Seu 70, escute, já se pode dizer que você está chegando, que já chegou, que já está preocupando a gente. Os seus detratores nem esperaram a véspera, nem mesmo adiaram o “falar mal” para depois da sua entrada triunfal, cheia de promessa e ornamentada de esperanças, as novíssimas, ou aquelas que foram registradas no 69 que aí está. Não.
Antes de você inaugurar as suas folhinhas, seus calendários, antes, contra você várias denúncias. Você vai encontrar muita gente na prevenção, desconfiada, sentindo receios e inquietações. É isso seu 70. Na área política nacional, entretanto, há lindas mensagens, encantadoras mesmo. O presidente Médice afirmou que você será um “ano decisivo”. Decisivo para o país, assinalado como um marco na arrancada para seu destino “referindo-se ao Brasil de grande potência mundial”. Quando você entrar na “reta final”, encontrará esta mensagem vitalizadora: sim, você será um não decisivo para o desenvolvimento do país, para a reabertura total do processo político-democrático. Gostou, seu 70?
Mas não fique tão eufórico. Contra você seus 12 meses, com as profecias, as gravíssimas acusações. Que horror, seu 70! Que calamidades você vem trazendo para todos nós, para o nosso Brasil, para o Brasil dos outros. Que coisa! Você vai chegar e, com você, o listão de “cassações” tremendas, inevitáveis, terríveis. Inevitáveis porque trazem a marca dum destino implacável. Muita gente vai morrer. Que mortes horríveis, seu 70! Muita gente morrendo em desastres de avião, morrendo no ar, caindo pedaços de vidas no Atlântico, no Pacífico. Sei lá mais onde. Muita gente, intelectuais, radialistas, jornalistas, ex-presidentes da República na trama da Fatalidade, da cilada da morte certa, intransferível. Você, seu 70, sepultando tanta gente, tanta gente que poderia ficar mais um pouquinho, demorar mais um pouco. Mas não, você vai chegar e, em chegando, santo Deus, tantas vidas, saindo da vida. Tantas vidas nos acidentes, nos desastres, nos tremores de terra, nos escândalos, no crime. Tudo isso com você, seu 70!
Com todas as profecias, o registro de todas as desgraças. Esta a balança mais carregada! Que coisa, seu 70. E não deveria ser assim. Poderia chegar “bonzinho”, chegar rindo, brincando com a gente. Chegar cantando um samba-canção repleto de felicidade, promessas de amor, a oferta de muitas Amélias do Ataulfo Alves. Sim, poderia chegar mais camarada, mais camarada mesmo, camarada sem Moscou e sem Pequim. Camarada no duro, fazendo o seu “esperto” de amizade, de companheirismo. Mas não.
Os astrólogos, os homens que decifram os astros, os que recebem as profecias ditadas por entidades que já foram, com este material humano, contra você, um mundo de denúncias. Mas será que você vai só trazer para gente esta porção de lágrimas, de gritos, de desesperos, de sofrimentos, e desgraças, de infortúnios?
Não basta o saldo negativo de 69? Sê amigo da gente, seu 70. Com as profecias, poucas coisas de grandiosidade você vai trazer. Mas há referências sobre maiores conquistas da Ciência, das curas científicas, dos processos científicos.
Sim, há notícias de grandiosidade e desenvolvimento. Há pouca que seja, um pouco de grandezas. Mas na maioria, no geral, Santa Bárbara, quanta infelicidade! Quantas crianças nas catástrofes, nos desastres de trem, de veículos, de avião. Quantos lares na tragédia da Dor, da Dor chorando, da Dor em farrapo, da Dor em angústia. Quantas desgraças, seu 70!
Mas será que você não poderá alterar isso para melhor? Será? Sim, é possível que você altere o quadro desses vaticínios e apresente outro, um muito de felicidades para todos. Uma paz definitiva para os conflitos que aí estão em ampliação, que aí estão inquietando, ameaçado com outra guerra.
Sim, é preciso que você venha mais nosso, amigo da gente, trazendo o bilhete de boa sorte par todos. Sim, é preciso contrariar os “doutores das profecias”. Desmoralizar essas previsões. Sim, é preciso.
Não, você vai nos atender. Olhe, escute, seja bonzinho, bonzinho mesmo. E ajude o presidente naquela sua afirmação: será você, seu 70, um ano decisivo para o país, sim, para todos nós, decisivo para as outras Nações. Decisivo para assegurar, isto sim, um mundo melhor para todos.
Seu 70, seja camarada.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 30 de dezembro de 1969 (terça-feira).