Domingo está aí. Um sol maravilhoso. Muita gente na praia no banho de mar, no banho de sol. Muita gente no bar, nas tendinhas, nas barracas, bebericando, tomando cerveja, a pinga, o uísque e há sempre a fumaça de um cigarro. A praia perdida no litoral, ensolarada, se alongando, se distendendo, se espichando cada vez mais.
Adiante, as dunas. Os montes de areia na exaltação duma prece ou na postura de um budista no silêncio das suas meditações. Diante da areia ardente, molhada de beijos, aquecida pela carícia de corpos jogados fora dos leitos, o mar, elemento em água, em porção, revolta, rugindo, em recuos e avanços formidáveis. Ondas subindo alturas diversas, se batendo em ondas e vindo mansas, rolando sobre a areia pregada no solo duro numa rebentação de espumas alvas, lascivas, em angústias de posse, de envolvimento.
Tudo assim, assim tão humano, tão feliz numa mensagem duradoura de encantamento. De felicidade. E a vida no abandono de suas preocupações. A vida na fuga, na corrida destas horas, destes instantes em que tudo parece tão diferente, tudo dentro dum realismo que não é brutal, mas que agasalha todos os sonhos, os mais extravagantes possíveis.
Um sonho num domingo de sol. A praia na iluminação feérica da luz é o palco. A paisagem que se descortina o cenário maravilhoso. Um céu azul, um mar numa mistura de cores, um verde que foge, um azul que se altera, sombras da luz na faiscação do astro radiante.
No bar, nos botecos, nas tendinhas, a algazarra dos boêmios, o entrelaçamento dos conflitos. Uma porção de bocas falando, dizendo coisas, repetindo coisas. Olhos olhando, bocas despejando mensagens íntimas, escondias que estavam dentro da gente, da freguesia que está na euforia da vida em comum, da vida numa comovente demonstração de solidariedade humana!
Lá fora, a praia, os banhistas, a alegria no esbanjamento de todas as emoções. Tudo assim tão distante das pessoas que ficam na cidade, em casa, nas repartições, trancadas nas limitações dos nossos deveres e das nossas obrigações com o processo desumano da existência esta que exige de nós esforço, trabalho, realizações etc.
Lá fora, a praia com o aprisionamento dos seus atrativos. Muita gente saindo do seu mutismo, atirando fora as tristezas, os compromissos, as incompreensões. Tudo tão humano. Uma poesia na alma de cada um. Uma canção escapando duma boca molhada com gosto de sal, gosto de água pesada, com cheiro de terra molhada, terra queimada. Um nome feio que se faz ouvir, mas que não provoca nenhuma reação de mal-estar. Um insulto que não ofende, mas que comanda a “largada” de gargalhadas saídas de tantas bocas que não se abriram para homenagear a pornografia jogada à toa sem objetivos certos. Tudo isto acontecendo neste domingo de sol, na praia.
Um banhista que fica sobre a areia. E sobre ela o Sol. O Sol no exercício sentimental duma cena de noivado ou na vibração mais íntima de posse, de domínio. Adiante, um boêmio olhando o mar. Ah! Se fosses um mar de cerveja, de uísque!
E a praia dominadora! Mas pisada, suportando corpos, corpos vida, amor, emoção, carícia. Domingo está aí. Um sol maravilhoso. Muita gente na praia, perdida na praia...
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 27 de agosto de 1967 (domingo).