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Alguém devia pedir desculpa. Ou o boné…*

“O BRASIL É DOS BRASILEIROS”. E DE QUEM É ESTA FRASE?

– Quem respeitará os mais velhos, a existência antiga das frases, das expressões ancestrais, das nossas avós linguísticas!...

*

“O Brasil é dos brasileiros”.

Nesse primeiro fim de semana de fevereiro de 2025, dias 1º e 2, essa frase foi para o alto da cabeça de alguns brasileiros – em um boné azul cor de sangue...

A frase “O Brasil é dos brasileiros” foi tornada destaque em grande parte, senão a maior parte, senão em toda parte da mídia brasileira, da tradicional (impressa, eletrônica) às digitais (“sites”, “blogs”, vídeos, redes sociais, plataformas de mensagens instantâneas etc.).

Cinco palavras, 22 letras e 10 sílabas de puro truísmo, platitude, obviedade... e repetição, e cópia, e plágio. Sim, pois esses mesmos caracteres e termos se fazem aparecedores, nessa mesma ordem, há muito tempo. Por escrito e verbalmente, simples personagens e sofisticadas personalidades já se apropriaram apropriada e inapropriadamente dessas palavras.

A diferença é que, nos dias atuais, tem-se menos caráter e mais descaramento. E, se envolve Governo, há uma ruma de dinheiro para adubar $olo$ onde, em se implantando, tudo dá. Em terras venais assim, até pedra floresce. É muito desplante!...

*

Quando algo é de todos, não é de ninguém. Mas poderá ser daquele que – com esperteza, com o poder do dinheiro ou com o dinheiro do Poder – tentar se legitimar, ou ser legitimado, como “dono” pela força da repetição, pela fraqueza da bajulação, pelo compadrio do corporativismo.

Portanto, repita-se: Quando algo é de todos, não é de ninguém. Um exemplo é o dinheiro que é gasto pelo Governo: todos sabemos que o dinheiro é público, que o dinheiro é do povo, que o dinheiro é de todos – e também sabemos o quanto esse dinheiro não é devolvido para todos... nem mesmo sob a forma de obras feitas bem feitas, nem como prestação de serviços que prestam.

Mas se o dinheiro não retorna, as palavras, sim, vão e voltam... E aí, em certos (maus) exemplos e com certos (maus) modos, entram a “esperteza” do malandro que se autoproclama autor de uma frase ou, melhor e mais malandramente, joga-a como farelo para os áulicos de plantão, para que estes digam, repitam, repliquem uma falsa autoria, pelos meios que puderem e nos meios que dispuserem – redes sociais, mídia digital, Imprensa..., neste caso, sobretudo os “jornalistas de cifrões”, pessoas e profissionais que se tornaram mentes amestradas, mãos mercenárias. (A expressão aspeada é do jornalista fluminense “aclimatado” paulista Jânio Sérgio de Freitas Cunha, o Jânio de Freitas, 92 anos, 45 deles na “Folha de S. Paulo”, da qual é membro do conselho editorial, que já escreveu: “[...] os meios de comunicação brasileiros nunca deixaram de ser parte ativa nos esforços de conduzir o eleitorado. Sua origem e sua tradição são de ligações políticas, como agentes de facções ou partidos. [...]”).

Parece que muitos governantes e seus assessores e asseclas confinam a existência de suas ações e de seu Governo aos limites da mancha gráfica de uma publicação impressa, ao contorno das telas de televisão e de vídeo, e, ainda mais, ao espalhamento digital remunerado, à esparramação internética terceirizada. O que indivíduos assim, servidores servis, deveriam fazer é trabalhar com transparência, para transformarem-se ou fazerem-se (novas) realidades que produzam bons resultados e verdadeira satisfação no conjunto maior da população.

Mas não fazem... E quando apelam para as palavras, o que apresentam e do que se jactam são frases (já) feitas. Cafetões de ideias... Gigolôs do pensamento alheio...

A frase “O Brasil é dos brasileiros” não é nenhuma novidade, como não é novidade a adulação, a sabujice em torno dela, de dois dias para cá. Veja, não se está querendo aqui que governantes e ministros ou quem quer que seja, mesmo escritores, sejam permanentes e eternos poços de criatividade verbal, frasal, literária. Não é isso. Aqui apenas se (re)lembra que a ATRIBUIÇÃO INDEVIDA DE AUTORIA é próprio de quem é pago para fazer isso ou de quem, por ignorância que é grosseria ou por ignorância que é desconhecimento, dá como autoria de fulano o que há muito tempo foi dito por beltrano e sicrano, gregos e goianos. Se servir de lenitivo, digo: Eu sei – bem sei – que às vezes e incertas vezes se escreve o que já foi escrito, aqui ou alhures, neste ou em qualquer lugar do planeta e também os marcianos escritores... São apenas 26 letras para com elas escreverem-se todas as mais apaixonantes cartas de amor – e as mais apavorantes declarações de guerra... E, ademais, quem pode ler tudo o que todos escrevem em e por todo canto – no mundo todo?... Repetecos, portanto, hão de ocorrer. Mas, aquelas cópias descaradas, assim, na maior, com explícita atribuição de (falsa) autoria... Aí já querer brincar com o que talvez haja de “intelligentzia” em terras brasílicas...

Vejam-se as seguintes manchetes, títulos ou chamadas desse fim de semana, os dois primeiros dias do segundo mês do terceiro ano da atual administração federal brasileira. Tem a ver com ministros e outros bichos felpudos do “Gunverno”:

“SIDÔNIO CRIA FRASE, E MINISTROS DE LULA USAM BONÉ AZUL ‘BRASIL É DOS BRASILEIROS’”

“'O BRASIL É DOS BRASILEIROS': FRASE DE SIDÔNIO ESTAMPA BONÉ DE PADILHA E RANDOLFE NA ELEIÇÃO PARA O SENADO”

“SIDÔNIO ESTÁ POR TRÁS DE FRASE DE BONÉ ‘A LA TRUMP’ QUE ENALTECE ‘BRASIL É DOS BRASILEIROS’”

“’O BRASIL É DOS BRASILEIROS’ FRASE DE SIDÔNIO ESTAMPA BONÉ DE PADILHA E RANDOLFE NA ELEIÇÃO PARA O SENADO”

Aí acima, apenas quatro de centenas senão milhares de conteúdos com a repetição da frase de euforia (indevida) e atribuição de autoria (igualmente indevida). Publicações houve que, se não copiaram e colaram logo de cara a frase, deram-na no curso do texto, como se lê em “site” que “historia” e “revela” a “revelação” de um ministro: “O ministro revelou ainda que a criação do ‘slogan’ contou com a ajuda do chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira. // “Eu tive a ideia (do boné), mas pedi para o Sidônio pensar na frase. Seguindo o nosso novo ministro da comunicação, que é um craque, surgiu ‘O Brasil é dos brasileiros’”, completou.”

Que “craque” é esse que faz o gol porque recebeu a “bola” de outro(s) e o goleiro está amarrado – as palavras que não se “soltam” ante inacessibilidade dos livros e o desábito da leitura?! Veja-se o verdadeiro “gol de letras”... contra. Veja-se quando e quantos foram autores da frase do boné vermelho que, por ilusionismo, se via azul (o destaque da frase, em maiúsculas, é nosso):

1890 – Um dos registros mais antigos da frase “O Brasil é dos brasileiros” veio a público há 135 (cento e trinta e cinco) anos, em 1890, no livro “A Educação Nacional”, de 1890, do notável historiador, escritor e acadêmico paraense José Veríssimo (1857-1916). escreveu: “[...] ‘Há baianos, há paraenses, há paulistas, há rio-grandenses. Raro existe o brasileiro. É frase comum: Primeiro sou paraense (por exemplo) depois sou brasileiro. Outros dizem: a Bahia é dos baianos, O BRASIL É DOS BRASILEIROS’." O livro de Veríssimo, nesse quase século e meio de existência, teve apenas quatro edições, uma delas, de 2013, com introdução do igualmente afamado José Murilo de Carvalho (1939-2023), nascido em Minas Gerais, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, historiador, cientista político, escritor e acadêmico. Em outubro de 2008, a “Revista Brasileira de História”, digital, publica o texto “D. João e as histórias dos Brasis”, de José Murilo de Carvalho, que cita a passagem acima, de José Veríssimo.

Em 13 de março de 1940, uma quarta-feira, o jornal “A União”, de João Pessoa (PB), destaca em manchete principal: “O BRASIL É DOS BRASILEIROS”. Foi essa a ideia-força que o jornal selecionou da íntegra do discurso do à época presidente Getúlio Vargas, que visitava Santa Catarina e, recebido em Blumenau, no Teatro Carlos Gomes, no dia 10 de março de 1940, disse, entre outras palavras: “[...] O Brasil, sim, não é inglês nem alemão. É um País soberano que faz respeitar suas leis e defende seus interesses. O BRASIL É DOS BRASILEIROS.” (Na transcrição da Casa Civil da Presidência da República está: “O Brasil é brasileiro.”) // “[...] ser brasileiro, não é somente respeitar as leis do Brasil e acatar as suas autoridades. // Ser brasileiro é amar o Brasil. E' possuir o sentimento que permite dizer: ‘O Brasil nos deu o pão; nós lhe daremos o nosso sangue’. E' cultivar o sentimento de brasilidade, pela dedicação, pelo afeto, pelo desejo de concorrer para a realização da grande obra, na qual todos somos chamados a colaborar, porque só assim poderemos, contribuir, na marcha ascensional da prosperidade e da grandeza da Pátria”.

Em campanha de 2016, a favor de “impeachment” da presidente da República, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN adota o lema “O BRASIL É DOS BRASILEIROS”, como está em seu “site”. Alguns trechos do texto, que muitos podem crer que se está descrevendo i ambiente político-ideológico e socioeconômico de hoje: “A Nação está cansada. O Brasil não pode mais esperar. É hora de olhar para o futuro novamente com esperança. Sem receio. [...] A paralisia e o desgoverno do Brasil têm ceifado milhões de empregos, quebrado empresas e penalizado a população enquanto os escândalos de corrupção se acumulam diante dos olhares perplexos dos brasileiros. Está na hora de colocar um ponto final nessa história do Brasil de direita ou de esquerda, de A ou de B, do norte ou do sul, de rico ou de pobre. O BRASIL É DOS BRASILEIROS e ponto. A democracia brasileira não pode mais ser ameaçada por uma minoria que aposta no confronto. A voz de milhões de brasileiros não pode ser calada. [...]”.

Em 9 de maio de 2016, o espírito-santense Marcos Antônio Pereira, advogado, professor, político e presidente de partido, deputado federal por São Paulo, em seu “site”, finaliza texto de dez parágrafos com a frase: “O BRASIL É DOS BRASILEIROS!”.

Em 8 de julho de 2016, o “site” Migalhas traz em destaque a frase dita pelo notável advogado, jurista, professor e político Hélio Bicudo: "O BRASIL É DOS BRASILEIROS". Em conjunto com o jurista Miguel Reale Jr. e a professora Janaina Paschoal, Bicudo foi o autor do pedido de “impeachment” da presidente Dilma Roussef.

Em 3 de novembro de 2017, o “site” Defesa Aérea & Naval reproduziu texto de Marcos Coimbra, professor, escritor, acadêmico, escreveu: “[...] Preservar para os nossos filhos aquilo que foi tão duramente conquistado pelos nossos antepassados. Afinal, O BRASIL É DOS BRASILEIROS! Caso permaneçamos indiferentes, ausentes, medrosos, nossos filhos terão o direito de cobrar-nos: por que não fomos capazes de, além de doar nossas vidas em defesa do que recebemos, dar-lhes razão para continuarem a viver dignamente? // O momento é de União. O passado foi-se. Nossos descendentes dependem daquilo que conseguirmos legar para eles. Sequer temos um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Chega de ódio e sentimento de vingança! Houve excessos de ambos os lados e, em nome do futuro, devemos lutar ombro a ombro contra as formidáveis ameaças existentes ao nosso Progresso. Chega de traição à Pátria!”

Em 8 de setembro de 2020, o “site” da ANABB - Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil publicava texto acerca de mobilização em favor do Banco. O “mote” da campanha, há quatro anos e cinco meses, era: “Não mexe no BB. É DO BRASIL. É DOS BRASILEIROS”. Como se lê, bem próximo da frase “O Brasil é dos brasileiros”:

Em 6 de setembro de 2021, o Portal Único traz texto “O melhor do Brasil ainda é o brasileiro”, de sua colunista Maria Ritah, atleta ultramaratonista e radialista, que escreve: “[...] Eu não tinha entendido a inferência sobre política e minha amada camisa verde-amarelo. Eu a vesti por ser brasileira, e não como defensora de qualquer partido político. // O melhor do Brasil ainda é os brasileiros. [sic] // [...] O melhor do Brasil não está estampado nas páginas dos jornais. [...] Se tivermos a consciência de que O BRASIL É DOS BRASILEIROS podemos chegar a outro patamar de uma sociedade, porque a esperança ainda não morreu”.

Em 25 de novembro de 2021, o jornalista e radialista paulistano Eduardo Oinegue, da Rádio e TV Band, no canal do YouTube da Rádio BandNews FM, defendeu: “[...] Nós queremos um país. Primeiro, nós precisamos tomar posse: o país é o Brasil. O BRASIL É NOSSO, o Brasil não é deles. ‘Nosso’, eu digo, É DOS BRASILEIROS; não é dos políticos [...].” Em resumo escrito, o canal registra: “[...] Oinegue mostra que, no Brasil, não temos uma agenda nacional, que discute possíveis melhorias e meios de desenvolver o país, sempre ficamos à mercê dos interesses do partido político em vigor. // Para o âncora, isso é um problema, pois O BRASIL É DOS BRASILEIROS, não dos políticos, que vêm e vão a cada eleição. [...]”.

Em 29 de julho de 2023, o “site” da Câmara dos Deputados, sobre “criação do marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas”, traz comentário de Carlos Pereira dos Santos: “O BRASIL É DOS BRASILEIROS [...]”.

Em 15 de janeiro de 2025, Calebe Garbin, vereador em Caxias do Sul (RS), escreve em sua rede social (Instagram): “O pix é do Brasil, e O BRASIL É DOS BRASILEIROS.” Nesta mesma data, Moisés Trindade, treinador, escreve também no Instagram: “BRASIL É DOS BRASILEIROS que produzem.” Uma semana depois, em 22 de janeiro, Paulo Santiago, da área de Marketing Digital, escreve e fala em seu canal no YouTube: “O BRASIL É DOS BRASILEIROS; aproveita essa vantagem”.

As reproduções poderiam ir sendo relacionadas aqui até a exaustão. O certo é que, sejam pessoas simples, sem vínculo com os Poderes – os quais mantêm –, sejam personagens políticas e personalidades públicas, professores, historiadores, entre outros, a frase “O Brasil é dos brasileiros” é ou tornou-se um daqueles patrimônios “imateriais”, linguísticos, anímicos, sentimento de pertença. Deixa de ser de alguém para ser de todos.

Tanto isso pode ser uma verdade que, em outros idiomas, a mesma afirmação de pertencimento ocorre – é claro, trocando-se o nome do País. Por exemplo, em língua inglesa, americanos dizem "America belongs to the Americans". Vale observar que, em Língua Portuguesa, a frase “O Brasil é dos brasileiros” traz o verbo “ser” (representado por sua flexão “é”) como predicativo, ou seja, o verbo tem, digamos assim, um sentido de “ter identidade, característica ou propriedade intrínseca”, como relaciona o “Dicionário Houaiss”. É essa ideia de “propriedade” que, em inglês, se mostra logo, com a flexão verbal “belongs” (pertence), do verbo “to belong” (pertencer).

A ideia de a América (os Estados Unidos) “serem dos americanos” toca nos princípios da doutrina anticolonialista de James Monroe, que, de 1817 a 1825, foi o quinto presidente dos Estados Unidos e que, em 1823, posicionou-se fortemente contra a Europa colonizadora, no que ficou conhecido como “Doutrina Monroe”, resumida na frase "América para os americanos", inclusive “a não intervenção nos assuntos internos dos países americanos

 O “site” Vanipedia.org. traz pronunciamentos de Abhay Charanaravinda Bhaktivedanta Swami Prabhupada (1896-1977), ou apenas Srila Prabhupada (que significa aproximadamente “eminente servidor aos pés de Deus"), líder religioso indiano, fundador da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna (o conhecido Movimento Hare Krishna). Uma das falas, de setembro de 1972, faz referência à frase “A América é dos americanos”. Ei-la: “[...] Esta terra, esta terra da AMÉRICA, PERTENCE AOS AMERICANOS; A TERRA DE ÁFRICA PERTENCE AOS AFRICANOS”. Não. Toda terra pertence a Deus. [...]”) (no original: [...] ‘This land, this land of America, belongs to the Americans; the land of Africa belongs to the Africans’. No. Every land belongs to God. [...]”).

Em fevereiro de 1889, era publicado pela primeira vez “In the Year 2889” (“No Ano 2889”), texto do escritor francês Júlio (Jules) Verne que também se credita a seu filho Michel Verne. Como se sabe, Verne (1828-1905) é considerado o pai da ficção científica e influenciou grandes nomes como Arthur C. Clarke, Ray Bradbury, H. G. Wells e muitos outros. Verne vaticinou boa coisa para daqui a oito séculos; escreveu que “as pessoas deste século vinte e nove vivem continuamente na terra das fadas”, estão “fartas de maravilhas”. Que se diga “Amém!”...

Em um trecho desse “In the Year 2889” lê-se: "Nós, em casa, pensamos que o seu povo deve agora estar saciado. A doutrina Monroe é totalmente aplicada; toda A AMÉRICA PERTENCE AOS AMERICANOS. O que mais você quer? Além disso, pagaremos pelo que pedirmos" (Em inglês: "We at home think that your people must now be sated. The Monroe doctrine is fully applied; the whole of AMERICA BELONGS TO THE AMERICANS. What more do you want? Besides, we will pay for what we ask.”)

Em junho de 2024, o “site” Chronicles Magazine.org registra comentário de leitor no texto “Citizenship degraded” (“Cidadania degradada”). Ele elogia o texto e escreve: “A AMÉRICA PERTENCE AOS AMERICANOS, como a França pertence aos franceses e a Polónia pertence aos polacos” (“America belongs to the Americans, as France belongs to the French and Poland belongs to the Polish”).

Franceses também dizem “A França pertence aos franceses”. Em 21 de março de 2017, diz comentário de leitor no “site” Le Orient – Le Jour (lorientlejour.com): “A França pertence antes de mais nada aos franceses. Estou chocando você? Bem, se eu disser que a Argélia ou a China ou o Catar ou o Líbano etc.... pertencem aos chineses do Catar ou aos argelinos libaneses, isso o chocaria tanto? Certamente não. Então...” (No original: “La France appartient aux français en priorité. Je vous choque? Eh bien si je dis l'Algérie ou la Chine ou le qatar ou bien le Liban etc.... appartiennent aux algériens chinois qataris ou libanais, est ce que cela vous choquerait autant ? Assurément non. Alors...”).

Em 22 de janeiro de 2019, no “site” Le Grand Débat National (granddebat.fr) registra-se: “A França pertence ao povo francês. Não cabe às potências estrangeiras, aos políticos, mesmo aos funcionários eleitos, impor as suas escolhas aos franceses em questões de imigração!” (No original: “La France appartient au peuple français. Ce n'est pas aux puissances étrangères, aux politiques, même élus, d'imposer leurs choix aux Français en matière d'immigration!”).

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Pois é, aí estão alguns registros acerca da ancestralidade da frase “O Brasil é dos brasileiros”, que nada tem de nova, nem em sua grafia nem, muito menos, nas suas intenções, no que ela quer dizer. Os dizeres semelhantes em outros idiomas talvez digam que uma nação ser dos seus nacionais, como um município é de seus munícipes, é só uma expressão vocal ou gráfica de um (in)consciente coletivo, esse patrimônio imaterial comum que voluntária e involuntariamente, consciente e inconscientemente nós, os humanos de boa vontade, dividimos entre nós, sem nos considerarmos autores ou donos do que quer que seja. Tem algo a ver com o falado sentimento de pertença (“ownership”).

Como (in)certas pessoas que estão no Poder se acham oniscientes e onipotentes (não são onipresentes porque, nos últimos tempos, não estão nas ruas...), é pule de dez ou bola cantada que não vão aparecer os fazedores de cópias, os escrevedores de bonés.

Mas, se restar algum senso, aquele que distingue o certo do errado, o verdadeiro do falso, o que é próprio e o que é inadequado... enfim, a isso que a Filosofia chama de “bom senso” ou “senso moral”, se houver algo dele, não tirará nenhum pedaço o reconhecimento de que há séculos que existe a frase “O Brasil é dos brasileiros”.

Então, está na hora de alguém pedir desculpas.

Ou de pedir o boné...

Verdadeiramente, e apesar de tudo, não é de hoje que o Brasil é dos brasileiros...

* EDMILSON SANCHES

IMAGENS:

Em 1940, jornal destaca a frase “O Brasil é dos brasileiros”, dita por Getúlio Vargas. O escritor José Veríssimo e seu livro “A Educação Nacional”, onde essa frase aparece em 1890. A mesma frase usada por um advogado e por uma entidade empresarial, em 2016.

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