É isto sempre. Um dia à hora do crepúsculo. Sol esmaecido. Sol no amortecimento da luz. Sol-poente, sombras da tarde, vibração da luz ainda no anoitecer, manchas sanguíneas do Sol em agonia ou, então, numa manhã de Sol, abundância de claridade na exaltação perene da Vida, no esbanjamento desta mesma luz, um coração para, um corpo se despenca para a terra, toda uma porção de nervos, de ossos, de carne fica na imobilidade da Morte. O sangue-vida faz córrego na sarjeta, enodoa o asfalto, suja o sujo duma calçada, salpica de vermelho um pedaço de parede.
A cidade perde uma unidade palpitante de vida, de inteligência, de idealismo; a família sofre a perda de um de seus membros. Talvez, um dos mais úteis à defesa da ordem social, do bem-estar do povo, das instituições, da Lei, do Direito e da Justiça.
É sempre isto. É sempre isto terrível, agressivo, violento, selvagem até, na vida do jornalista, do homem de imprensa. E mais acentuado na vida do jornalista combativo, inquieto, impulsivo, mordaz, petulante e agressivo. Um jornalista sem utilizar o verbo candente de um Patrocínio, mas o estilete em brasa de um colunista na assuada do ataque personalista, por vezes exaltado e ofensivo. O ataque mal orientado, desmedido, truculento, em fúria, sem o abrigo do cuidado e da prudência.
Com Othelino Nova Alves, o jornalista, o cultor do Direito, penso, esta faceta na identificação da profissão liberal, que abraçou, sua vida em luta, em permanente estágio de agilidade mental que atraiu, para ele, um bloqueio de insegurança pessoal. Uma existência mantida sempre sob a mira de todas as ameaças que marcaram para ele, para a sua presença na terra, na vida, os acontecimentos trágicos e o encontro para o desfecho de ontem que o arrebatou da vida, que o afastou, de todo, do batismo deste Sol que, agora, lhe ilumina o corpo no aprisionamento da Morte, que assiste, meu Deus, se ele pudesse ver, a homenagem dor e tristeza, reconhecimento e ternura do povo, da cidade, do povo que aplaude e que apedreja, que condena e que absolve, que saiba sentir para perdoar, reações das impressões que ficam.
É isto sempre, Othelino Alves.
Até momentos antes da tragédia, você estava na Vida, no realismo dos seus ideais, na trincheira de sua luta, na barragem de fogo da sua combatividade, na grita de seus protestos, na volúpia dos seus anseios, na agitação da sua eloquência, indiferente à turba, surdo à matilha espaçada tantas vezes pelo látego da palavra enfezada, encrespada e incômoda, atrevida numa demonstração imperfeita de um desajeitado Dom Quixote.
É, Othelino, você alimentou, demasiadamente, estas reações brutais e, desgraçadamente, acabou sendo vítima delas!
Acusá-lo por isto, por isto que é sempre isto, por isto que sempre acontece? Não. É que havia, em você, a fulguração duma inteligência aliada a uma grande capacidade de sentir, de servir, de combater os erros, as falhas dos que, na vida pública, deixam a descoberto o rastro de atos públicos que, de você, encontravam a seu modo, a sua maneira de comentar a crítica impiedosa, contundente, ferina, irreverente dum gladiador implacável. Era isto?!
Agora, diante de você, seus amigos, o povo, a cidade, o Sol, esta tarde de tristezas, de lágrimas numa apoteose de Dor, de incompreensões tremendas. Diante de você, estes ciprestes, açoitados pela brisa, cujas sombras dentre em pouco envolverão o túmulo, simbolismo do abraço fraternal da terra. Túmulo-berço do corpo inerte.
E doutro lado, é preciso dizer, Othelino, eu que sei que você me está ouvindo, doutro lado, na trama da sua Dor em desespero, no conflito de seus sentimentos, aturdido, alma em desalinho, o agressor, uma vida no aprisionamento duma reação impensada, duma reação que não poderá ser utilizada, mas que deveria ter sido orientada para o debate das argumentações, o duelo do espírito em luta, respondendo ao ataque com a mesma violência, usando a mesma arma – a palavra.
Mas... É sempre isso.
De mim, Othelino Alves, a homenagem que é da família Nascimento Moraes e, que, acredito, seja também do povo, da população da cidade, da gente humilde numa mensagem de consolação.
Adeus, confrade ilustre.
Nota – Palavras pronunciadas pelo nosso redator à beira do túmulo de Othelino.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 8 de outubro de 1967 (domingo).