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A “REVOLUÇÃO DE JANEIRO”*

– 18 de janeiro de 1995/2025: 30 anos

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DA FAGULHA AO FOGO

No dia 6 de janeiro de 1995, cidadãs e cidadãos de Imperatriz (MA) participavam da primeira reunião de discussão sobre meios de sensibilizar autoridades para, entre outras coisas, dar um basta nos desmandos administrativos que imperavam na prefeitura local. O nome do incipiente movimento era simbólico: “Fagulha”. À frente dessa iniciativa, o engenheiro-agrônomo José Cortez Moreira (o Moreirinha), filho do ex-prefeito Simplício Alves Moreira e voz intimorata na cobrança da resolução do crime de homicídio – e de encomenda – que vitimou seu irmão Renato Cortez Moreira, assassinado a tiros em 6 de outubro de 1993.

A fagulha transformou-se em fogo. Nos dias que se seguiram, várias reuniões aconteceram até a deposição do sucessor de Renato Moreira, em 18 de janeiro, com ocupação cidadã da prefeitura e da Câmara Municipal. A essa altura, outro nome – Ulisses Braga – catalisou e resumiu o sentimento dos estimados 20 mil imperatrizenses que deram corpo e coro aos pedidos de socorro desta grande cidade.

Ulisses de Azevedo Braga, filho de Carolina (MA), era advogado e homem de notável cultura humanística e, sobretudo, sensibilidade social, à época um pregador da cidadania ativa. Nessa sua pregação, e à frente do Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz, desenvolveu e levou adiante projetos diversos, entre os quais programas e entrevistas em rádio e televisão onde falava de cidadania e seção onde publicava regularmente em jornal “aulas” sobre o assunto.

DO FOGO ÀS CINZAS

Mas aqueles que foram beneficiários diretos do resultado desse movimento cidadão só souberam usar (como lhes é próprio). Não souberam ousar nem respeitar. De um modo ou de outro, alimentaram quizílias e “sufocaram” o que provavelmente foi o mais destemido e forte gesto coletivo desta sociedade. Conhecida como a “Revolução de Janeiro”, esse movimento deveria ter se fortalecido e constituído a fortaleza a partir do qual os cidadãos honestos desta cidade partiriam para derrotar outras tentativas de “ataque” ao patrimônio comum material e imaterial de Imperatriz.

Entretanto, o fogo foi apagado. Certas pessoas beneficiadas não querem reconhecer que foi por causa do povo, mais uma vez, que chegaram ao poder e, a partir dele, deveriam PODER FAZER (pelo povo) – e não FAZER PODER (para si mesmo e seus “grupos”).

TEREMOS UMA FÊNIX?

 Hoje, embora se acreditem inatingíveis, autoridades e “poderosos” têm seu calcanhar de Aquiles. Não importa, como na mitologia grega, que sejam “banhados” de imunizações e imunidades: haverão de encontrar seus correspondentes Páris e Apolo, que acertarão no ponto fraco e porão fim à soberba e incompetência.

A sociedade imperatrizense, enquanto depositária dos valores da “Revolução de Janeiro”, precisa voltar a renascer como sujeito ativo da própria história. Das cinzas pode (deve) nascer a Fênix, pássaro mitológico que é símbolo da imortalidade e do renascimento espiritual – como o deve ser a cidadania.

À maneira da Fênix, a cidadania tem um pesado fardo a carregar, composto, entre outros itens, de eterna vigilância e persistente cobrança dos direitos e deveres. A Fênix – diz a lenda – tem essa capacidade, de carregar grandes cargas.

Esperava-se que, nesta semana, como nunca ocorreu antes, os políticos, a Imprensa, as entidades, a população novamente não se privassem de lembrar e relembrar a “Revolução de Janeiro”. Foi neste movimento que a sociedade imperatrizense mostrou do que é feita –  sobretudo quando políticos e autoridades públicas, em vez de mostrar serviços, apresentam apenas desculpas.

PERSONALIDADES

Uma das virtudes que mais caracteriza um povo é a sua personalidade. Personalidade não é atributo apenas do indivíduo. Há como que uma espécie de personalidade coletiva, resultado da multiplicação das várias personalidades unitárias e que permitem qualificar um povo, uma comunidade.

Há povos que manifestam exuberantemente sua personalidade, não importando as críticas ou ressalvas que se façam a eles. A competência dos judeus, a persistência dos palestinos, o destemor dos iraquianos, a garra dos vietnamitas, a capacidade dos asiáticos em geral, o “ownership” dos norte-americanos e a resistência que têm os tantos povos que, até hoje, não têm seu próprio país – entre os quais as dezenas de milhões de curdos, tibetanos, ciganos, bascos...

No Brasil, costumam ressaltar o bom estado de espírito (joie de vivre) do brasileiro em geral, apesar dos pesares.

Do Nordeste, destacam a resistência do nordestino, a fortaleza sertaneja, embora a aparente fragilidade e desengonçamento, misto de Hércules e Quasímodo, como descreve e nomina Euclides da Cunha logo no adentrar do terceiro capítulo de sua obra prima, mãe e mestra “Os Sertões”.

E em Imperatriz, na pré-Amazônia maranhense, destacam-se a riqueza de vontade alimentada por uma vontade de riqueza que transmutaram pessoas aparentemente comuns em  desbravadores e pioneiros, bandeirantes de meio século atrás.

AMBIÇÕES

O último terço da história de Imperatriz resultou de gente assim. Mas adentrar florestas, enfrentar animais, andar por estradas tortuosas e tormentosas é bem menos difícil que enveredar pelo matagal das ambições humanas, confrontar-se com o irracional que há nos indivíduos e manter-se em pé nos caminhos lodosos e desviantes que furtiva ou descaradamente são preparados.

Dentre essas ambições, irracionalidades e descaminhos, os da política e da administração pública têm levado Imperatriz a se manter em posição desmerecedora em relação ao seu desenvolvimento econômico e social. Ambições mesquinhas, lastradas no único, exclusivo e inarredável desejo de ter mais dinheiro e poder; desejos vis, com suporte no cinismo, na hipocrisia e na mais evidente mentira, quando não no comportamento dilapidador e criminoso, na subalternidade que transforma referências políticas e empresariais em reles meninos de recados, a serviço (sem contestação) de forças mais poderosas – tudo isso e muito mais têm deixado Imperatriz de quatro ante o justo futuro que há muito tempo lhe é devido. Os números dizem isso, e a situação das comunidades na periferia o confirmam.

A REVOLUÇÃO

Houve um dia em que parecia que isso se iria acabar. Foi em 16 de janeiro de 1995, há trinta anos.

Nesse dia um bom número de pessoas de referência de Imperatriz tomou uma decisão quase extrema para tentar mudar a (des)ordem instaurada na administração pública do município: invadir e ocupar indefinidamente a prefeitura e forçar uma intervenção pelo governo estadual.

Para os tempos modernos, soa “pesado”, incomum, que cidadãos tenham de chegar a ações assim.

Mas, preservado o quanto possível o caráter pacífico, é legítimo – dir-se-ia: é cívico.

Saudado seja o povo que sabe quando a fagulha tem de se transformar em incêndio...

* EDMILSON SANCHES

Foto:

Ponte Dom Affonso Felippe Gregory, sobre o Rio Tocantins, em Imperatriz: essa obra e o município precisam de cuidados... (Imagem: Aeroset)

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