E vamos fugindo disto tudo que se chama política. Saindo dos tumultos e das impressões. Abandonando, hoje, os comentários. É preciso renovar alguma coisa. Dar ao pensamento a libertação, “asas de voo”, partir, perder-se nos deslumbramentos de doutras ideias. Deixar que tudo se modifique por alguns instantes. Deixar de pensar nos homens políticos, partidários. Pensar nos homens libertos, felizes enamorados do Belo, enamorados da Dor. Enamorados dos sofrimentos. Em tudo, há o impressionante, há o sentido de todas as forças criadoras da Natureza. Porque há, em tudo, Vida. Vida no deslumbramento. Vida no desencanto. Vida na miséria que é farrapo. Vida na opulência que é esbanjamento desta mesma vida que é Vida. Mas...
Sim, sair de tudo isto que aprisiona as ideias, que castiga a vontade, que exige o minguado duma produção mental aprisionada.
Não. Hoje, saímos do comum, libertamos a ideia. E ei-la na exaltação de tudo que é Beleza, que é Vida. Ei-la luminosa, dominadora e fascinante. Ei-la na ascensão dos pensamentos renovadores, profundamente humanos. Ei-la na grandiosidade da sua libertação, indicando mundos diferentes, sonhos diferentes. Indicando caminhos diferentes. Ei-la assim... Solta, sem pressões, sem o congestionamento das imposições dos outros, da paisagem humana, esta que permanece em volta dos políticos, dos homens de partidos.
Não. Hoje, tudo toma outra colorização. Tudo é luz. Tudo é encanto. Tudo é sublimidade, tudo é fascinação do Espírito. Do Espírito que cria, do Pensamento que elabora. É o EU no seu egismo de não trair a si mesmo. Hoje, nós somos nós. Nós, a Vida como sentimos: dominadora. Uma força irresistível da nossa própria vontade de viver. De continuar vivendo. De viver sempre. Viver na Vida, viver exclusivamente na Vida. Sempre assim... Viver dentro das emoções. No extravasamento de todas as conquistas. E o Pensamento só, só com ele, admiravelmente só, grandiosamente liberto, independente. Fortalecido. Esbanjando alegria, alegria de Viver sempre, de Viver sem sentir em tristezas, sem sentir a presença da Morte. Nada. Sentir apenas este Sol. Esta fascinação de luz. Este dia que aí está maravilhoso e já é noitinha, olhar o céu com muitos sóis, suas porções de estrelas. E, lá em cima, fulgurante, Senhora de Si, ela a senhora dos espaços. Tudo assim. Tudo na grandiosidade da Vida.
Saímos, hoje, dos comentários. Saímos para nos encontrar, encontrarmos com os nossos próprios Pensamentos, pensamentos de Amor, de Beleza, de Poesia que é luz, fascinação do Espírito. E daí esta página solta, jogada nesta página que suporta tudo que é vida. Mais uma página na identificação de nós mesmos.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 13 de outubro de 1963 (domingo).