialidade. Estava na família, integrado nela através de muitos anos. Amigo do Nascimento Moraes. Era o primo mais ligado a ele Lourenço. Crescemos. Lourenço envelhecia. Uma velhice tranquila. Moço, sabemos, esteve na vida pública. Esteve participando do desenvolvimento da vida intelectual da cidade, desta São Luís, deste Maranhão.
Sabia separar o joio do trigo. Sabia onde estavam os valores positivos da terra. Onde estavam os tabus. Sabia analisar, criticar. Nele, o talento. Nele, a inteligência, fulgurante até. Esteve no presente nas campanhas políticas, estava na agitação da vida, da vida de todos. Dele, apenas, esta integração admirável. Mas, nele, o poeta, a alma sensível. A alma no esbanjamento da vida, da vida em boemia.
Toda a sua vida no exercício de várias funções públicas. Toda a sua vida na vida da cidade, na vida dos intelectuais de seu tempo, dos intelectuais do nosso tempo. Dos moços de hoje. Dos intelectuais de hoje. Sempre com os jovens, com os velhos, com todos. Era assim Lourenço de Moraes que faleceu na manhã de 9 do corrente mês, na residência de uma de suas irmãs, na Rua Iracema, no CÉU, ali nas proximidades da Vila Passos.
Na véspera, conversava com seus familiares. Contava histórias de seu tempo. Relembrava a família. Fazia um descritivo sobre o que era, antigamente, a festa de Nossa Senhora da Conceição. Tudo nele ainda vida. Ainda a resistência. Dentro dele, a asma. A doença crônica. Mas, com ele, a sua alegria de viver, de continuar. Estava na sala. Conversava. De momento, o coração para. Não mais a vida. Com ele, a Morte. Seus olhos se fecharam. No caixão de madeira, simples, pobre como ele, Lourenço Moraes, o tio Lourenço dormia. Dormia para sempre. Tranquilo. Sonhava. No rosto, a impressão do homem feliz. Tudo nele ainda a vida saindo aos poucos. Saindo sem magoá-lo. Morreu assim.
Morreu Lourenço Moraes. Poeta simbolista. Prosador de grandes recursos. Nele, o crítico. Nele, a crítica séria. Nele, a intransigência. Mas nele, sempre, a mensagem da melhor compreensão, da colaboração afetiva. Estava na cidade. E a cidade era a sua razão de viver. Estava nos bares. Nas reuniões literárias. Participava. Dele, os improvisos marcantes de sua personalidade. Nele, a vibração das nossas tradições de cultura, de inteligência.
Boêmio. Boêmio do espírito, da alma aberta, sentimental. Das serenatas, dos “violões chorosos”. Uma vida da Ilha, da cidade. Era assim. Lourenço Porciúncula de Moraes.
O tio Lourenço. E amanhã, quando alguém se predispuser a contar a vida literária da cidade, na década dos 60 anos, tem que registrar em letras de forma o nome do inesquecível Lourenço de Moraes.
Deixou páginas imorredouras nas rodas intelectuais desta sua querida São Luís. Amava a Ilha REBELDE. Amava o Largo do Carmo. Era a alma e o corpo, o enamorado das nossas noites enluaradas, vestidas de sonhos. Era assim Lourenço. Lourenço que, aos oitenta e poucos anos, deixou a vida, saiu da cidade para ir se encontrar com os imortais que já se foram e, para eles contar, a nossa história, a história dos que ficaram.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 14 de dezembro de 1969 (domingo).