Estou pensando em Telma, uma das filhas do meu irmão, prof. Raimundo Nascimento Moraes. Pensando na menina que estava na vida, que estava no lar de seus pais, que estava na alegria da sua inocência, que estava com seus irmãos e, tudo para ela viver, viver com suas travessuras, seus lindos sonhos, seus pensamentos alumiados de esperanças.
Ia fazer nova anos. Já cursava a 1ª série do Curso Primário do Instituto Raimundo Cerveira. Dos pais pobres e dignos recebia cuidados e atenções. Uma menina inteligente. Uma menina alegre. Um espírito inquieto. Gostava de brincar, uma alma na vibração da vida, vida criança, vida travessa, vida jogada no alarido da convivência com meninos e meninas da sua idade, seus nove anos.
E, com seus pais, certamente, os planos para o futuro. Olhando os filhos crescerem e, para cada um, um programa de realizações as mais encantadoras. Para cada um, o melhor pensamento, os bons presságios. Para Telma, talvez, vê-la formada com seu uniforme azul e branco exibindo, para eles, o seu diploma de professora.
Mas há sempre uma força estranha, desconhecida, uma interferência que chega e muda todos os sonhos, afasta todos os planos de soerguimento, estraga todas as mensagens de paz, de amor e inutiliza todos os caminhos para a subida, para chegar no fim da longa caminhada, na iluminação das realizações mais encantadoras. É isso. E Tema estava na “marcação” dessa interferência.
Ela brincava. O pai observava. E notou que a menina apresentava uma inchação sobre os rins. Chamou-a e fez interrogações. Não. Telma não sentia nada. Não sentia dores. Não sabia que havia aquele inchaço. Mas, com o pai, a preocupação. E Telma começou a viver o seu drama. Daí por diante, a sua vida foi submetida a uma série de cuidados médicos.
Mas ela sempre alegre, ela sempre risonha. Ela sempre foi da terrível realidade que a cercava. Médicos examinaram-na. Veio o melhor conselho: levá-la para o Rio. O pai fez tudo. E, pouco antes de Telma embarcar, sofre uma crise de apendicite. É levada para o Hospital Presidente Dutra. É operada.
Dias depois, ei-la em casa. Ei-la correndo na casa. Mas lá estava aquela inchação. A inchação preocupando os pais. Os amigos, os parentes. Mas, com Telma, a sua inocência, seu espírito vivo. E Telma recupera-se. Depois, realiza, em companhia de sua mãe, sra. Carmelina Duarte Moraes, a viagem para a Guanabara. As recomendações foram feitas. E ei-la no hospital do IAPC. Exames são realizados. E veio o diagnóstico: um tumor. Depois, com os especialistas, a dúvida. A princípio, surgira a existência de um quisto. Mas, depois, a revelação fulminante: CÂNCER. Agora, a indecisão para extirpar ou não o órgão afetado. Extirparam-no.
Telma sofrendo tudo isso. Telma sem um dos rins. A operação se processou normalmente! Telma sem saber da fatalidade. E Telma sai do hospital! Ei-la na sua inocência. Está agora em observação. Um milagre, para muitos, sempre acontece.
Telma criança pura, anjo, talvez acontecesse o milagre. Mas não. Passados alguns dias, volta ao hospital para novos exames. A doença progredira. Um caso sem esperança. Telma condenada. Não ia mais continuar a viver. Ia começar a sua caminhada de volta! Ia abandonar a terra. Deixar seus pais, seus irmãos, seus parentes.
Os pais sabendo do inevitável. No coração do pai, a dor do desespero. No coração da mãe, a dor chorando. Chorando em soluços. Mas Telma não poderia ver essas lágrimas.
E regressa Telma. Está na casa de seus pais. E piora cada vez mais. Tudo se faz para melhorar os sofrimentos da pequenina que não chora, que não geme. Que suporta tudo, que está se afastando da vida. Pais e parentes e amigos assistindo à tragédia da pequenina Telma. Nada mais se pode fazer para salvar Telma.
Aquele tumor que se plantou nos rins da menina trouxe, com ele, a vigília da Morte. Da fatalidade. Todos sentindo a resistência de Telma. Ela morrendo aos poucos, morrendo todos os dias. Todas as horas.
Não fui olhar Telma. Mas ia sabendo da sua resistência. Os seus nove anos na luta que não se vence... contra o inimigo que sempre ganha: a Morte.
E anteontem, às três horas da madrugada, Telma deixara de bater. Seu corpinho na posição horizontal. Seus olhos fecharam-se para sempre. Num caixão cheio de flores, lá foi Telma de volta. Talvez, tivesse ouvido de Jesus: “deixai vir a mim as criancinhas”. Mas, com os pais, a lembrança daquele verso: “Deus nunca leve uma filha pequenina...”
Telma, minha pequena Telma, eu não sei rezar, mas acreditando em Jesus, para Ele a prece que não se diz, mas que se sente. E Ele, minha pequena Telma, vai lhe tratar bem, você já está na iluminação da Noite, uma estrela a mais clareando a Terra. Com seus pais, haverá sempre a resignação.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito” – “Jornal do Dia”, 18 de dezembro de 1966 (domingo).