Neste último domingo de outubro (30), continuamos com precisão e adequação vocabular...
1. QUESTIONAR ou PERGUNTAR?
A frase é:
“Quem é você, questionou o delegado”.
O mais adequado é:
“Quem é você?, perguntou o delegado”.
QUESTIONAR não é, como muitos imaginam, sinônimo de PERGUNTAR. Se você quer saber alguma coisa, “pergunte”. QUESTIONAR é “levantar questão, pôr em dúvida, discutir”.
Nós podemos, por exemplo, “questionar a validade de um contrato”, “questionar a veracidade das denúncias”, “questionar a importância de um projeto”…
O problema é o uso do verbo QUESTIONAR, que não é sinônimo do verbo PERGUNTAR.
O substantivo “questionário” é “uma série de questões ou perguntas”. Isso significa que um conjunto de perguntas forma um questionário. Ainda não inventaram o “perguntário”.
2. ADMITIR ou CONFESSAR?
A frase é:
“Ele admitiu que matou mais de dez crianças”.
O mais adequado é:
“Ele confessou que matou mais de dez crianças”.
O verbo ADMITIR, nesse caso, significa “reconhecer, confessar”. O problema é que o verbo ADMITIR apresenta uma carga muito leve.
A frase pede um verbo mais forte. Vejamos alguns exemplos em que o verbo ADMITIR está bem empregado: “O professor admitiu que errou”; “A falha foi minha, admitiu o gerente”; “O atacante admite que não vem jogando bem”.
Estranho mesmo é o uso do verbo ADMITIR, que tem carga negativa, em frases “positivas”: “Ele admite que está fazendo o maior sucesso”. De duas uma: ou ele havia negado e só agora está reconhecendo o seu sucesso; ou ele apenas disse (ou afirmou) que está fazendo muito sucesso.
Melhor é usarmos o verbo ADMITIR, no sentido de “reconhecer”, apenas em frases “negativas”: “Admitiu o seu fracasso”; “Admitiu o seu erro”; “Admitiu o seu esquecimento”.
3. AO CONTRÁRIO DE ou DIFERENTEMENTE? e COM RESERVAS ou RESERVADAMENTE?
A frase é:
“Ao contrário do que foi publicado ontem, Gabigol já fez 4 e não 5 gols”.
O adequado é:
“Diferentemente do que foi publicado ontem, Gabigol já fez 4 e não 5 gols”.
A expressão AO CONTRÁRIO DE só deve ser usada quando houver a ideia de “coisas opostas”, quando as palavras apresentarem sentidos contrários. Ora fazer 4 em vez de 5 gols não são “coisas opostas”, são apenas diferentes.
Portanto, quando um órgão de comunicação comete um erro e deseja fazer uma correção, o mais adequado é usar o advérbio DIFERENTEMENTE, ou seja, é uma informação diferente daquela que foi publicada anteriormente.
Só podemos usar a expressão AO CONTRÁRIO DE se a correção disser o oposto ao que foi divulgado: “Ao contrário do que foi publicado ontem, Fulano de Tal foi julgado inocente, e não culpado”.
Também merece cuidado o uso do advérbio RESERVADAMENTE. Não podemos confundir com a expressão COM RESERVAS.
Observe a diferença:
“O assunto deve ser tratado reservadamente” e “O assunto deve ser tratado com reservas”.
Tratar um assunto RESERVADAMENTE significa tratá-lo “confidencialmente, sigilosamente, a sós”; tratar um assunto COM RESERVAS significa tratá-lo “com cuidado, com restrições, impondo limites”. Em outras palavras: “guardar alguns segredos, não falar tudo que sabe”.
4. DEFICITÁRIA ou INEFICIENTE ou DEFICIENTE?
A frase é:
“Por não atingir os objetivos propostos, o candidato considerou a campanha deficitária”.
O correto seria:
“Por não atingir os objetivos propostos, o candidato considerou a campanha ineficiente”.
DEFICITÁRIA e INEFICIENTE são dois adjetivos bem diferentes. Uma “campanha deficitária” seria aquela que causasse prejuízo financeiro, ou seja, que causasse deficit. Por outro lado, se a campanha não foi EFICIENTE, porque não atingiu os objetivos propostos, ela foi INEFICIENTE.
Então, não esqueça: DEFICITÁRIO é “o que causa deficit” e INEFICIENTE é “o que não é eficiente”.
Também não devemos confundir INEFICIENTE com DEFICIENTE. Já vimos que INEFICIENTE é tudo aquilo que não é “eficiente”. Só devemos usar DEFICIENTE quando houver “falha, falta de alguma coisa, imperfeição”. Daí, o “deficiente físico”.
Se estiver faltando alguma coisa no desempenho de um profissional, precisamos saber qual é sua “deficiência”. Agora, se uma empresa não é mais tão eficiente quanto era no passado, devemos buscar as causas da sua ineficiência.
5. O RESTO ou OS DEMAIS?
A frase é:
“O primeiro da fila já pode entrar. O resto deve aguardar na sala ao lado”.
O adequado é:
“O primeiro da fila já pode entrar. Os demais devem aguardar na sala ao lado”.
A palavra RESTO apresenta, entre nós, uma forte carga negativa. É pejorativo tratarmos as pessoas por RESTO.
Soa muito estranho quando ouvimos na televisão: “Rio de Janeiro e São Paulo assistem a São Paulo e Botafogo. O resto do país fica com o jogo Grêmio e Goiás”.
Parece que é a “porcaria” que restou. Por causa dessa carga pejorativa, devemos evitar o uso da palavra RESTO.
A palavra RESTANTE ameniza um pouco, mas só ameniza, pois ainda apresenta alguma carga negativa. Melhor mesmo é usar “os demais”, “os outros”…
Isso tudo me faz lembrar da velha distinção que aprendemos nos bons tempos da Escola Santa Teresinha (Valois): “o professor não erra; no máximo ele se engana”.
Mais tarde é o chefe: “ele nunca erra; eventualmente se engana”. É visível que o uso de “engano”, em vez de “erro”, é para suavizar o fato.
Certa vez, um colega definiu bem a diferença que a maioria das pessoas faz para “erro” e “engano”: “quem erra é por burrice ou ignorância; quem se engana é por descuido ou desatenção”.