Com a sua morte, perdemos um amigo e o Maranhão um dos seus mais ilustres filhos, uma vida útil, uma vibração constante de inteligência, de amor à terra, este Maranhão que ele amava, este Maranhão que vivia nele, que estava dentro de suas lembranças, de sua vida de homem público.
E a notícia pegou-nos desguardado de qualquer pressentimento que marcasse, em nós, a presença dos maus presságios. E sabemos que ele estava na vida, na tranquilidade de seu lar, junto da esposa, dos filhos. Um lar cheio de alegria. Iluminado pela sua velhice tranquila. Nela, a expressão magnífica do homem digno, honesto, consciente de ter cumprido com as suas obrigações e com seus deveres: no lar e na vida pública. Inatacável. Tudo nele ordem, respeito, emoção, serenidade, honra, responsabilidade. Tudo nele certo.
E sabíamos que estava na vida. Na sua residência, na Urca. Esta certeza revigorada pela presença de uma de suas filhas, que aqui se encontra. Viera para conhecer São Luís, para visitar parentes e amigos de seus pais. Sim, estava aqui, há dias, a senhorita Glória Maria, filha do inesquecível amigo Paulo Martins de Souza Ramos e de sua digna esposa, sra. Maria de Nazareth Chaves. Sim, Paulo Ramos estava no encantamento de sua residência, estava vivendo os seus 72 anos.
Tudo nele uma mensagem de resistência. Tudo nele a grandeza do homem que lutou, que venceu, que conquistou honrarias, que, um dia, abandonou a Guanabara, o Ministério da Fazenda integrado numa comissão de trabalho, para atender a um chamado de Vargas para apresentá-lo como candidato ao governo do Estado.
Sim, Paulo Ramos estava vivendo. E, longe de nós, os maus agouros. Não. Mas a notícia foi chocante. Chegou-nos sem o “aviso prévio”. E, por instantes, ficamos olhando a professora Nadir Adelaide do Nascimento Moraes, amiga da família Paulo Ramos: “Paulo Ramos morreu”.
Ficamos no silêncio. Dentro de nós, as reflexões. A dor chorando sem a presença das lágrimas. Os olhos parados, perdidos nas distâncias. E, nas distâncias, ele, Paulo Ramos, o amigo, o maranhense ilustre. O ex-governador do Estado numa fase de agitações políticas regionais. Ele que chegava sem que dele se lembrassem os políticos da época, os deputados, os senadores.
Seu nome surgiu das listas que apresentaram para Vargas escolher o candidato que iria substituir, no Executivo maranhense, o dr. Aquiles Lisboa, o médico não menos ilustre. A fulguração intelectual por excelência. O cientista de Cururupu. Não. Foi Vargas quem deu golpe contra as preferências locais, afastou as cartas marcadas do baralho político de então, cancelou ambições de muitos, desbaratou planos, acabava de vez com os atritos e, sorrindo, o homem do Estado Novo apresentava para os maranhenses: “o dr. Paulo Martins de Souza Ramos”. Era Vargas encontrando a resposta válida para impedir a desordem política que parecia ameaçar mais, expandir-se mais.
E Paulo Ramos entrou em luta contra um processo político defeituoso. Enfrentou os adversários do progresso do Maranhão. Do desenvolvimento do Maranhão. Um governo duro, democrático, austero, honesto, realizador. Imprimiu um novo programa administrativo no Estado. Fez pressão contra os corruptos, os “subversivos”, os políticos retrógrados. Um governo realizando milagres. Construindo, plantando a boa semente. Um governo sério.
Com ele, a marca do Maranhão progressista. Nele, a valorização duma inteligência privilegiada. Nele, o orador fluente, culto. Nele, a autoridade inflexível. Nele, o homem de bem, a alma boa, o companheiro, o amigo. Era assim Paulo Martins de Souza Ramos.
Depois, veio a Interventoria. A mesma atitude. A mesma resistência. Com ele, o seu idealismo. E realizou. Suas obras ficaram marcando a sua presença no governo do Estado. O povo as conhece. E, ainda hoje, ouve-se do povo, da gente humilde, o povo que, tempos depois, assegurava, para ela, a representação federal, sim, do povo: “foi um grande governo”. Foi ele que instalou no Estado, na administração pública, uma fase de moralização administrativa. Ninguém poderá desmentir isto. Ninguém.
Mas ficamos olhando o vazio em torno de nós. Sim, Paulo Ramos deixara de viver. Um momento e seus olhos se fecharam para a vida, a sua vida, a vida de sua família, de seus filhos, de seus amigos. Um instante e não mais dele a palavra inteligente, o espírito alegre, a graça de seus humorismos, a conversa íntima, repleta de recordações, das lembranças da cidade, desta São Luís que sempre amou.
Um instante e ei-lo no caixão de pinho. Na iluminação das rosas, vestido de saudade. Sim, Paulo Ramos. O Maranhão perdeu mais um de seus filhos ilustres. Nós perdemos um amigo. E daqui em prantos, em desespero, a filha de volta para chorar no túmulo do pai amantíssimo, do pai amor, do pai desvelo, do pai amigo, o irmão mais velho da família, a sua família.
Paulo Ramos: esta é a homenagem da cidade, do povo, da intelectualidade maranhense. Não há lágrimas. Há a lembrança que ficará sempre na ronda das recordações.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 22 de fevereiro de 1969 (sábado).