Estou me lembrando do médico da família, médico e amigo e admirador do Nascimento, meu pai. Dois amigos que se queriam, que se entendiam bem. Uma sólida amizade. Sempre com Nascimento em tudo, tudo que é trabalho, que é luta. Acompanhava as polêmicas, senti-as com profundidade. E quando o velho sofria a insólida agressão, a ameaça de trucidamento, de destruição física, ele era um dos primeiros a chegar em nossa casa e a perguntar: “Quede teu Pai? Já soube de tudo. Estou aqui”.
E Nascimento, calmo, tranquilo, mantinha, com o amigo, um dos mais ilustres médicos da terra, laureado pela Faculdade da Bahia, a palestra amiga, afetuosa, iluminada de inteligência. E dele, do dr. Djalma Marques vinha sempre o auxílio valioso que afetava as preocupações mais íntimas.
Muitos anos assim com Nascimento Moraes. E junto dele, do companheiro de todas as horas, a presença de Djalma Marques. E, com Djalma, o médico da pobreza, humanitário, bom, alma de libertação, alma na abundância de todas as renúncias materiais para acudir o pobre, o cliente humilde, a freguesia da Dor e do Sofrimento. Sempre assim o dr. Djalma Marques.
Uma vida dedicada à medicina. Um Francisco de Assis no esbanjamento da caridade, da ajuda, da colaboração. Uma clientela que pagava o que podia. E, dele, a mesma dedicação, a mesma atenção, a mesma bondade. Uma alma no silêncio da cooperação valiosa.
Um dia insistido, entrou para a política. E aí a força da sua inteligência e a fulguração duma conduta democrática irrepreensível. E, como tinha que acontecer, decepcionou-se. Não servia para capitular, para agradar, para atender a imposições. Não. Um caráter. Uma vibração de vida no exercício da sua formação moral.
Depois se fixou na sua profissão: médico. Diante dele, a cidade. Diante dele, seu consultório. Diante dele, os seus doentes, doentes de todas as idades. Com ele, um sexto sentido para diagnosticar. Olhava, auscultava, ouvia e, imperturbável, receitava, escrevia a fórmula. Um estudioso, uma unidade palpitante de talento e de cultura. Sempre assim, envelheceu assim, assim ainda na Vida, no seu recolhimento espiritual: a sua família, a esposa, os filhos e os netos.
Deixou a clínica. Velho, recolheu-se à sombra acolhedora da sua honrada existência. Uma vida na iluminação do Sol, da Luz, que é Vida. Tudo nele, ainda, a grandiosidade de sua alma no ocaso da prece, no reencontro consigo mesmo, vivendo, agora, para as suas recordações mais íntimas, mais suas. Relembrando os amigos, os colegas, as consultas, as dificuldades de seus doentes.
Tanta coisa realizou no seu mundo de consultas, de receitas, de atendimentos. “Chamem o Djalma”. Sim, o dr. Djalma. E ele ia e, de todos, o registro das atenções e do respeito, da admiração. E de Djalma, tantas vezes, a salvação duma Vida. E, com ele, a beleza da sua simplicidade.
Não o vemos há muito tempo. Mas, dentro de nós, vive, imorredoura, numa mensagem de gratidão, sempre a sua figura tranquila, seu nome com batismo do muito que nós, a família Nascimento Moraes, o queremos e o sentimos no coração.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 21 de janeiro de 1968 (domingo).