As horas passam e, com o colunista, este correr de tempo. Aproveitar um mínimo para escrever. Um pequeno atraso poderá criar dificuldades para o secretário de Redação, o homem que distribui a matéria, o homem que tem consigo esta responsabilidade: “fechar a página”, não deixar as linotipos paradas. E, com o jornalista responsável por uma produção diária, as suas preocupações. Escrever na hora certa para atender à exigência, para salvar-se de “mea culpa”. Sim, escrever para não decepcionar. É a “batalha dura” para um “salário duro”.
E as horas passam. Diante do jornalista, a máquina de escrever. Um Smith-Corona, presente de um amigo, lembrança da nossa presença na imprensa do Sul do país, escrevendo em “O Jornal” dos “Associados”, na “Diretrizes”, sua última fase, matutino, fundado por Samuel Waigner, no “Jornal da Noite” de Leite Ribeiro, na “Força da Razão” de Jurandir Pires Ferreira.
Sim, olhando a máquina parada, seus teclados pretos com letras amarelas. Esperando sair da paralisação. Esperando a pressão dos dedos. Esperando imprimir ideias, pensamentos. A notícia, o comentário, a vibração de inteligência.
Sim, a máquina parada. O jornalista parado. As horas caminhando, presas nas horas, no tempo. A vida lá fora correndo em várias direções, tomando vários endereços. Lá fora, o tumulto coletivo. A vida saindo da vida. A vida entrando na vida. Num leito de hospital, um amigo esperando a visita que não foi feita. Lá fora, um mundo de impressões jogado fora, homens de várias profissões correndo na vida, vida trabalho e obrigações. Homens parados nas esquinas, olhando a paisagem humana da cidade. Olhando esquecidos... que eles fazem parte desta passagem, um colorido vivo do nada fazer, do ficar na esquina, no canto, parados.
Uma Smith-Corona na semelhança da postura esperando motivos para andar, locomover-se. Lá fora, os carros correndo no asfalto, dobrando becos perigosos, fazendo o drama dos acidentes trágicos.
Sim, a vida lá fora, a vida de muita gente, de uma população, um povo de Ontem e de Hoje. O Passado e o Presente. E aqui dentro, na varanda da casa antiga, vestida de azulejos, o colunista e a sua máquina de escrever.
Nada de grandiosidade. Tanta coisa trancada dentro de nós. E a notícia para o comentário fica longe da nossa presença. Situações políticas tão diversas e tão distantes. Um mundo lá fora com as suas dificuldades, suas agitações, suas crises políticas violentas, sangrentas. Bombardeios no Oriente Médio, no Vietnã, o choque entre a China e a União Soviética, os chineses bombardeando o solo russo e os russos ainda na reação da batalha diplomática, ameaçando uma tomada de posição mais, muito mais violenta. Na Nigéria, aquela Biafra lutando pela sua independência, homens morrendo, mulheres morrendo, crianças morrendo.
Na França, de Victor Hugo, os descontentamentos, a reação de muitos operários contra De Gaulle. Com os operários, a ajuda dos estudantes. Com o velho general, suas reações pacíficas, a palavra firme, a resistência para não cair, para continuar, para “salvar a França do caos”.
Com o Peru, o novo nacionalismo do general Juan Velasco Alvarado reagindo contra as pretensões dos Estados Unidos e advertindo se houver a imposição da emenda Hickenlooper, o governo peruano não está seguro de que as Forças Armadas e as forças auxiliares possam conter a ação de todos os peruanos.
E com Nixon, a utilização da sua política de acomodações, procurando uma solução que não cria dificuldades para os interesses de um e de outro.
Tudo assim além-fronteiras, longe de nós, longe de uma observação mais cuidadosa. A vida doutros povos filtrando-se todos os dias neste canto de página.
E no mundo comunista, a perda da unanimidade nas decisões impostas pelos dirigentes da União Soviética. Uma Tchecoslováquia reagindo ainda, rejeitando a pressão insólita.
Com a Romênia, a atitude rebelada, a atitude inflexível não aceitando participar do bloqueio político contra a China. Com Tito, o fortalecimento de sua independência.
Com todos a defesa por um socialismo liberal, humano, progressista. Tudo assim, assim em luta, em diálogos, em incompreensões.
E a máquina funcionou, dedos ainda vivos, batendo nos teclados, escrevendo o comentário, imprimindo palavras, palavras e só palavras. E lá fora, a vida, a vida de todos os dias, homens parados nas esquinas das ruas, olhando a vida.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 1º de abril de 1969 (terça-feira).