]A derradeira vez que vi a médica e ex-prefeita de Caxias Márcia Marinho foi em loja de produtos de Informática no centro de Caxias, próxima à Igreja do Rosário. Eu estava sendo atendido quando ouvi uma voz: “– Olha quem eu encontro! Edmilson Sanches, um dos homens mais inteligentes do Brasil! Como vai, meu amigo?”
Foi assim – doce, efusiva, alegre, expansiva... –, foi assim que Márcia Marinho saudou-me naquele dia. Eu estava mais uma vez em minha cidade, revendo lugares, recordando histórias, vendo familiares, visitando amigos, pedindo a bênção a madrinha, a tios...
Cumprimentamo-nos, Márcia M–arinho e eu. Conversamos. Lamentei o padecimento e falecimento de sua mãe (em 2013), a desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão Maria Madalena Alves Serejo. A mãe, pioneira, como o são todas as mães, fora na frente, para receber, 10 anos e 11 meses depois, a filha amada – que, por sua vez, mãe pioneira, receberá, no tempo de Deus, os que se formaram em seu ventre.
Recordo-me de que, após uns e outros assuntos, ali mesmo na loja, Márcia fez-me um convite e brincou: “– Trouxe terno? Quero convidá-lo para um evento hoje à noite, na Faculdade”. E detalhou-me um pouco sobre as acontecências de logo mais na Faculdade Vale do Itapecuru, que ela e o marido Paulo criaram e dirigiam.
Prometi e comprometi-me. Estive na Faculdade. Fui primeiramente levado a uma sala classificada “VIP”. Lá, pude rever alguns conhecidos juízes e desembargadores que prestigiavam o evento – se o espírito não me engana, tratava-se da inauguração ou de um Núcleo de Prática Jurídica ou algo assim ligado à consolidação dos ensinamentos e práticas dos alunos do curso de Direito e à prestação de serviços a terceiras pessoas da comunidade. Nessa oportunidade, interagi pouco com Márcia e muito mais com o marido, que animadamente falava de coisas e causas do mundo jurídico... para juristas – “aequalis inter pares”, igual entre iguais.
Dessa caxiense família Marinho, pelo menos dos três de seus membros que conheço, sempre mereci palavras cordatas, judiciosas, conterrâneas. Paulo Marinho, o pai, não se furtava, até mesmo em comentário(s) aberto(s) no Facebook, a elogiar e a incensar – até pela conterraneidade – meu nome quando, sabendo-me um caxiense em campanha para a Prefeitura de Imperatriz, listava um ou outro mérito de que porventura fosse eu detentor. Ele e eu temos formação acadêmica e experiência de gestão em Administração Pública e empresarial, o que, ao menos em razão dos bons vieses acadêmicos, técnicos, nos leva a ter umas e outras ideias, projetos, desejos coincidentes, concordantes. Por sua vez, o filho de Márcia e Paulo, Paulo Jr., nos últimos meses por pelo menos duas vezes aproximou-se e, em tom de quase confidência, falou-me de inspirações e aspirações, ideias e ações que ele gostaria de implementar em favor de Caxias. Também achei razoáveis e, mais que isso, necessárias essas ideações paulinas – em um dos casos certamente estimulado pela longa palestra, vista por ele, que eu ministrara no auditório da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL de caxias), em 2023. O outro encontro foi na Rodoviária Nachor Carvalho, de Caxias, à noite, quando Paulinho e eu, ali na sala de espera, éramos mais uns dos muitos caxienses, visitantes e passantes que esperavam o próximo ônibus para algum canto do Maranhão, do Nordeste, do país....
Portanto, sem precisar estar se encontrando com frequência, que pelo menos as (boas) ideias e ideais se encontrem e se reforcem, inda que, eventualmente, possam não sobreviver ao cotidiano do pragmatismo político e da práxis administrativa.
Além dos eventuais, fortuitos encontros de saudações e breves atualizações acerca de um e outro, guardo de memória um momento em que Márcia Marinho e sua mãe, a desembargadora Madalena Serejo, puderam demonstrar, digamos assim, uma especial consideração para comigo. Era o último trimestre do ano 2000. Eu estava em Caxias e amigos estimularam-me a lançar alguns livros que eu publicara – entre eles, “Desenvolvimento com Envolvimento – Teoria e Prática de Gestão Participativa”, “Falando de Desenvolvimento – Questões, Respostas, Reflexões”, “Comunicação Interna – Produtos e Processos, Meios e Mensagens para a Gestão de Seres Humanos nas Organizações”...
O evento deu-se em uma agradável noite na área da piscina do Hotel Alecrim, no histórico morro de mesmo nome. Márcia e a mãe deixaram para ser as últimas na fila de autógrafos e dedicatórias das obras. As duas puxaram uma cadeira, e Márcia fez, logo de cara, um convite: “– Volta para Caxias e vem ser secretário na minha administração”. Márcia Marinho, como se sabe, vencera as eleições naquele icônico, milenar, ano 2000, e seria a prefeita de Caxias de 1º de janeiro de 2001 a 1º de janeiro de 2005. Lembrei-me de que, anos antes, em Araguaína (TO), a prefeita Valderez Castelo Branco e seu marido, o deputado federal Lázaro Botelho, após uma palestra que dei na Federação das Indústrias do Estado do Tocantins (Fieto), convidaram-me para ser secretário municipal na prefeitura daquele progressista município tocantinense.
Disse à prefeita eleita caxiense que, tendo eu já diversas candidaturas nos couros, com até mais de 24 mil votos, sabia que, em geral, criam-se muitas expectativas por parte de apoiadores, gestores de campanha, colaboradores e até “cabos” eleitorais, que acreditam ter assinado um contrato invisível e unilateral que lhes asseguraria serem, em caso de vitória, titulares de secretarias, gabinetes e outros órgãos da estrutura do Serviço Público municipal. Em outras palavras, disse que, mesmo sendo um caxiense, com formação e experiência nas áreas política e administrativa, poderia não ser interessante para a prefeita eleita nomear pessoas que não tivessem “trabalhado” na campanha dela. Márcia sentiu o que eu quis dizer. Nesse instante, sua mãe, que ouvia a tudo silenciosa, levantou-se e, estando eu sentado, ela abraçou-me por trás e, com voz de mãe, disse: “– Meu filho... Edmilson, venha ajudar minha filha, por favor!”
Como se sabe, desde os tempos bíblicos que uma mulher Madalena demonstra força e argumentos de dissuasão, convencimento... Disse para Márcia e Madalena que ficaria à disposição para novos contatos acerca do assunto. Aí, Márcia antecipou-me que ela e o marido iriam fazer uma viagem à América Central e Caribe, especificamente para Cuba, e que até antes do fim daquele ano 2000 retornariam e nos contataríamos.
Já fui secretário titular e secretário-adjunto de cinco Pastas em município com economia quatro vezes maior que a de Caxias. Sei, sabe-se, sabemos do limite de cargos para nomeação pelo novo prefeito e do excesso de pessoas com pedidos, intenções, desejos, solicitações, esperanças, acreditando, essas pessoas, terem direitos prévios a uma posição/colocação, enfim, muitos à procura dos muitos empregos e poucos com disposição de enfrentar muito trabalho...
Acho que, nessa pletora, nessa enxurrada de demandas e de outras “coisas” que aparecem e que têm de ser tratadas pelo novo gestor, acho que nesse caudal de tomada de decisões e da abundância de outras providências, a prefeita deslembrou-se da boa conversa entre livros e sob o estrelado céu tão saudosamente cantado aos 19 anos por nosso especial conterrâneo comum Antônio Gonçalves Dias (“nosso céu tem mais estrelas”). E, é claro, como cavalheiro – e distante quase 600 quilômetros de Caxias –, elegantemente não fiz questão de lembrar nada à Senhora Prefeita... Quem conhece por dentro estrutura(s) e demanda(s) de uma Administração Pública sabe o “decifra-me ou te devoro” que é posto esfingicamente para quem chega lá.
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Para mim, o traço marcante da pessoa de Márcia Marinho era – pelo menos no que pude perceber – a suavidade, a lhaneza. Mas distinção, afabilidade, candura são características a mais (e melhores) de quem também é forte, resistente, resiliente. E Márcia, a partir mesmo deste seu prenome, era guerreira. (“Márcia” deriva do latim “martius”, com o sentido de “guerreiro”, por se referir ao deus romano da guerra, Marte). Seu segundo prenome, Regina, também latino, significa “rainha”. Já Serejo é nome de uma das mais antigas famílias que chegaram ao Brasil, provinda de Portugal nos meados dos anos 1500, século XVI.
Assim, guerreira rainha ou rainha guerreira, a ordem dos fatores não altera o caráter ou simbologia do nome. O certo é que a luta das mulheres pela conquista de mais e melhores espaço de poder teve em Márcia Regina um nome de efetividade na ocupação de postos e desempenho de funções de (co)mando, de decisão, de ação. As mulheres não buscam privilégios, mas justiça. Raimundo Teixeira Mendes, o caxiense que, no Rio de Janeiro então capital federal, além de ter criado a Bandeira brasileira, redigiu as primeiras leis de proteção à mulher trabalhadora no Brasil, certamente sabia que há nas mulheres fibra e ferro, cálcio e fosfato tanto quanto os há nos homens, em termos de força e energia, resistência e inteligência para pensar e executar serviços que tornem melhor o dia a dia da comunidade.
Nesse mister, Márcia, como médica ou gestora, foi enfrentando os mistérios de funções que pareciam exclusividades masculinas: esteve de 1988 a 1990, na Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Maranhão (Caema), em São Luís; de 1991 a 1992, no Hospital de Base, em Brasília; de 1992 a 1993, gerente no Sistema Alecrim de Comunicações, em Caxias; de 1993 a 1994, titular da Secretaria Municipal da Criança e Ação Social do Município de Caxias; de 1995 a 1999, deputada federal; de 1999 a 2000, gerente de Estado de Desenvolvimento Regional de Pedreiras (MA); de 2001 a 2004, prefeita de Caxias; de 2005 até sua morte, presidente da Sociedade Educacional Caxiense S/C Ltda.; e, em 2021, secretária da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, da prefeitura de Caxias.
Na Câmara Federal, que representa o povo brasileiro (o Senado representa os Estados), Márcia Marinho, como titular ou suplente, ganhou assento e participou de discussões e decisões nas diversas Comissões, permanentes e temporárias, entre elas as de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias; Desenvolvimento Urbano e Interior; Direitos Humanos; Educação, Cultura e Desporto; Seguridade Social e Família; Trabalho, Administração e Serviço Público; Comissão Especial de Implementação das Decisões da IV Conferência Mundial da Mulher; comissões de análise das Propostas de Emenda Constitucional (PEC) e Projetos de Lei (PL) sobre a Inviolabilidade do Direito à Vida, sobre alteração no Sistema de Previdência Social, sobre Recursos da Seguridade Social ao SUS, sobre Doação de Açudes pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), sobre Planos e Seguros de Saúde, sobre Critérios de Proteção e de Integração Social aos Portadores de Deficiência, sobre a Procuradoria Parlamentar e participação, como titular, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), sobre Adoção e Tráfico de Crianças Brasileira, esta em 1995/1996.
Suas funções empresariais, executivas e parlamentares ao longo dos tempos não a dispensaram de manter-se antenada e atualizada com sua principal formação acadêmica: a Medicina. A Márcia estudante cuidadosa (de 1982 a 1988) e médica estudiosa procurava participar de eventos médicos e outros em todo o país, a maioria deles voltada para sua especialidade, a Pediatria. Assim, foi observando, absorvendo e aplicando conhecimentos ligados a doenças, tratamentos e técnicas, entre os quais conhecimentos sobre parasitologia, medicina tropical, raiva, coloproctologia, problemas respiratórios, endocrinologia, metabologia, pediatria ambulatorial, hematologia, gastroenterologia, orientação e propedêutica gestacional, análise transacional, parasitologia, dermatologia, emergência etc., além de cursos e outros eventos de treinamento e formação em gestão pública, como especialização em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, e fluência em língua inglesa.
Nascida em 22 de outubro de 1963, em São Luís (alguns registros dão-na, equivocadamente, como de Caxias), Márcia Regina era filha de Maria Madalena Serejo, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão, e de José Crispim Serejo, que tiveram também os filhos Benevenuto, Fernanda e Armando, todos advogados. Por sua vez, Márcia e Paulo Marinho (advogado e administrador, nascido em Caxias, em 1º de dezembro de 1958), viram nascer-lhes os filhos Paulo Jr., administrador e deputado federal, nascido em 1985 e residente em Caxias; João Victor, estudante de Arquitetura e Urbanismo em São Paulo, nascido em 2000; e Larissa, que, na inspiração e passos da mãe, também é médica e também voltada à Pediatria, como cirurgiã pediátrica em Brasília.
As redes sociais registram o grande número de condolências pelo falecimento de Márcia Marinho neste sábado, 3 de fevereiro de 2024, em Teresina (PI). Coincidentemente, 3 de fevereiro é o Dia da Mulher Médica, em homenagem a Elizabeth Blackwell (1821-1910), uma talentosa inglesa nascida em Bristol, que emigrou aos 10 anos para Cincinatti, nos Estados Unidos, país onde se tornou a primeira mulher formada em Medicina. Trabalhou em Paris, na França, e foi lá que perdeu a vista de um dos olhos... por um acidente biológico ao cuidar de uma criança...
Os diversos depoimentos de internautas atestam o cuidado profissional e a bondade pessoal de Márcia Marinho: mulheres e homens declaram sua gratidão pelos tratamentos e pelos gestos efetivos, materiais, de auxílio, ajuda, contribuição. Em uma dessas manifestações, o reconhecimento filosófico: “A drª Márcia dobrou-se quando necessário, mas levantou-se muito mais”.
Os Céus, pelo que os que nunca estiveram lá dizem, é um lugar só de coisas boas, onde doença e morte não existem. Assim, a médica Márcia Regina, além de lá do Alto zelar pelos familiares e amigos que ainda resistem neste lado de cá da Vida, quem sabe continuará se dedicando aos pequenos. Por exemplo, brincando com anjinhos.
Depois de tantas padecências físicas por aqui, que a levaram ao óbito na capital piauiense, brincar com anjos é o mínimo que de lúcido e lúdico se pode desejar ao espírito criança de Márcia Regina Serejo Marinho.
Paz e Luz, Amiga.
Boa mudança de vida.
Bom descanso.
* EDMILSON SANCHES
FOTOS:
Márcia Marinho, com o marido Paulo, e os filhos Larissa, Paulo Jr. e João Victor.