E estamos diante do governador Newton Belo. Temo-lo de frente e, para ele, sem desespero, a página que escrevemos hoje. E há nisto, acreditem os nossos leitores, um grande esforço de nossa parte. É que tínhamos assumido um compromisso conosco mesmo: jamais nos preocuparmos com os homens e com os fatos relacionados com o governo de S.Exª.
Compreendemos que, boa ou má a crítica, o comentário não conseguiria atingir o ponto visado: oferecer ao governo a boa cooperação, a despretensiosa ajuda, apontando o que nos parecia errado, alertando-o para a execução de um programa de governo à altura das exigências que se fazem sentir, que está a impor aos homens que governam a prática duma administração séria, evoluída, assegurando, para todos, um melhor padrão de vida, uma melhor condição para que o Estado retomasse uma posição de relevo, de destaque entre os demais Estados da Federação.
Assim, afastamo-nos da política maranhense, da administração do Estado. Ficávamos todo este tempo olhando a paisagem e assistindo ao péssimo funcionamento da máquina administrativa do Estado. Entretanto, quis o governador que, hoje, quebrássemos o JEJUM e que, escrevendo, nos dirigíssemos para ele a fim de perguntar-lhe: “Exª, não vai V.Exª tomar mesmo nenhuma providência sobre o espancamento de que foi vítima o fiscal José Nascimento Moraes Filho? Vai mesmo V.Exª ficar na indiferença, na acomodação, prestigiando os mandantes do crime? Vai mesmo V.Exª atrair, para V.Exª, tão dura responsabilidade? Vai mesmo V.Exª consentir que o funcionário do Estado que cumpria as determinações do seu secretário de Finanças, pondo em execução o novo plano de fiscalização, aprovado pelo referido secretário e mesmo por V.Exª? Vai V.Exª apadrinhar os mandantes e garantir a impunidade para os surradores? Será que V.Exª está disposto a assumir a cumplicidade em vez de autorizar o prosseguimento do inquérito aberto que estava na Delegacia do 1º Distrito Policial, solicitado que foi, rigorosamente, pelo seu secretário de Finanças, sr. Jesus Neves Ribeiro? Será, V.Exª? Será que V.Exª preferirá a adjetivação áspera, violenta, mordaz, ferina, a esta outra que dignifica, que indica o fortalecimento moral dos homens dignos, que identifica a valorização do governante justo, independente, merecedor do acatamento e do respeito do povo que governa, dos amigos que têm, dos filhos que têm?
Será que V.Exª preferirá justificar o que de V.Exª pensam os adversários de V.Exª e, até mesmo, alguns amigos de V.Exª que dizem que V.Exª é um homem frio, sem independência política, sem possuir, com V.Exª, a fulguração dos homens justos, merecedores do desrespeito e da atenção dos concidadãos de V.Exª, do povo, das tradições luminosas daqueles que nos honraram com o Passado de tão grandes e imorredouras lições de civismo e profundamente humanas?
Será que V.Exª vai silenciar, justificando o que o povo e nós da família Nascimento Moraes já pensamos de V.Exª: um irresponsável, um governo sem condições para exigir do povo e dos seus auxiliares a prática dos bons costumes, da ordem, da respeitabilidade humana?
Será que V.Exª vai mesmo permanecer nesta criminosa passividade, dando a entender que não há, para V.Exª, a mínima importância de que um funcionário do Estado, no exercício do cargo, tenha sido surrado, recebido pontapés no rosto, recebido murros na cabeça, jogado no chão duro da estrada poeirenta, atacado por três facínoras, dois deles soldados da Polícia Militar do Estado, indivíduos pertencentes ao Destacamento Policial de Pedreiras?
Será que V.Exª, na sua condição de homem, e não mais de governo, não tenha V.Exª sentido revoltas íntimas ao saber do massacre sofrido por um fiscal de Renda do Estado que defendia os interesses do Estado, que estava a serviço de V.Exª?
Será que V.Exª vai mesmo fixar-se na sombra duma tolerância condenável, assumir a “paternidade” da tocaia que se armou contra o fiscal Nascimento Moraes Filho, só pelo fato de está sendo apontado como um mandante o pai do genro de V.Exª, deputado Raimundinho Sá?
Será que V.Exª aceitará a identificação de um governo sem idoneidade moral? Será que V.Exª que tantas vezes tem proclamado o “fortalecimento do governo” de V.Exª, resolvesse para não contrariar o pai do genro de V.Exª, retrair-se, deixar que tudo fique em nada, que não haja a identificação dos mandantes, que se esconda na peça do inquérito a participação do principal cúmplice: esse comerciante e deputado Francisco Sá? Será?
Bem, Exª, aguardamos o pronunciamento oficial de V.Exª. Ainda poderá haver de V.Exª um reexame de consciência e a determinação de firmar-se na opinião pública como um homem e um governo digno e justo. Sim, Exª, ainda poderá haver a recuperação de V.Exª. Poderá sim.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 18 de janeiro de 1964 (sábado).